A professora Sandra Maria Gonçalinho estava em casa, no Rio de Janeiro, no dia 7 de dezembro de 2017, ainda sofrendo com a perda do filho Felipe – um jovem de 23 anos que havia morrido em um trágico acidente de carro dois anos antes, em Natal, no Rio Grande do Norte –, quando o telefone tocou. Era Adailma, a mãe de Ramom Mateus de Pontes Lima, que havia recebido um rim em transplante no Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol/UFRN/Ebserh), e que encerrava uma longa busca para encontrar a família do rapaz que morreu, mas salvou a vida de seu filho após o acidente automobilístico.
“Esse telefonema foi um bálsamo para minhas dores. Eu ganhei uma nova família e conheci o homem que recebeu o rim do meu filho”, diz Sandra, explicando que, antes de entrar em contato, a família de Ramom procurou pessoas conhecidas em comum, pedindo autorização para o telefonema. “Eu já fui a Natal e ele já veio me visitar no Rio. Eu estou feliz porque meu dia não está mais triste por conta do Ramom”, afirma.
O decreto 9.175/2017, que regulamenta a doação de órgãos, veta, no artigo 52, o repasse de informações entre doadores e receptores no caso de doação post mortem, mas o destino e uma série de coincidências levaram os dois a se encontrarem. Segundo Sandra, pessoas conhecidas em comum sabiam da morte de Felipe e da cirurgia de transplante de Ramom. “Eles foram ligando os pontos e acabamos nos encontrando. O mundo é pequeno”, diz a professora dirigindo-se emocionada ao repórter.
Ela conta que a doação dos órgãos – coração, fígado, córneas e rins – era desejo manifestado em vida pelo jovem militar Felipe e uma decisão da família, incentivadora da doação de órgãos, desde o início do processo. “Não foi possível salvar a vida de meu filho, mas ele trouxe a vida para outras pessoas, outras famílias, outras mães”, afirma Sandra, que mantém contato até hoje com Ramom, que a chama de “Mainha Carioca” no perfil do WhatsApp.
Ramom afirma que sua mãe fez vários contatos até chegar a Sandra e, depois de toda a busca, eles se encontraram. “Foi emocionante. Ela me trata como filho e a gente tem um convívio como se fosse uma família mesmo”, afirma. Sandra confirma a conexão e acrescenta: “Se o Ramom precisar de outro rim, eu doo, porque somos compatíveis, somos uma família”.
Irmãos de medula aguardam liberação para se encontrar
Outro exemplo de encontro entre doador e receptor – também restrito, mas mais comum – é o caso do professor universitário Lafaiete Henrique Rosa Leme e da gerente administrativa Rosilândia Rodrigues, ele doador e ela receptora, que se conheceram após o prazo legal e hoje se chamam de irmãos de medula.
Ele é do Paraná, e ela, do Ceará. Ele estava cadastrado no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome) e ela estava sendo atendida no Hospital Universitário Walter Cantídio, da rede Ebserh, aguardando por um transplante devido à leucemia. Não havia doadores compatíveis entre seus familiares. O sistema apontou que Lafaiete e Rosilândia são compatíveis e, em 2015, foi feito o transplante.
Mas o encontro entre os dois só foi possível em dezembro de 2022. O Redome, em sua política de confidencialidade, determina o anonimato entre receptor e doador por, pelo menos, 18 meses. Após esse período, é permitido o contato, desde que as duas partes aceitem, e que o estado de saúde do paciente transplantado esteja estável. Com a pandemia e a distância, o abraço demorou, mas a união já estava selada.
“Lafaiete é um irmão que Deus me deu. Eu sempre falo que ele é um anjo na minha vida. Se eu estou aqui contando a minha história, é porque ele me deu um ‘sim’. Ele é uma pessoa enviada por Deus”, diz Rosilândia, que é uma incentivadora da doação de medula. “Que as pessoas que puderem sejam doadoras, porque com este lindo gesto ela não está só salvando a vida do paciente, mas de toda uma família”, afirma.
Ele, por sua vez, confirma a profundidade do sentimento que cultivam um pelo outro. “Nós temos uma ligação não só biológica, mas, sim, uma ligação muito profunda. É um vínculo de irmão, muito significante e muito próximo. Conheci minha irmã, não por parte de pai nem de mãe, mas por sangue. A atitude que tive em 2015 de interromper meus compromissos ajudou alguém que eu não fazia ideia de quem era, mas já amava, pois sabia que eu faria por ela o que ninguém mais poderia fazer. Vê-la tão bem, com saúde, foi, e ainda é, uma ótima recompensa e uma grande alegria”, afirma o professor e doutorando.
“Ele herdou até meu gosto por tecnologia”, diz doador
A empresária Moara Martins diz que a família fez questão de agradecer pessoalmente a quem doou, em 2015, a medula para seu filho Nicolas, então com sete anos, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG/Ebserh). “Hoje ele está totalmente curado, forte e saudável e, assim que pudemos, nós fizemos questão de escrever uma carta de agradecimento para o doador. Logo após, decidimos fazer esta ponte aérea e fomos de Belo Horizonte a Curitiba para que os dois se conhecessem, e agradecer pessoalmente por este presente de Natal que minha família ganhou naquele ano”, diz, lembrando que a notícia de que havia um doador compatível chegou no dia 23 de dezembro.
O doador é Patrick Palma, que já doava sangue e, no hospital, alguém perguntou se ele queria ser doador de medula. “Por que não?”, perguntou e respondeu Patrick, que se emocionou ao ver o jovem Nicolas. “Fico feliz de ter conhecido ele e seus pais. Saber tudo o que ele e sua família passaram e a luta que ele teve que enfrentar desde tão cedo é algo que me deixa emocionado, com lágrimas nos olhos”, afirma.
Perguntado se é verdade que existe uma conexão criada entre doador e transplantado, o arquiteto de software, apaixonado por tecnologia, computadores e robótica, não tem dúvidas e tem até uma prova: “Pois sim. Os pais do Nicolas me disseram que algumas coisas, como o gosto por tecnologia e facilidade em lidar com isso do nada, ele pode ter herdado de mim”.
Sobre a Rede Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atender pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
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Fonte: Agecom/UFRN