A leitura sempre foi essencial para a formação do ser humano, por meio da qual tomamos conhecimento de diversos assuntos, seja para aprendizado, seja para lazer. Mas, com os avanços tecnológicos e o aumento do uso de mídias e de plataformas digitais, como fica o consumo da leitura diante de tanta inovação? É o que o Instituto Humanitas de Estudos Integrados (Humanitas) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) almeja descobrir em uma nova pesquisa. A proposta, que ainda está em andamento, é coordenada pelo professor Alex Galeno, juntamente com o grupo de estudos Marginália.
Inspirado no livro Os Emílios ou da Educação, do filósofo Jean Jacques Rousseau, o estudo, intitulado Os Emílios do digital, surge diante da problemática da leitura na sociedade atual, partindo de outra pesquisa cujo título é Relação de poder e subjetivação entre sujeitos e dispositivos técnicos. Seu objetivo é mostrar que as plataformas digitais também são formadoras de leitores, mas também que a formação dos Emílios não se resume apenas ao espaço escolar e à mídia tradicional.
De acordo com o professor Alex Galeno, a ideia do que seriam Emílios em anos passados e na atualidade é a mesma, mudando somente o ambiente no qual esses indivíduos estão situados, devido aos avanços tecnológicos e, consequentemente, à maneira em que a antropotécnica será utilizada. “A diferença do Emílio da educação do Rousseau é que, agora, o exercício antropotético de leitura se dá de uma outra maneira, em outro lugar, e, por isso, não tem como chamar só de Emílio, mas de Emilênio, filhos desse tempo, que é o tempo do digital, da conexão e da possibilidade de interação” completa Galeno.
A antropotécnica é a repetição de um exercício que melhora a execução do indivíduo na próxima vez que for realizar a mesma tarefa. É por meio dessa filosofia que os pesquisadores pensaram na condição humana a partir da formação do Emilênio, pois ele produz a si próprio aplicando isso também à leitura.
No andamento do projeto, os pesquisadores já trabalharam com 68 alunos da UFRN. Por meio de questionários, busca-se descobrir com qual tipo de leitores da modernidade eles se identificavam, sendo classificados em três categorias de análises: leitor torre, aquele que constrói todo o ambiente para, assim, poder começar sua leitura; leitor traça, o Emílio que é adepto ao digital, sem uma definição exata de gosto, absorvendo todo tipo de informação à qual tem acesso, o que chamam de leitor de cabeça cheia, pois consome muitas fontes; e leitor viajante que também faz parte do Emílio, chamado de Emilênio por excelência, estando em deslocamento o tempo inteiro, o que não permite identificar uma característica específica sobre o tempo e os meios que consome a leitura.
Além desses três tipos de leitores, há três tipos de leituras – que também será base de pesquisa entre os entrevistados, com repercussão na formação da condição humana –, a saber: a leitura de ofício, quando o conteúdo consumido é para formação acadêmica ou profissional; a leitura intensiva, aquela que marca o leitor de alguma forma, podendo ser de qualquer gênero e acessada em plataformas, mas gera questionamentos profundos sobre o próprio ser; e a leitura satélite, tipo de leitura secundária realizada para complementar outras leituras e compreensões.
A amostragem da pesquisa ainda considera pessoas que falam sobre literatura clássica nas plataformas digitais: YouTube, TikTok, Twitter e podcasts. A ideia é coletar a narrativa de dez criadores de conteúdo de cada uma dessas mídias e analisar como seus textos influenciam na criação dos dois tipos de leitores da atualidade: o leitor espectador e o leitor ouvinte.
A pesquisa terá como método principal o relato metapórico, que permite criar um conceito de comunicação como acontecimento. Isso ocorre quando, no processo do relato, surgem novas possibilidades além daquela que o pesquisador buscava. Essa metodologia vem de metáporo, que significa um relato intensivo da pesquisa. A netnografia também será um dos recursos da pesquisa, já que trata-se de um estudo sobre etnografia da internet e sobre a propagação da cibercultura.
“O relato metapórico ou metáporos é um método criado pelo professor Ciro Marcondes Filho, da USP, para pensar um conceito de comunicação como acontecimento, isso é aquilo que, no processo do relato da pesquisa, aparece como contingente ou como fenômeno raro; a surpresa da pesquisa no próprio processo da pesquisa – pesquisador surpreendendo-se consigo mesmo, ao mesmo tempo que descobre novas possibilidades na análise. Então, é trabalhar o fenômeno comunicacional e da cultura científica a partir do metáporos, do relato intensivo de pesquisa.”, diz Alex Galeno.
De acordo com o pesquisador, o lugar do acontecimento comunicacional é denominado de contínuo atmosférico midiático, quer dizer fenômeno raro do acontecimento comunicacional, um cenário que, ao mesmo tempo, é chamado de uma atmosfera (stimmung) de um ambiente. “Esperamos nos deparar com esses fenômenos raros, contingentes de produção de leitores que estamos denominando de Emílios do digital ou Emilênios, no qual rompa a falsa dicotomia entre cultura científica e cultura humanista ou entre a ideia de ciência e comunicação ou entre ciência e filosofia ou entre ciência e arte”, reforça.
Espera-se que o projeto, que teve início em 2019, esteja concluído até o segundo semestre de 2024 e tenha como resultados o desenvolvimento de habilidades cognitivas relacionado ao tema da pesquisa, além de experimentar linguagens acadêmicas combinadas com as plataformas digitais, o desenvolvimento de habilidades de leituras e escritas acadêmicas a partir dos três tipos de leitura investigados. Além disso, a proposta visa ao desenvolvimento da capacidade analítica dos Emilênios do digital sobre os dados da pesquisa, bem como à possibilidade de que os resultados obtidos venham a tornar-se publicações, artigos e livros.
Fonte: Agecom/UFRN