Em meio aos argumentos para tentar convencer os demais membros da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, a aprovar uma sessão solene em homenagem aos 40 anos do MST, a deputada estadual Isolda Dantas, do PT, parece ter esquecido que o Movimento não possui representação jurídica. Sem CNPJ, é como se o MST “não existisse”. A tática, antiga, evita, por exemplo, que seus líderes possam ser responsabilizados por invasões, ataques ou quaisquer outros crimes que já tenham sido cometidos ao longo destas quatro décadas.
Mas a deputada Isolda Dantas foi além, durante a sua defesa pela homenagem do MST. A deputada acabou admitindo que seu objetivo mesmo é homenagear os membros de sua base política. “Todo mundo sabe que sou deputada do MST. Eu defendo o MST no Rio Grande do Norte”, disse a parlamentar em pronunciamento no plenário da Assembleia Legislativa, em sessão que foi interrompida após obstrução de oposicionistas ao projeto. A petista expôs, assim, que o MST é mesmo um braço político do PT.
Nelcilene Reis, que morou em um acampamento do MST de 2016 a 2019, afirmou aos parlamentares federais que as famílias que viviam no local eram usadas como massa de manobra pelo movimento. Ela disse ainda que os acampados trabalhavam para o MST sem remuneração e ainda eram punidos caso não obedecessem as normas do acampamento.
“Quando a gente não fazia o que era determinado, a gente era expulso e se a gente resistisse, muitas vezes – não aconteceu comigo, mas eu presenciei a pessoa estar embaixo do barraco e eles derrubarem, a pessoa estava embaixo e tinha que sair”, afirmou a testemunha em depoimento à CPI. Nelciliene disse que se desligou do MST por causa de divergências com a organização do acampamento. A partir daí, ela afirma ter sido ameaçada de morte, tendo sobrevivido porque a polícia chegou a tempo de defendê-la e sua família.
Outra depoente na mesma CPI foi Vanuza dos Santos de Souza, que fez parte do MST e acusou seus militantes de expulsá-la da própria casa no assentamento por não concordar com orientações e direcionamentos defendidos pelas lideranças sem-terra. Ela citou pressão política em eleições. “Ou você vota, ou você perde a terra.”
Segundo Vanuza, o deputado Valmir Assunção (PT-BA) foi responsável por conceder a ela, há 16 anos, o lote no acampamento, para que pudesse construir a casa, posteriormente destruída. Ela acusou o parlamentar petista de ser o mandante da ação.
Vanuza afirmou que a casa dela no assentamento, no sul da Bahia, foi destruída e ela e os filhos, espancados. Em um vídeo, a ex-participante do Acampamento São João mostrou a situação da residência após a suposta ação dos líderes do movimento: móveis, janelas e telhados quebrados e panelas e roupas espalhadas pelo chão.
Ela relatou que sofria pressão política no assentamento durante períodos eleitorais. “No assentamento ou você vota, ou você perde a terra. Eu fui para rua durante anos e anos para fazer campanha para Valmir Assunção”, afirmou. “Os líderes do assentamento diziam que o nosso maior líder era Valmir Assunção.” Os depoimentos estão disponíveis na internet, assim como a repercussão na impressa de todas as falas citadas nesta reportagem.
Homenagem tem votação obstruída
A bancada de oposição na Assembleia Legislava obstruiu pela segunda vez consecutiva, a deliberação em plenário do requerimento da deputada estadual Isolda Dantas (PT) propondo sessão solene para homenagear os 40 de criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O líder do bloco partidário PL/PP/MDB), deputado estadual Coronel Azevedo (PL) manteve a posição da sessão de terça-feira (5), quando foi acompanhado pelo deputado estadual José Dias (PSDB), e na sessão de ontem contou com as adesões dos deputados Galeno Torquato (PSDB) e Adjuto Dias (MDB).
“O MST nunca entregou um título de terra no Brasil, nenhum assentado no Brasil recebeu o documento de posse definitiva através do MST”, justificou Azevedo.
Segundo Azevedo, o único órgão no Brasil que “titula legalmente as terras é o Incra, que a Assembleia Legislativa já homenageou pelo seu trabalho. Inclusive, durante a gestão de um potiguar, à frente do Incra”.
O Coronel Azevedo lembrou que, “infelizmente”, a sede do Incra no Rio Grande do Norte “foi por diversas vezes invadida por este movimento que tem praticado o crime ao longo de tantos anos em nossa nação”.
Com a obstrução da pauta, faltou quorum para votação do requerimento da deputada petista. Inicialmente, tinham registrados presenças na sessão 19 deputados, mas na ocasião em que o presidente em exercício da mesa, deputado estadual Gustavo Carvalho, chamou a matéria à deliberação, estavam 14 deputados, número que caiu para 11 com as declarações das obstruções.
O mínimo exigido regimentalmente para votações é de 13 deputados, mas chamou atenção as ausências de dois companheiros de bancada da deputada Isolda Dantas, os deputados Francisco do PT, que não esteve na sessão do dia 5 e a deputada Divaneide Basílio, que registrou presença, mas na discussão da matéria estava ausente.
Segundo as assessoria dos deputados, Francisco do PT estava em viagem e Divaneide Basílio tinha uma agenda externa e deixou o plenário, porque não tinha votação prevista.
A deputada Isolda Dantas apresentou o requerimento sobre a sessão solene em 22 de janeiro, mesmo dia em que o MST completou 40 anos de existência e quando a Casa estava em recesso parlamentar.
Isolda já defendeu invasões de terras pelo MST
Parlamentar de segundo mandato na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, a deputada Isolda Dantas (PT) já defendeu em outra oportunidade a invasão de terras pelo MST. Em
junho do ano passado, a própria parlamentar publicou nas redes sociais um vídeo de sua visita a uma invasão do MST em Mossoró. Com um discurso extremista, saiu em defesa da ação ilegal do Movimento.
Isolda Dantas disse no vídeo que “ninguém vem ocupar casa, quem tem casa, ninguém vem ocupar terra, quem está bem, ocupa terra quem precisa”. A petista afirmou ainda que “é isso que tem de ser dito, ninguém vem ocupar terra porque acha bonito, porque é de noite enfrentando a Polícia e desmatando de madrugada”.
O ano de 2023 ficou marcado pelo retorno das invasões a propriedades públicas e privadas no campo e na cidade. No Rio Grande do Norte, foram, pelo menos, 8 invasões organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Isso significa que ,apenas no primeiro ano do Governo Lula, o RN teve mais invasões a propriedades que nos quatro anos do Governo Bolsonaro inteiro. Entre 2019 e 2022, foram apenas cinco invasões de terra, de acordo com dados da Pastoral da Terra. O panorama se repete em todo o País.
Em 2023, foram realizadas invasões do MST em diversas localidades do estado, como às margens da Usina São Francisco, no município de Ceará-Mirim; a um terreno da prefeitura de Macaíba; e à sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em Natal.
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Fonte: Tribuna do Norte