Em recente decisão, a 3a turma do STJ entendeu que o instituto da prescrição da ação de cobrança de dívidas atinge não somente a pretensão judicial, como também a extrajudicial de reaver o crédito concedido, o que pode ocasionar diversos reflexos negativos, atingindo seguimentos empresariais, que trabalham com cessão de créditos e atividades financeiras diversas, onde se destacam as Securitizadoras de Créditos, que tentam reaver os créditos concedidos e possuem uma taxa de inadimplência considerável, impactando no custo crédito; no risco Brasil e na própria concessão de novos valores no país, o que afeta o aspecto social.
Tal decisão, por evidente, inobserva a legitimidade do STJ para decidir sobre uma questão que não está na esfera de alcance do Poder Judiciário, uma vez que pertine ao Legislativo alterar normas de natureza contratual, sendo o instituto da prescrição uma matéria atinente à exigibilidade judicial do crédito e não declaratório de sua existência.
O instituto da prescrição existe para sancionar a inércia do credor, para que este não possa mais exigir seu crédito na esfera judicial, onde teria meios coercitivos mais eficientes – ao menos teoricamente – de conseguir reavê-lo, mas que não tem – ou até agora não teria – o poder de declarar sua inexistência no mundo fático ou ainda a sua inexigibilidade extrajudicial.
Na esfera da análise econômica do Direito, onde se busca analisar o papel do direito no incentivo ou desestímulo do comportamento humano na seara da microeconomia, tal decisão tende a provocar inúmeras consequências comportamentais, seja no sentido de estimular ainda mais a postergação processual por parte do devedor, buscando a prescrição, seja a pressa dos credores em ajuizar demandas que poderiam ser tratadas de maneira extrajudicial, em atenção aos meios alternativos de resolução de conflitos, provocando uma avalanche no número de demandas judiciais por todo o país. Em suma, a taxa de congestionamento tende a piorar e as insatisfações dos jurisdicionados e atores processuais tendem a aumentar.
Ademais, pode estimular a judicialização de ações indenizatórias e declaratórias de inexistência de débitos em um claro estímulo à contração de dívidas e a velha fórmula de aposta na burocracia, no custo processual e na demora do judiciário, para se conseguir a prescrição de seu débito. Lides temerárias e litigância predatória também tendem a ser consequências, neste contexto.
De outro ponto, tal decisão pode ainda estimular o aumento do custo do crédito quando o risco do negócio – conceder o crédito – aumenta de sobremaneira para as instituições financeiras, trazendo consequências danosas a quem precisa de recursos e sequer tem o interesse em inadimplir. Ou seja, o aspecto social também é prejudicado reflexivamente.
Os arts. 20 a 23 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) determinam que as decisões judiciais devem analisar as consequências práticas de seus dispositivos para justamente evitar incentivos indesejados para a conjuntura da paz social, a própria justiça e das instituições.
Nesse sentido, uma decisão dessa natureza compõe um núcleo não apenas ilegítimo, mas também transforma a ordem social, prejudicando-a. Isso fomenta um aumento de processos nos tribunais já sobrecarregados, estimula o endividamento e a falta de resolução de conflitos por meio de métodos apropriados e não judiciais, eleva as dívidas e os custos do crédito, bem como põe em risco atividades econômicas relacionadas à cessão de créditos. Além do mais, aumenta os provisionamentos de valores considerados perdas junto ao Banco Central e elimina a oportunidade de reduzi-los, afetando toda a cadeia produtiva de recuperação de créditos extrajudicialmente, mesmo os prescritos.
As decisões judiciais têm implicações que vão muito além do escopo de um julgamento isolado. Ainda que não se trata de uma decisão definitiva e tampouco com repercussão geral, é fundamental considerar essas consequências para evitar o estímulo de danos à sociedade, que supostamente se busca proteger, levando em consideração os amplos e duradouros impactos que podem acarretar, cabendo as partes envolvidas e interessadas tomar as devidas providências para evitar que o entendimento apontado se torne um precedente.
*Advogados Rodrigo Cavalcanti, Marcos Delli Rodrigues e Weuder Martins.
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