A UFRN recebeu, nesta terça-feira, 28, o patenteamento definitivo referente a um novo hidrogel com características anti-inflamatórias e que pode ser utilizado em humanos e animais. A preparação farmacêutica é feita à base de compostos químicos naturais, biodegradáveis e sustentáveis, como a quitosana, associada a gomas e derivados de celulose, contendo a papaína, uma enzima extraída do látex dos frutos do mamão Carica papaya.
Com raiz em pesquisas realizadas desde 2014, mas cujo depósito de pedido de patente ocorreu em 2017, a concessão recebeu o nome hidrogéis co-desbridantes e multifuncionais de quitosana e papaína associados a outros biopolímeros não-iônicos e ácido resistentes para tratamento de feridas, seu processo de obtenção, aplicacão e uso. Waldenice de Alencar Morais Lima, coordenadora da pesquisa que deu origem à descoberta científica, pontua que o produto desenvolvido é aplicado ao tratamento de feridas para uso em humanos ou veterinário, tendo como facilidades a combinação de várias vantagens terapêuticas em um mesmo produto.
“Ele funciona como um curativo que, quando aplicado no ferimento, é absorvido e, nessa assimilação, elimina as células mortas, em um processo tecnicamente chamado de desbridamento. Alcançamos isso com a combinação da enzima papaína, como desbridante enzimático seletivo, a elementos como biopolímeros hidrofílicos hidratados e pH ácido-resistentes, estes atuando como desbridantes autolíticos. Desta maneira, criando o microambiente adequado para o processo natural de cicatrização de feridas”, realça a professora do Departamento de Farmácia.
Não por acaso, essas associações que a cientista identifica influenciam diretamente na ‘performance’ versátil da nova tecnologia. A papaína é um elemento com função proteolítica, pois degrada proteínas. Inclusive, por sua ação cicatrizante, populações originárias na América, na África e em algumas ilhas do Caribe já utilizavam o mamão verde no tratamento de ferimentos no passado. O uso dos biopolímeros que Waldenice cita e as associações que a partir daí se estabelecem permitem a otimização da veiculação da papaína em aplicações farmacêuticas.
Os estudos que circunstanciaram e propiciaram essa amplitude fazem parte da dissertação de Sara Rayana Morais Fernandes, na época aluna de mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas (PpgCF).
Ela assinala que o hidrogel obtido é uma alternativa terapêutica multifuncional e versátil capaz de evitar, inclusive, a necessidade de remoção ou troca como curativo, aplicando-se a feridas com ou sem exsudado – uma etapa natural da cicatrização, espécie de resposta do organismo aos danos causados nos tecidos. Ela explica que a multifuncionalidade do hidrogel está associada à capacidade de combinação dos componentes escolhidos, bem como das condições de preparo, conferindo propriedades ao produto como ação antimicrobiana e co-desbridante, além da característica bioadesiva.
O desenvolvimento da tecnologia contou, ainda, com a contribuição de Matheus de Freitas Fernandes Pedrosa e Liege Catarina dos Reis, respectivamente, professor do Departamento de Farmácia e aluna de iniciação científica quando ocorreu o depósito. Tanto Waldenice como Matheus não são iniciantes na proteção intelectual dos ativos frutos de pesquisa. Juntos, ambos somam quase duas dezenas de depósitos, inclusive com outras concessões recentes: Liberação modificada com nanotecnologia, que cria um processo que propicia uma alternativa à liberação convencional de fármacos; e Novos antibióticos, sobre uma tecnologia que usa mutação para obter novas substâncias do veneno do escorpião. Atualmente, os pesquisadores envolvidos continuam desenvolvendo em suas linhas de pesquisa processos, insumos ou produtos farmacêuticos com uso de tecnologia em benefício do cuidado em saúde a partir de diferentes matrizes biológicas ou de fontes de origem natural.
Eles frisam que, apesar de já conhecidos os efeitos benéficos da papaína no tratamento de lesões de pele, existem limitações quanto ao seu uso terapêutico no que diz respeito a sua estabilidade. Já a quitosana tem sido estudada para muitas aplicações médicas, tais como, a colocação em contato com os tecidos biológicos, pois não provoca reações e inibe a formação de cicatrizes. “Diversos biopolímeros não-iônicos e de origem natural, como goma guar e hidroxietilcelulose, são capazes de formar complexos com a quitosana, podendo tal combinação contribuir para a melhoria das características de biomateriais na formação de hidrogéis. Com isso, o processo de patenteamento permitiu a melhora da aplicabilidade terapêutica da papaína associada a biopolímeros estratégicos com o emprego de tecnologia em saúde em benefício da sociedade”, coloca Waldenice Morais.
Números da UFRN
Chegando agora a 71 cartas-patente, a UFRN é a universidade líder no Norte-Nordeste neste quesito, à frente de instituições com Índice Geral de Cursos similar ao seu, como Universidade de Brasília, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal da Bahia. O número mais do que triplicou no último triênio, quando, em setembro de 2020, a Instituição realizou sua 23º concessão. A invenção passa a compor a Vitrine Tecnológica da UFRN, grupo de inovações que abrange tanto os programas de computador registrados quanto às patentes concedidas e as novas tecnologias em fase de depósito.
Embora essa última distinção exista, não há empecilho para a utilização das tecnologias pelo setor produtivo, já que o depósito de pedido de patente é o primeiro passo para garantir direitos de comercialização exclusiva, por um determinado período, de uma nova invenção com aplicação industrial. Assim, o depósito em si já propicia a alternativa de transferência de tecnologia com as proteções estabelecidas na legislação. Na UFRN, a Agência de Inovação (Agir) tem a responsabilidade de dar suporte aos pesquisadores, desde o depósito em si até os trâmites seguintes, tais quais a resposta aos questionamentos dos analistas do INPI e o pagamento das taxas junto ao Instituto. O passo inicial para tudo chama-se notificação de invenção, que pode ser feito pelo Sigaa, na aba Pesquisa.
Fonte: Agecom/UFRN