Pesquisadores da UFRN acham mais uma peça do quebra-cabeças da computação quântica

Escrito pelos físicos Rodrigo Pereira e Weslei Fontana, do grupo de pesquisa em sistemas eletrônicos fortemente correlacionados, do Instituto Internacional de Física da UFRN (IIF), o artigo Boundary modes in the Chamon model, publicado no portal da SciPost, estuda o comportamento dos spins. Este termo que, no inglês, significa rotacionar é descrito como uma propriedade associada à maneira como os elétrons ocupam os níveis de energia no átomo. O trabalho acende mais uma luz sobre a possibilidade do desenvolvimento técnico-científico de um futuro computador quântico capaz de armazenar quantidades gigantescas de informações.

Para estudar o modelo apresentado no trabalho, os pesquisadores utilizaram Chern-Simons, a fim de obter a teoria na fronteira do modelo originalmente proposto pelo físico Claudio Chamon, pois ela explica como essas partículas interagem entre si. “Nosso intuito era investigar o que acontece quando modificamos as interações apenas na superfície da rede tridimensional. O nosso resultado principal foi mostrar que, controlando as interações, é possível induzir transições de fase quânticas, que podem ser interpretadas em termos de mudanças na mobilidade das perturbações que criamos tanto no volume quanto na superfície do sistema”, explica o professor Pereira, líder do grupo.

As transições de fase quânticas podem ser medidas quando um sistema, na temperatura de zero absoluto, é formado, por exemplo, por spins, sofre alterações em alguns dos seus parâmetros, da mesma forma que a água pode tornar-se gelo ou vapor, dependendo das mudanças de temperatura e de pressão aos quais ela é submetida. “O trabalho discute a possibilidade de sistemas fractônicos exibirem fenômenos de contorno não triviais, situações em que as fronteiras ou limites entre diferentes estados ou fases de um sistema exibem comportamentos complexos e imprevisíveis, que não podem ser facilmente explicados por meio de modelos ou teorias simplificadas”, diz Pereira.

Sistemas fractônicos constituem um tipo intrigante e novo de matéria quântica, cuja compreensão situa-se em uma confluência de diferentes campos de pesquisa. As fases fractônicas são, frequentemente, classificadas em termos da mobilidade restrita apresentada por suas quasipartículas emergentes, as quais podem se mover sob restrições leves (tipo um) ou são completamente imóveis (tipo dois), devido à proliferação de novas excitações a cada passo de seu movimento. Fases fractônicas tridimensionais também exibem uma degeneração robusta do estado fundamental. No entanto, ao contrário das fases topológicas bidimensionais (2D) convencionais, a degeneração do estado fundamental depende de alguns dados geométricos, normalmente crescendo exponencialmente com o tamanho linear do sistema.

O trabalho também é uma peça em um esforço científico para o desenvolvimento de novas tecnologias – IIF/UFRN

Os dados obtidos com o estudo colaboram na compreensão e na classificação de sistemas fractônicos, mostrando que o comportamento exótico dos fractons não é necessariamente perdido em sistemas finitos. Isso pode ter implicações em campos como física da matéria condensada, teoria quântica de campos e computação quântica. Segundo Fontana, uma vez que certo elemento entra no regime dessa fase, as excitações fundamentais desse material, ou seja, as partículas que o compõem, apresentam restrições de mobilidade; o que quer dizer que, se você cria uma única partícula, ela não é capaz de se mover ao longo do material e fica confinada na região em que foi criada.

“Curiosamente, pares de partículas conseguem vencer essa restrição e adquirem mobilidade ao longo de linhas ou, até mesmo, planos. Quando isso acontece, dizemos que temos uma fase fractônica do tipo um. Um outro tipo de fase fractônica é possível, em que nenhuma excitação ou estado ligado de excitações é passível de se mover. A única estrutura possível é uma espécie de fractal, com partículas confinadas nas suas extremidades. Esse tipo de fase cunhamos de fase fractônica do tipo dois”, explica Fontana.

Os pesquisadores escreveram o artigo com base nos modos de contorno do modelo de Chamon, considerado o primeiro modelo de fractons descoberto. Entre os anos de 2004 e 2005, Claudio Chamon pensou em um modelo de spins numa rede tridimensional. Ele queria que apresentasse as seguintes propriedades: 1) deveria ser exatamente solúvel por meios analíticos; 2) a degenerescência do estado fundamental tem de ser robusta; e 3) o modelo deveria exibir um tempo de relaxação muito longo.

“No nosso caso, o limite do contínuo nos levou a uma teoria de Chern-Simons generalizada, que nos permitia compreender certos aspectos do modelo de rede não tão óbvios na formulação inicial, nos permitindo ir além e fazer especulações sobre fenômenos que sequer são óbvios do ponto de vista da teoria de rede”, relata Fontana.

Weslei Fontana é membro do grupo de pesquisa em sistemas eletrônicos fortemente correlacionados do IIF/UFRN – Foto: Cedida

Ao relatar as implicações que o artigo pode trazer, o pesquisador descreve que a teoria do contínuo é capaz de prever, de maneira simples, certos aspectos do modelo que são muito difíceis de se obter a partir do ponto de vista da rede. Também existe um comparativo com o caso de sistemas topológicos bidimensionais para esses sistemas; no caso, as teorias de Chern-Simons de matriz K são bem compreendidas e fornecem uma classificação simples dessas fases da matéria.

“O nosso trabalho sugere que a mesma coisa pode ser verdade em três dimensões espaciais, apenas generalizando a teoria de Chern-Simons de uma maneira esperta. Isso poderia nos fornecer uma classificação de fases fractônicas e, possivelmente, algo além disso. Mas, ainda há muito trabalho para ser feito”.

O trabalho também é uma peça em um esforço científico para o desenvolvimento de novas tecnologias que, no futuro, poderiam possibilitar a construção de computadores quânticos – máquinas passíveis de fazer cálculos gigantescos a velocidades que hoje são impossíveis, assim como armazenar dados em quantidades muito maiores do que a capacidade atual.

“Em geral, isso está associado a você conseguir construir um dispositivo no qual consegue armazenar uma quantidade muito grande de informação nele. No entanto, ao considerar esse tipo de sistema, que a princípio é construído a temperatura zero, você precisa considerar os efeitos de temperatura nele. Imagina que você consiga construir em seu laboratório, que, certamente, não vai estar à temperatura de zero absoluto. A temperatura pode induzir criação de excitações. Se você imagina que tem informação armazenada nesse dispositivo, essas excitações que são criadas podem ser interpretadas como erros, que vão corrompendo a informação armazenada”, esclarece Fontana.

“Então, o que é interessante nesses modelos fractons?”, questiona o cientista. “Como as partículas são imóveis, esses erros são imóveis. Você tem a capacidade de localizar, de forma muito mais fácil, e corrigir esses erros. Dessa forma, você é capaz de impedir que a informação lá armazenada seja corrompida e perdida. Então, o grande interesse que existe em sistemas fractônicos é que eles, aparentemente, são os melhores candidatos para o desenvolvimento de um dispositivo quântico estável de memória. Isso seria um passo na direção para você conseguir construir um computador quântico mais acessível”, completa.

Fontana disse, ainda, que isso tudo é apenas o começo da pesquisa e que o grupo está engajado na continuidade da pesquisa e na obtenção de novos resultados.

Fonte: Agecom/UFRN

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