MPRN investiga agente penal suspeito de vender dados ao crime organizado

Em 11 de junho de 2023, uma advogada que atua em Natal e defende presidiários recebeu uma mensagem diferente no seu instagram. Um perfil identificado como “sabrininha.silva24” oferecia informações que colocariam em risco a vida de agentes de segurança do RN.
“Talvez eu tenha informações que possam ser úteis. De clientes. De investigações. E por aí vai”, dizia, nas mensagens. Falava também que poderia conseguir “placas de veículos usados”; “operações que estejam em andamento”.

Prints feitos pela advogada e anexados à denúncia mostram outras mensagens: “Um informante do Gaeco e um informante que tá no federal devem valer algo”; e “veja se tem algum interessado na lista de todos os agentes penitenciários do Estado. Como falei: nomes, endereços, telefones, cpfs.”

O que sabrininha.silva24 não esperava era que esse seu contato à procura de vantagem se voltasse contra ela. A advogada prestou queixa na Divisão Especializada de Combate ao Crime Organizado (Deicor), da Polícia Civil.
A partir daí a polícia começou a puxar esse fio solto e descobriu uma trama surpreendente.

A investigação revelou que o agente penal Dhayme Araújo Silva, o Dhayme PQD, tido como exemplar e linha dura, que foi coordenador de Administração Penitenciária no RN e atuou no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) seria a pessoa por trás de “sabrininha.silva24”, perfil fake por meio do qual ele tentou vender informações sensíveis sobre companheiros de trabalho ao crime organizado. O motivo: “ganhar dinheiro”.

A investigação revelou que ele teria procurado pelo menos outros dois advogados. E que teria tentado da mesma maneira, vender informações sigilosas.

Em 21 de junho, ele procurou outra advogada, uma das investigadas “pelo MPRN no bojo da Operação Carteiras, sendo posteriormente condenada por integrar ORCRIM (organização criminosa).” “Tenho muita informação e consigo muita informação com diversas pessoas inclusive de coisas em andamento. Tomei abuso de ser certinha. Agora quero olhar unicamente meu bolso”, disse, em mensagens descobertas pela investigação.

Em 25 de junho, mais uma tentativa: Dhayme PQD teria oferecido a uma terceira advogada mais informações sigilosas. “Quanto vale o nome do informante do gaeco que tá preso em Alcaçuz e os que tão no federal?”, disse em uma mensagem. E acrescentou: “Consigo nomes, endereços, telefones, cpfs sobre todos os agentes do RN e onde estão lotados também”.

Em 25 de outubro, após busca e apreensão, quebras de sigilos e depoimentos, Dhayme foi denunciado por receptação (Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa); corrupção passiva (reclusão, de 2 a 12 anos, e multa); violação do sigilo funcional (reclusão, de 2 a 6 anos, e multa). Em 26 de outubro a denúncia foi recebida.

Prints de conversas descobertos pela investigação feita pela Polícia Civil. Foto: Reprodução
Prints de conversas descobertos pela investigação feita pela Polícia Civil.

A questão da receptação envolve a suposta venda de equipamentos de segurança que seriam da Seap. Essa descoberta foi possível graças à colaboração da pessoa que teria comprado os utensílios e entregou o celular à polícia para ser periciado. De acordo com essa pessoa, Dhayme também tentou “utilizar o interlocutor como um intermediário objetivando oferecer um serviço de inteligência ao notório grupo criminoso de “João Grandão” e “Wendell Lagartixa”, segundo a denúncia.

Investigado por sonegação de R$ 180 milhões fugiu após suposto aviso

Uma das suspeitas mais graves envolvendo Dhayme Silva diz respeito à “Operação Logro”, promovida em junho deste ano. De acordo com a investigação, o empresário Eronides Cândido de Oliveira encabeçava um esquema de sonegação, lavagem de dinheiro e associação criminosa que teria sonegado cerca de R$ 180 milhões.

Em junho, essa operação conjunta do MPRN, das Polícias Militar Civil e da Secretaria de Sonegação, tentou prendê-lo. Não conseguiu. De acordo com a investigação feita contra Dhayme Silva, ele teria avisado a conhecidos do empresário dia 3 de junho. A operação foi dia 5.

Trecho da denúncia: “o denunciado Dhayme Araújo da Silva, valendo-se das informações sigilosas a que tinha acesso dada a sua lotação funcional no GAECO/MPRN, inclusive informações obtidas antes da deflagração da “Operação Logro”, manteve contato com a Sra. “Adriana Catolé” (empresária, proprietária do Posto Catolé em Nova Cruz/RN) para transmitir dados sigilosos sobre “Eronides” no dia 03/06, dois dias antes da deflagração da referida operação, que ocorreu em 05/06/2023, possibilitando a adoção de contracautelas e fuga do investigado (além de colocar todos os agentes públicos que estavam na missão em risco, na medida em que poderiam ser recebidos com força adversa).”

Agente penal suspeito fala em “mágoa com tudo que passou”

Em depoimento, durante a investigação, Dhayme afirmou que não repassaria as informações. E deu indicações do que teria motivado sua mudança de comportamento.

“Que de fato tem uma mágoa com tudo que já passou, tiros que levou em serviço, retirada pela gestão do cargo que ocupou, pelo escanteio que foi jogado, mas trabalha pelas pessoas, pelo cumprimento da missão e tem se dedicado a todos esses anos ao bem da sociedade”, consta no depoimento prestado em agosto.

No início deste mês, o Ministério Público instaurou inquérito civil para acompanhar “o processo administrativo disciplinar instaurado em face do policial penal Dhayme Araújo da Silva e apurar possível prática de ato de improbidade administrativa em razão da suposta prática de corrupção passiva e violação de sigilo funcional”.

O inquérito foi instaurado dia 6 de dezembro deste ano pelo promotor Wendell Beetoven Ribeiro Agra, que desempenha as atividades de controle externo da atividade policial.

Endereço de secretário de Administração Penitenciária do Ceará por R$ 500 mil

No Ceará, onde Dhayme Silva atuou após ser requisitado pelo secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP), Luis Mauro Albuquerque, que foi secretário da mesma pasta no Rio Grande do Norte, uma operação revelou que antes mesmo de tentar vender informações sigilosas no RN, agente penal suspeito poderia ter tentado algo mais grave.

De acordo com informações publicadas pelo jornal O Povo, de Fortaleza (CE) e pelo jornalista Josmar Jozino, do UOL — com base em investigações policiais e do Ministério Püblico — Dhayme PQD poderia ser o agente penal suspeito de pedir R$ 500 mil para revelar o endereço de Mauro Albuquerque a uma advogada suspeita de ligação com facção criminosa.

Nas conversas, descobertas graças à operação “Profilaxia”, a advogada pergunta “por quanto o Mauro sairia?”. O agente penal suspeito responde: “R$ 500 mil. R$ 250 mil antes. R$ 250 mil depois”. Essa conversa teria acontecido em fevereiro de 2022.

Em novembro passado, Mauro Albuquerque comentou o assunto em entrevista a O Povo e se mostrou indignado pelo fato de o agente tentar expor sua família. “Isso é muito mais grave. Não é o secretário Mauro, porque estou o tempo todo exposto, e não tenho medo de facção nenhuma. Não estou preocupado com isso, estou preocupado quando se fala da minha família”, disse.

Imagens: Reprodução

Fonte: Novo Notícias

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