Aos 77 anos de idade, a maior parte deles vividos na política do Rio Grande do Norte, o ex-deputado federal Henrique Eduardo Alves (PSB) chegou à sede do AGORA RN passando a impressão de um brasileiro comum. De calça jeans, cabelos cuidadosamente arrumados, óculos de grau e camisa polo verde – cor do seu inseparável MDB -, ele parecia despido de qualquer vaidade ou soberba de quem foi parlamentar federal tantas vezes, além de ministro de Estado e até presidente da República interinamente.
Com certa dificuldade de andar, devido à cirurgia à qual foi submetido recentemente – o mesmo procedimento do presidente Lula – Henrique sentou-se em uma cadeira na recepção, cumprimentou educadamente os presentes e recostou a bengala que o tem acompanhado durante sua recuperação. O detalhe é que o objeto de apoio também estampava a cor verde, para combinar com sua camisa e com seu amor pelo partido onde fez carreira política.
Durante quase uma hora e meia de conversa, Henrique opinou sobre diversos assuntos, fez avaliações e contou muitas histórias do passado, revelando que pensa em escrever um livro para contar os principais episódios pelos quais passou, incluindo os 328 dias na prisão.
Falou com orgulho das 11 vezes consecutivas como mandatário na Câmara dos Deputados – recorde que só ele e Ulysses Guimarães detêm. Também desabafou sobre uma “feridinha” que carrega ainda hoje, referindo-se à saída dele do MDB. Ao ser questionado sobre seu atual partido, o PSB, ele fez questão de declarar: “Fui expulso do MDB”.
Entre outros assuntos da política do RN, fez uma avaliação do governo Fátima Bezerra (PT). Cobrou da petista uma liderança que, segundo ele, falta para unir a bancada federal do Rio Grande do Norte em prol dos interesses comuns do Estado. Esse é o principal erro da gestora, na opinião dele.
“Eu acho que o erro de Fátima é não buscar a unidade do Rio Grande do Norte. É dever do governador fazer isso, ela não pode ir a Brasília com um ou dois deputados embaixo do braço, ambos do PT, porque eu acho que isso enfraquece”, disse o ex-deputado.
Com uma rotina bem menos badalada que a de anos atrás, Henrique frequenta diariamente um escritório de consultoria de um amigo advogado no bairro Tirol. Lá ele diz atender pessoas e conversar sobre os “interesses do Rio Grande do Norte”.
Durante o restante do dia, cuida de negócios empresariais, se atualiza no noticiário, mas também gosta de gastar tempo assistindo a bons filmes e séries ao lado da esposa, a jornalista Laurita Arruda.
Vai a Brasília praticamente a cada 15 dias, onde encontra ministros e amigos de uma vida inteira. Do mandato, sente falta de debater assuntos importantes para o Brasil e para o RN, mas garante que não pensa mais em voltar para a política, pois afirma: “Minha missão está cumprida”.
Confira os principais pontos da entrevista com ex-deputado federal Henrique Eduardo Alves:
DO QUE SENTE FALTA
Meu sentimento hoje é de dever cumprido, porque você começar com 21 anos de idade e ter iniciado sob o signo da revolta, do ódio e do medo, naquela ditadura insana, mas que me fez amadurecer ao longo do tempo, saber perder, saber entender e saber perdoar. Sou absolutamente grato ao Rio Grande do Norte de maneira que eu chego a me emocionar, mas lamento muito hoje, porque olho para a Câmara e me pergunto: cadê aquele plenário com a presença de 150, 200, 300 deputados? São 513 eleitos pelo voto popular que falam por todos os cidadãos de todos os estados brasileiros. Então eu sinto muito a falta daquele plenário discutir os problemas do Brasil, para que você veja que os deputados estão cumprindo o seu dever e discutindo os interesses do cidadão. O Brasil hoje vive duas realidades dramáticas: crise climática e segurança pública. E eu não vejo esses temas sendo tratados na Câmara dos Deputados”.
RN DESUNIDO
“Eu tenho muita frustração hoje em não ver o nosso RN unido. ‘Ah, mas porque são adversários!’ São, mas na hora da campanha cada um vende seu peixe. Há quanto tempo a bancada federal do RN não se une? Antigamente se reunia. Se você colocar hoje os oito deputados federais do RN numa recepção, vão ficar dois ali, dois acolá, outro aqui. O que é isso? Somos companheiros, somos parceiros, estamos na mesma causa, na mesma casa.”
GOVERNO FÁTIMA
“Fátima faz um grande esforço. É uma mulher honesta, honrada, trabalhadora, tem uma bela história de vida. Mas eu acho que o erro de Fátima é não buscar a unidade do Rio Grande do Norte. É dever do governador fazer isso, ela não pode ir a Brasília com um ou dois deputados embaixo do braço, ambos do PT, porque eu acho que isso enfraquece. As pessoas pensam que é por vaidade, mas é muito importante achar uma unidade. A governadora ganhou a eleição. Parabéns! Mas no exercício da função ela tem que se unir aos demais, tem que fazer a força do Estado maior. Quando eu vou a Brasília eu não vou falar com ministros, eu vou falar com meus amigos de uma vida, de uma história que eu tenho, eu vou tratar dos interesses do RN naquilo que eu posso, sem mandato, ajudar. Em relação aos recursos do PAC, o RN é o penúltimo estado brasileiro beneficiado, só fica na frente da Paraíba. E quando vêm os quatros estados do Nordeste governados pelo PT, o RN é o último. Por quê? O presidente Lula não gosta de Fátima? Gosta, admira, mas falta essa força que ela sozinha não representa.”
BANCADA FEDERAL
“Eu acho que a Câmara hoje está aquém do que deveria fazer. Por exemplo, quando Lula veio discutir recursos do PAC, ele se entendeu com a governadora do Estado. Mas não era para ser uma conversa só com a governadora. E a nossa bancada? Por que não discutiu conjuntamente com a governadora e o presidente? Como eu lamento quando vejo a governadora em Brasília com um ministro e ela vai com um deputado, com dois, geralmente Mineiro e Natália. Mas nós somos oito deputados federais. Eu fui ministro e sei o que isso representa, chegar a governadora com toda a bancada federal, chega com muito mais força.”
GOVERNO LULA
“Lula tem uma missão: cuidar dos pobres. E isso é inerente às cicatrizes que esse homem tem no corpo. Agora ele está enfrentando um Congresso com uma realidade diferente, tendo que fazer composições diferentes. Recentemente ele falou sobre a questão da meta fiscal. O que Lula quis dizer ali não é que ele vai estourar a meta fiscal, que no governo passado Paulo Guedes tentou segurar, até que confrontou com ministros que ele chamava de ‘fura-teto’. Mas depois, na campanha, não furaram o teto, quebraram o teto. Lula não quer isso, ele quer encontrar um meio caminho, para que ele possa ter uma meta fiscal, mas que obras fundamentais possam também acontecer, como o exemplo da nossa BR-304, que deverá ser duplicada.”
BOLSONARO
“Bolsonaro como presidente não soube separar o temperamento dele com o ato de governar um país. Pouco a pouco ele foi se distanciando da realidade e partindo para a radicalização, enfrentando o Judiciário e terminou como lamentavelmente terminou. Eu tenho convicção – além de alguma informação – de que realmente se preparou um golpe. O golpe só não aconteceu porque os comandantes do Exército e da Aeronáutica disseram ‘não’, pela repercussão nacional, internacional e pela valorosa imprensa brasileira.”
GOVERNO BOLSONARO PARA O RN
“Eu acho que o governo Bolsonaro não foi bom para o RN por causa do radicalismo. Eu acho que os ministros impediam que as obras chegassem via governo do Estado. O Estado só pode se aproveitar de tudo e mais se houver um mínimo de relacionamento e respeito. No governo Bolsonaro não havia esse entendimento, havia essa má vontade recíproca e isso prejudicou muito o RN nesse campo.”
ÁLVARO DIAS E SUCESSÃO MUNICIPAL
“Álvaro surpreendeu como prefeito. Ele vai focar como administrador, porque é isso que ele quer mostrar na escolha do seu candidato. Ele está procurando um perfil que possa se identificar com o governo dele, mas acho que essa decisão ele só tomará no próximo ano.”
PSB E ELEIÇÕES MUNICIPAIS
“Álvaro Dias está com o apoio do PSB e vai receber o apoio do PP de João Maia. Esses partidos vão se acoplar à base de Álvaro, estarão prontos para apoiarem a decisão do prefeito, só que essa decisão também tem que ser democrática e respeitosa. Tem que discutir opções, sugestões, perfis e observar as pesquisas para saber, sobretudo, o que a juventude pensa.”
CARLOS EDUARDO
“Está claro que Carlos Eduardo será um nome forte na eleição, até pelo recorde de quatro vezes prefeito de Natal. O que ele fez, o que realizou, o que construiu, tudo isso fica na memória de quem foi beneficiado. Mas eleição você não ganha sozinho, tem que ter aliados que venham se somar nas ideias para discordar de você, para lhe convencer, mas sobretudo para lhe ajudar na gestão.”
MDB
“Essa é a pergunta mais difícil e de uma resposta mais sofrida. Quando sinto o MDB local distante, me lembro que quando venci por 3 a 0 no TRF, em Brasília, o único familiar a não me parabenizar naquela vitória e emoção foi exatamente Garibaldi, que era quem me visitava todo final de semana na Academia de Polícia (onde fiquei preso). Estranhei, senti muito. Depois, vi o MDB do RN contra mim, sua direção. Eu tinha 52 anos de MDB e soube que não ia ter legenda para disputar a campanha. Fui bater em Brasília para falar com Baleia Rossi (presidente do partido). Mas quando eu voltei eu pensei: fundo partidário, tempo de TV, como é que vai ser esse mal-estar? E disse: não vou viver isso não, eu vou sair do MDB. Aí comuniquei a minha saída. Essa não é uma mágoa, não é um rancor, é uma feridinha que eu tenho até hoje, porque aquilo foi a minha casa.”
VOLTA PARA A POLÍTICA
“Não, não penso em disputar eleição novamente, minha missão está cumprida, muito bem cumprida, estou muito feliz e o que eu posso ajudar é sempre dando uma entrevista como essa, dando opinião, mas estou inteiramente fora da atividade político-partidária. Não recebi nenhum convite do governo Lula e se recebesse não aceitaria. Já exerci a política plenamente, com minha vocação, meu desejo. Hoje eu quero cuidar da minha família e ficar quieto.”
Imagem: José Aldenir
Fonte: Agora RN