O uso de grandes quantidades de antibióticos de amplo espectro no controle de infecções em humanos e animais tem criado condições propícias para o desenvolvimento de resistência em populações de microrganismos. Partindo desse pressuposto, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) criou compostos químicos com atividade antimicrobiana, cujo diferencial é a possibilidade de sua ação ser modulada por um estímulo externo: o uso da luz.
Assim, o composto pode ser ativado seletivamente apenas em um local específico em que foi incidido a luz. Com esse diferencial, a atividade pode ser intensificada no local da dor ou da inflamação, por exemplo. Dessa forma, minimiza os riscos de desenvolvimento de resistência microbiana, já que, atuando de maneira seletiva, as bactérias não-alvo não são atingidas da mesma maneira. Atualmente, essa resistência se tornou um problema global, tendo em vista que a velocidade de criação de novos medicamentos tem diminuído drasticamente, enquanto que o seu uso vem crescendo constantemente.
“De uma forma mais corriqueira, é como se a luz fosse o controle remoto com o poder de ligar o composto para que ele consiga matar as bactérias naquela região. Outras regiões do corpo, sem incidência da luz, continuariam com efeito antimicrobiano reduzido”, explica Daniel Pontes. Orientador da tese que deu origem à concessão, o docente do Instituto de Química acrescenta que o produto patenteado não é tecnicamente um “dispositivo”, mas sim compostos químicos, em forma de pós coloridos.
Verônica da Silva Oliveira, aluna de doutorado que trabalhou diretamente no desenvolvimento da pesquisa, pontua que os compostos protegidos no pedido de patente são compostos de coordenação. Tecnicamente, os compostos de coordenação ou complexos metálicos são moléculas constituídas por pelo menos um centro metálico ligados ao qual estão ligados moléculas ou íons . No caso da descoberta científica do grupo da UFRN, a doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) esclarece que há a presença de um metal central, podendo ser ferro, cobalto, níquel, cobre ou rutênio, em um estado de oxidação específico.
“Esse metal central está simultaneamente ligado quimicamente à duas moléculas orgânicas indicadas na patente, sendo uma delas uma molécula macrocíclica com quatro átomos de nitrogênio ligados ao metal ou seus derivados, e a segunda o íon carboxilato com dois átomos de oxigênio ligados ao metal. O mecanismo de ação proposto é que a luz cause a oxidação do íon carboxilato, com consequente degradação deste íon, e redução do centro metálico. Este processo torna possível agora que o metal se ligue a biomoléculas da bactéria causando a inibição de seu crescimento e posteriormente sua morte”, contextualiza a hoje pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF) pela UFRN.
Como resultado, os testes in vitro realizados no Laboratório de Química de Coordenação e Polímeros (LQCPol) indicaram que a Concentração Inibitória Mínima (CIM) com um dos compostos, quando expostos à luz na presença das bactérias, apresentou redução de 77,4% no valor de CIM. Em microbiologia, a Concentração Inibitória Mínima é a mais baixa concentração de um produto químico responsável por limitar o crescimento visível de uma bactéria. Assim, quanto menor, melhor.
Coordenador do LCQPol, Daniel Pontes situa que, em relação aos compostos da patente, atualmente o grupo continua os estudos para entender melhor os mecanismos de ação dos compostos, além de buscar parcerias para avaliação da atividade antimicrobiana dos compostos em animais. “Adicionalmente, será estudada, também, a atividade antitumoral dos compostos fotoquímicos frente ao câncer”, assinala.
A mais rápida
Depositada em fevereiro de 2019, a concessão recebeu o nome Compostos antimicrobianos com atividade intensificada por ação da luz e é a 68º carta-patente recebida pela UFRN. O número mantém a Universidade no topo entre as instituições de ensino com mais concessões nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, fato que perdura desde o ano passado. Contudo, o que chama atenção nos números é que esta concessão é a mais rápida entre as alcançadas pela UFRN: é a primeira a percorrer todo o processo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em menos de quatro anos e meio.
Além de Daniel e Verônica, participaram do desenvolvimento Francisco Ordelei Nascimento da Silva, Elizabeth Cristina Gomes dos Santos, Rodrigo Luiz Fabri, Ari Sérgio de Oliveira Lemos e Ana Carolina Morais Apolônio. Os três últimos são vinculados à UFJF, instituição co-titular da patente ao lado da UFRN. Para o grupo, o patenteamento é relevante por, sobretudo, dois fatores: o potencial econômico e o reconhecimento da presença, na pesquisa, de novidade e atividade inventiva.
“Patentes são formas de chamar atenção das empresas para colaborações e investimento nas universidades. Especificamente sobre nossa tecnologia, tendo em vista a necessidade de fortes investimentos financeiros para que novos fármacos percorram todas as etapas de pesquisa, validação até sua aprovação para entrar no mercado, é necessário o apoio de empresas interessadas. A tomada de decisão de investimento por parte de empresas é, de certa forma, facilitada pelo fato da tecnologia estar patenteada, pois com o licenciamento, poderá explorar a tecnologia no mercado de forma exclusiva por um certo período, o que contribui para a recuperação do investimento”, argumenta Daniel Pontes.
O pensamento não é à toa. Além de cientista e professor, sua história na UFRN é marcada também pela atuação como gerente operacional da Incubadora Tecnatus e como diretor da Agência de Inovação. Não por acaso, Pontes defende que ter uma tecnologia patenteada é um reconhecimento de que ela apresenta méritos que muitas vezes extrapolam os considerados em artigos científicos. “Saber que além do potencial tecnológico em si, o invento apresenta novidade e atividade inventiva, dois dos quatro critérios de patenteabilidade, ou seja, que apesar do mundo globalizado, compostos semelhantes com a função proposta não foram apresentados por nenhum outro pesquisador a nível mundial e que não se trata de algo óbvio para um conhecedor do assunto são méritos que mostram o potencial criativo e de pesquisa dos inventores”, salienta.
Fonte: Agecom/UFRN