Desenvolvido por yeo junto de sua equipe, os mesmos responsáveis por The Friends of Ringo Ishikawa, Fading Afternoon conta a história de um yakuza que passou boa parte de sua vida atrás das grades. Ao sair num mundo diferente do que estava acostumado, ele terá que batalhar pelo seu futuro e sustento de sua própria maneira. Contudo, essa proposta intimista sofre com problemas tanto de design quanto de questões técnicas.
A vida cobra
Fading Afternoon acompanha a vida de Seiji Maruyama, um yakuza que acabou preso por vários anos. Na sua liberdade, já com meia-idade, ele tem a oportunidade de tentar novamente no mundo do crime, conseguindo se estabelecer na sua família conhecida como Azuma, ou tentar uma vida mais afastada desse caos todo.
É nesse caminho que o jogador entra numa espécie de “life sim”, guiando o protagonista durante suas tarefas do dia a dia. Dentro de suas obrigações como um yakuza, Seiji terá que defender territórios de outros clãs, estabelecer o domínio dos Azuma em algum local e caçar os chefes (os shatei) de cada família.
Fora desse ritmo agressivo, há uma série de atividades para fazer no mundinho em que o título é ambientado, que podem servir para a trajetória principal ou ser apenas um entretenimento como minigames de pescaria e beisebol. Conversar com outros personagens e descobrir locais são essenciais para abrir novas áreas e dar prosseguimento à trama, que possui múltiplos finais.
O mano a mano das ruas
Momentos de animosidade são esperados dentro da rivalidade de gangues, e Fading Afternoon apresenta essa parte num gameplay de beat ‘em up. Em locais hostis, ondas de inimigos virão por todos os lados e, para lidar com eles, há uma série de movimentos oferecidos para diversificar a pancadaria.
A base do sistema de combate roda ao redor de dois botões separados em soco e chute, que possuem variações de acordo com o lado em que o direcional é pressionado. Andar em direção ao alvo o agarra instantaneamente, assim como é possível se jogar nele para finalizar no chão mesmo.
Defensivamente, há duas alternativas bem úteis: a primeira é a defesa, que bloqueia automaticamente qualquer ataque corpo a corpo independente da direção. A segunda é uma espécie de parry, que pode ser executado no momento exato do ataque inimigo, o que o derrota imediatamente. É uma manobra necessária para lidar com armas brancas, podendo arrancar uma katana das mãos do oponente, assim como é uma ferramenta obrigatória para não se dar mal com criminosos com armas de fogo — e sim, dá pra usar essas armas ao arrancá-las.
O ritmo das lutas é extremamente satisfatório, principalmente pela variedade de comandos de Seiji. Conforme o game avança, novos inimigos aparecem pedindo mais atenção e estratégia do jogador, e de longe é a parte mais divertida de todo o jogo, aliada a animações muito fluidas e efeitos sonoros bem impactantes e gostosos de ouvir.
O ritmo pacato
Infelizmente o maior problema de Fading Afternoon está no seu “momento a momento”. Apesar de parecer empolgante a ideia de ter um mundo para fazer o que quiser, a liberdade acaba trazendo alguns malefícios para o ritmo da jornada, principalmente pela falta de indicação sobre quase qualquer atividade do game, exigindo um trabalho de dedução do jogador.
Por exemplo, só fui entender sobre os pontos de respeito depois de algum tempo andando sem rumo por aí. Esses pontos são obtidos ao eliminar as hordas em alguma área ameaçada e ao crescer dentro da família, como comprando um carro e uma residência, mas é perdido a cada derrota ou em situações como ficar sem ter um teto para dormir. São esses pontos que dão seguimento à história principal.
O tempo funciona num esquema parecido com um Persona, onde o dia — que no jogo equivale a uma semana — vai passando de acordo com as atividades que o protagonista está realizando, como brigar ou frequentar uma casa de massagem. Quando chega a noite, é basicamente hora de ir para casa e continuar no próximo “dia”.
O dinheiro que é obtido ao derrotar inimigos e realizar as funções da família é gasto tanto nos momentos de lazer quanto para as necessidades. Balancear o custo de vida de Seiji é obrigatório, e ficar sem realizar as tarefas principais — especialmente na rota “regular” da história — por estar perdido sem saber onde ir é bastante punitivo, influenciando nos pontos de respeito e deixando toda a situação muito complicada de resolver, trazendo uma repetição massiva de momentos.
As lutas acabam ficando repetitivas com o tempo, andar a esmo tentando achar um shatei nas fotos acaba sendo entediante e o relógio não para. Em um momento o excesso de péssimas escolhas me fizeram reiniciar o jogo novamente, a partir do momento que percebi que me recuperar seria mais trabalhoso.
A imersão audiovisual
Se tem um detalhe em que Fading Afternoon não falha, é a sua apresentação. Utilizando-se de pixel art que remete aos 16 bits, as ruas urbanas japonesas ganham bastante vida com nuvens em movimento, detalhes de cenário como placas e carros andando, além de uma boa variedade de ambientes para visitar.
As animações do protagonista são um deleite à parte. Como citado na parte de combate, é tudo muito fluido e bem encaixado, como quebrar o braço de um inimigo ou cortar a jugular dele com alguma lâmina, ou mesmo algumas ações mais “bobas” como tirar o casaco, colocar os óculos, pentear o cabelo — ações que podem ser feitas a qualquer momento — são lindas de se ver. Uma pena que executar essas ações é um pouco atrapalhado devido ao mapeamento de botões.
Para acompanhar o visual, a vasta trilha sonora ajuda muito na imersão da jogatina. As composições vão passando por jazz, rock, blues e outros gêneros, com direito a músicas cantadas em alguns locais, que são sensacionais, casando muito bem com o que ocorre em tela. É uma daquelas trilhas que são perfeitas tanto no contexto do gameplay quanto ouvindo por aí na vida real.
Tropeços técnicos
Tive algumas situações estranhas com relação a bugs: como tentar iniciar uma briga com uma gangue e o jogo se recusar a iniciar a sessão de horda na área (ou nem mesmo reconhecer o NPC como um inimigo, em situações de conflito entre clãs), além de travamentos que me forçaram a reiniciar o PC inteiro, pois o game não queria mais abrir.
Mas duas ocasiões foram verdadeiras dores de cabeça que fizeram eu ter que começar tudo de novo. A primeira me deixou preso dentro da cutscene inicial, do protagonista saindo de sua cela (ironicamente). Por ser uma área não programada para transitar livremente, não tinha como ir para outra tela dali.
Tentei muito sair dessa parede, mas foi impossível.
A segunda situação aconteceu quando fui entrar na rua principal e, em vez de começar na calçada, fiquei enfiado na parede de um prédio impossibilitado de sair. Novamente, a solução era começar de novo — a progressão é salva automaticamente e há apenas um slot.
A dualidade da interessância e da execução
Fading Afternoon apresenta um caminho muito interessante ao tentar representar a vida de um yakuza da forma mais “realista” possível. Todo o clima de histórias desse tipo é bem apresentado através do visual, do combate e das lindas melodias, o que pode trazer imersão aos jogadores mais pacientes em um ritmo extremamente cadenciado.
Por outro lado, a falta de indicação do que fazer e principalmente o que significa certos sistemas acabam prejudicando demais a experiência. É muito válido deixar o público vivenciar a trama descobrindo as coisas por si só, mas não há um equilíbrio nessa liberdade aliada ao entretenimento aqui. É um jogo que vale a pena dar uma olhada caso você busque por algo mais “cult”, mas paciência é o preço para aproveitar tudo.
Prós:
Sistema de combate visceral e divertido;
Arte em pixel art de qualidade, tanto na apresentação quanto nas animações;
Músicas variadas e que colaboram muito com o clima da trama;
Tradução em português.
Contras:
Ritmo lento acaba deixando as atividades repetitivas;
Lúcio Amaral é jornalista e advogado pós-graduado em Direito e Processo Trabalhista. Certificado de Estudos Aprofundados em Psicanálise. Ganhador do II Prêmio de Rádio e Jornalismo em Saúde e Segurança do Trabalho, promovido pelo MPT em 2008.