Entre os principais desconfortos causados aos pacientes que buscam atendimento em um consultório odontológico, está o barulho do ‘motorzinho’, como é conhecida popularmente a caneta odontológica ou caneta de baixa e alta rotação usada pelos dentistas em vários procedimentos. Pensando nisso, um grupo multidisciplinar de cientistas do Laboratório de Inovação em Saúde (LAIS) da UFRN, em parceria com o Núcleo Avançado de Inovação Tecnológica (Navi), do IFRN, desenvolveu uma Caneta à Plasma, um instrumento capaz de esterilizar cavidades e remover, sem causar dor ao paciente e de maneira silenciosa, cáries dentárias, preservando o tecido saudável.
Com características inéditas, a tecnologia recebeu, no último dia 14, o patenteamento definitivo pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), sob o nome “caneta multigás/multiregime à plasma desconexa do gerador para remoção de cáries dentárias”, ou seja, com a concessão da Carta Patente, o Inpi averiguou que o equipamento tem atividade inventiva, novidade e aplicabilidade industrial. Entusiastas do desenvolvimento da Caneta, os professores Custódio Leopoldino de Brito Guerra Neto e João Paulo Queiroz dos Santos, coordenador do Projeto Caneta Plasma, destacam que a tecnologia vem para resolver os problemas encontrados no processo da remoção da cárie dentária. Este processo é feito com equipamentos que causam vibração, pressão, ruído e dor, além de desconforto e estresse ao paciente. Por meio de parâmetros específicos, o uso do plasma é essencial para alcançar esse resultado.
“A iniciativa trata-se de uma tecnologia versátil e inovadora para o uso da aplicação de plasma na área de saúde bucal. A caneta à plasma, diferentemente das canetas convencionais ou híbridas, não faz uso de ações mecânicas rotativas com efeitos indesejáveis vibracionais, térmicos e sonoros, ou seja, nossa invenção não depende de brocas rotativas para acesso à cavidade cariada. Também difere de algumas invenções recentes à jato de plasma que se restringem à melhoria da molhabilidade da dentina e do esmalte, com consequente fortalecimento do poder de adesão da resina restauradora. Interessante pontuar que a caneta foi concebida para remoção direta de cáries dentárias, de forma silenciosa e indolor à temperatura ambiente”, ressalta o coordenador do projeto.
Como efeito colateral, outro incômodo que deixa de existir é o da anestesia, também fonte de dor. Assim, a caneta split-flex à plasma é uma alternativa para a remoção de lesões dentárias cariosas cavitadas, com uma perda da integridade da superfície do esmalte, e sem comprometimento pulpar, situação que preserva a estrutura dentária hígida e o periodonto – parte da boca que envolve as raízes do dente, a gengiva e o osso. João Paulo acrescenta que o invento apresenta, de forma inovadora, um gerador de plasma e seu aplicador posicionados estrategicamente de maneira disjunta, o que também propicia uma melhor versatilidade e segurança do odontólogo e de seus pacientes. Daí vem o fato de o equipamento ser split, pois, literalmente, divide-se em um reator espacialmente disjunto e a caneta propriamente dita. Sendo assim, a “caneta split-flex” permite a operação do aplicador, estando largamente separado da fonte geradora de plasma e, assim, garantindo que a fonte geradora de plasma de alta voltagem fique sempre a uma distância segura mínima de até dois metros do dentista e do paciente.
A característica “flex” dela está no fato de poder comumente operar com diferentes tipos de gases, o que flexibiliza também o banho de pluma como indireto (modo padrão) ou direto (modo alternativo). Desta maneira, é possível atender aos casos específicos, em que o material dentário possa ser parcialmente utilizado como um segundo eletrodo. “Adicionalmente, o equipamento possibilita ajuste de energia de saída variável da fonte, entre 0% e 100%, sendo assim capaz de remover tecido cariado sem morte pulpar e, concomitantemente, esterilizar cavidades dentais”, explica João Paulo Queiroz.
O pedido de patente da Caneta à Plasma foi feito em agosto de 2019 e é fruto de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Outro aspecto que os moveu, na época, foi uma situação pouco pensada: o quanto o barulho do motorzinho afeta os dentistas.
“Os odontólogos são profissionais da saúde expostos a diversos ruídos em seus consultórios, produzidos e emitidos por canetas de alta e baixa rotação, sugador, compressor, cuspideira, fotopolimerizador, autoclave e ar-condicionado. O que se constata na maioria deles é que, mesmo expostos a níveis de intensidade sonora menores que 85 decibéis, mas, com tempo de exercício de profissão superior a cinco anos, os mesmos apresentam perdas auditivas. A nossa invenção minimiza parte desse incômodo diário aos quais os profissionais são submetidos”, destaca Custódio Neto.
Professor do Departamento de Engenharia Biomédica e líder do Grupo de Pesquisa “Bioengenharia e Dispositivos Implantáveis”, o docente circunstancia, ainda, que alguns estudos buscam a remoção do tecido cariado por laser de alta potência. Esse laser atua pelo calor e pode fazer cortes nos tecidos moles e, também, no esmalte e na dentina dos dentes. Com comprimentos de onda diferentes, cada um deles tem funcionalidades específicas, como lasers cirúrgicos, lasers para diagnóstico de cárie e lasers para remoção de cáries.
Como desvantagem dessa técnica, observa-se que quanto menor a duração do pulso, mais localizada será a distribuição de calor e, por conseguinte, durações mais longas distribuirão energia em níveis mais profundos dos tecidos dentários, causando danos térmicos indesejáveis, como a morte pulpar. “Já em outras invenções, observamos que não há reivindicação sobre a remoção de cáries, e sim apenas sobre a melhora das resistências das restaurações que preenchem cavidades de cáries já removidas”, assinala. Além dele, outros 19 pesquisadores participaram do desenvolvimento da tecnologia e dos protótipos. A lista completa está disponível no site da Agência de Inovação da UFRN, www.agir.ufrn.br.
Essa foi a 71º concessão que a UFRN recebe. Ainda esse ano, o número deve aumentar, haja vista que três deferimentos de patentes estão aguardando apenas trâmites burocráticos para a emissão da Carta Patente em si. Caso essas publicações aconteçam neste ano, será o segundo melhor ano da instituição em termos de concessão, abaixo apenas de 2021. Contudo, a expectativa do diretor da Agir, Jefferson Ferreira de Oliveira, é que em 2024 seja ainda melhor.
“Começamos a usar a opção de ingresso no trâmite prioritário do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, modalidade de fluxo que busca reduzir os prazos de concessão. Essa medida está sendo adotada em reconhecimento à necessidade de, no mundo acelerado em que estamos, tentarmos, também, apressar os processos de proteção dos nossos ativos, impactando os processos de transferência de tecnologia, que é nosso objetivo maior. Esperamos diminuir o tempo para recebermos as concessões para menos de três anos”, explica.
O “trâmite prioritário” envolve todas as atividades do processo de patente – desde a apresentação da documentação para o depósito até o fim da tramitação no Inpi. Segundo o órgão, a admissão ou não do trâmite prioritário não interfere em nada no seu direito patentário. Assim, independente do resultado, a patente continuará vigente até sua extinção, e o titular deve seguir atendendo às demais responsabilidades relacionadas com seu direito definidas em lei. Para ter direito à prioridade, o Inpi elenca algumas modalidades, uma delas beneficia os processos pertencentes a instituições científicas, tecnológicas e de inovação.
Fonte: Agecom/UFRN