Um dos critérios que me leva a acreditar que um jogo é verdadeiramente importante é observar o seu reconhecimento além da bolha dos videogames. Poucos conseguiram alcançar esse feito, e Tetris é indiscutivelmente um dos principais exemplos.
Com mais de meio milhão de cópias vendidas — isso sem contar a grande variedade de Brick Games 999 in 1 e afins mundo afora — Tetris, cujo o nome é a junção de tetra (quatro) e tênis (esporte preferido do seu criador, Alexey Leonidovich Pajitnov), pode ser considerado o jogo mais importante da história dos videogames. Sua história, desta vez, foi relatada no filme homônimo sob a direção de Jon S. Baird e lançado mundialmente em 31 de março de 2023 no serviço de streaming da Apple, o Apple TV +.
Como um jogo de videogame rompeu a “cortina de ferro”
O filme, baseado em história real, nos apresenta a saga de Henk Rogers, designer de games e dono da Bullet-Proof Software, interpretado por Taron Egerton (Rocketman, Kingsman: O Círculo Dourado) em busca dos direitos de licenciamento de um jogo de puzzle que conheceu na feira Consumer Electronics Show de Las Vegas, em 1988. Desde o início, o longa estabelece a situação financeira delicada da Bullet-Proof Software, deixando implícito que Rogers vê em Tetris uma oportunidade para superar seus problemas econômicos.
Para tanto, o protagonista decide comprar os direitos de licenciamento do jogo para o Japão da Mirrorsoft, um braço de videogames da Mirror Group, empresa britânica de mídia. Teoricamente, a Mirrorsoft possuía os direitos globais de Tetris adquiridos de Robert Stein, da Andromeda Software, cujo principal trabalho era viajar para a Europa Ocidental em busca de jogos baratos e com potencial para revenda. Em uma dessas viagens, Stein conhece Tetris, que havia sido adaptado para o IBM-PC e se espalhado por toda a União Soviética como fogo em um palheiro.
Maravilhado com o que viu, Stein comprou os direitos de Tetris por uma bagatela, celebrada em um contrato não muito bem definido com a ELORG, uma estatal russa que tinha o monopólio de compra e venda de eletrônicos. A partir desses eventos, inicia-se uma corrida dessas e de outras empresas de jogos, como as gigantes Atari, Sega, e até mesmo a Nintendo, cada uma em busca do seu lugar ao sol, sob os holofotes do fenômeno Tetris.
O comunismo é o grande vilão
Tetris utiliza uma forma bastante conhecida no cinema estadunidense de apresentar a Guerra Fria, a União Soviética e o Comunismo como os vilões de uma história que conhecemos muito bem. Frases como “todos queremos Coca-Cola, e jeans da Levi’s” e “isso não é crime, é comunismo” deixam evidente o desejo de enaltecer o sonho americano e tudo aquilo que ele representava em uma sociedade tolhida de diversas formas.
A Rússia das viagens de Rogers é apresentada em um cenário frio, sombrio e inóspito. O filme retrata sinais de miséria e de escassez, e cada passo dado é acompanhado de perto por integrantes do Governo, que, muitas vezes, parecem pertencer a uma espécie de máfia, com seus casacos e luvas de couro, guiando veículos pretos pelas ruas de Moscou. Além disso, a ênfase da dificuldade de se viver como um americano capitalista naquele ambiente tenta passar a quem assiste ao filme o sentimento de “como eles conseguiam viver em um lugar como esse?”.
Eu torci por Henk Rogers
Podemos dizer que o protagonismo de Henk Rogers ocupa uma parte considerável da trama e, sem dúvidas, foi o personagem mais bem desenvolvido durante o longa. Taron Egerton entregou muito bem o papel de um vendedor visionário, com suas nuances de sobrancelhas e frases apelativas como “os parceiros nos tornam grandes, assim como Mario tem o Luigi, Zelda tem o Link, e Mike Tyson tem um cara para socar no Punch Out”.
Um empresário fadado ao fracasso acaba se tornando um herói americano por permitir que Tetris fosse acessível ao mundo. Em certos momentos, me vi torcendo por ele para que conseguisse o seu objetivo de, no final das contas, ganhar muito dinheiro. Esta é a magia do cinema!
Indispensável para amantes de jogos, e um passatempo para os demais
Tetris é um filme que se destaca também por sua trilha sonora incrível, que combina perfeitamente a música do jogo com o estilo Synthwave dos anos 80. Repleto de momentos de perseguição, espionagem e cenas clichês do cinema norte-americano, nas quais o mocinho enfrenta o malvado, é um título que certamente encontraria seu lugar na programação da Sessão da Tarde para ser apreciado com a família.
Para os entusiastas dos videogames, o longa é essencial, pois apresenta de maneira bem-humorada a história de um dos jogos mais importantes de todos os tempos. É uma experiência envolvente que oferece um vislumbre dos bastidores da indústria e destaca o impacto duradouro de Tetris até os dias atuais.
Texto de Adriano Firmino
Fonte: GameBlast