Um insumo farmacêutico ativo para uso no tratamento da diabetes tipo 2 foi criado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal Da Paraíba (UFPB). A principal aplicação da invenção justifica-se pelo efeito sinérgico hipoglicemiante (do qual resulta uma ação antidiabética) entre o ácido ferúlico e a metformina, podendo reduzir a dose desta última no tratamento para a doença.
A descoberta, depositada como pedido de patente em março junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), foi registrada sob o nome Sistema cristalino multicomponente de ácido ferúlico e metformina para uso farmacêutico e cosmecêutico e seu processo de obtenção. O grupo de cientistas responsável pelo estudo é formado por José Venâncio Chaves Júnior, Cícero Flávio Soares Aragão e Fábio Santos de Souza.
O professor Cícero Aragão, do Departamento de Farmácia da UFRN, identifica que testes farmacológicos realizados por outros grupos de pesquisadores para avaliação da atividade hipoglicemiante com os ativos em ratos atestaram o efeito sinérgico descrito. “Isso se caracteriza como ponto bastante positivo, pois uma parte considerável dos pacientes que fazem uso da metformina apresentam sintomas gastrointestinais indesejáveis, que são dose-dependentes”, ratifica o docente. A dose-dependência é se caracteriza pela relação direta entre a dose de um medicamento e seus efeitos.
Também participante da invenção, o professor Fábio Santos de Souza, da UFPB, acrescenta que há um protótipo desenvolvido a partir dos dados obtidos e que esse ativo já foi incorporado a uma formulação na forma de comprimido. Segundo ele, sua eficiência foi avaliada em estudos in vitro por meio de testes de dissolução que simulam as diferentes regiões do trato gastrointestinal.
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Fábio pontua ainda que não se pode chamar a tecnologia de fármaco, pois não foram realizados estudos de segurança e eficácia. “Uma etapa fundamental para dar continuidade à comercialização dessa invenção é a avaliação desses estudos in vivo. Para isso, no momento estamos desenvolvendo um método bioanalítico relativo à quantificação dos ativos em plasma sanguíneo e assim dar prosseguimento ao estudo de biodisponibilidade relativa em roedores. Esse trabalho, por sua vez, tem a finalidade de determinar se esses ativos, quando administrados por via oral, serão absorvidos pelo sangue para exercer sua ação”.
O estudo que deu origem ao pedido é fruto do doutorado de José Venâncio Chaves Júnior no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica de Medicamentos (Ppg/DITM) da UFRN e, em seu estágio atual, trata, tecnicamente, de um sal farmacêutico. Venâncio, que defendeu sua tese no último mês de fevereiro, salienta que, por ser apresentado no estado sólido, o produto pode ser incorporado em diversas formas, como comprimidos, cápsulas, drágeas, adesivos, granulados, géis, cremes, pastas e sistemas transdérmicos.
O ácido ferúlico já é utilizado comercialmente por sua propriedade antienvelhecimento em cosméticos graças ao seu potencial antioxidante, enquanto que a metformina é um antidiabético que atua para diminuir ou administrar a quantidade de glicose na corrente sanguínea. O que ocorre atualmente é que o ácido ferúlico apresenta limitada solubilidade em meios aquosos, situação que limita a sua absorção em medicamentos administrados por via oral.
“A presente invenção aumenta a solubilidade do ácido ferúlico em meios aquosos e melhora os seus parâmetros biofarmacêuticos, o que, consequentemente, faz com que a molécula, ao ser administrada por via oral, seja rapidamente dissolvida para ser absorvida. Outro ponto é que, pelo fato de ser associado com a metformina no mesmo cristal, não é necessário o uso de alguns outros excipientes, permitindo a produção de formas farmacêuticas com dimensões menores, facilitando a adesão ao tratamento pelos pacientes”, realça Venâncio.
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Os autores da descoberta descrevem que foi alcançado um aumento de mais de 700 vezes na solubilidade em água para o ácido ferúlico, comparando com o ácido ferúlico isoladamente, chegando a valores maiores de 600 mg/mL, quando o usual é de 0,7 mg/mL. Comparando com outras tecnologias já relatadas na literatura para aumentar a solubilidade do ácido ferúlico, a invenção tem resultado muito superior.
Outro fator distintivo do produto patenteado se dá pelo fato de o sistema permanecer em seu estado cristalino, que intrinsecamente gera mais estabilidade ao insumo ativo. Os inventores situam que os estudos realizados até o momento, próximo a seis meses, mostram que o sistema vem mantendo sua estabilidade.
Aragão cita ainda outra utilidade da invenção. “Devido aos ativos usados, ácido ferúlico e metformina, também apresentarem potencial cosmecêutico, o uso da nova tecnologia pode ser ampliado para aplicação no tratamento de afeções da pele, como o melasma, que é um distúrbio de pigmentação caracterizado pelo surgimento de manchas na pele de tom amarronzado.”O procedimento para um inventor submeter sua descoberta para patenteá-la tem início no próprio Sigaa, na aba pesquisa, com a notificação de invenção. Após isso, os pesquisadores enviam os dados dos inventores e o texto da patente para o e-mail da Agência de Inovação (Agir) pela aba contato do portal da Agir. Posteriormente, é dado o suporte, seja no encaminhamento para ajustes no texto ou solicitando que acréscimos ocorram em casos específicos, como na situação do laudo de busca apontar anterioridades. Após esses pontos, a Agência elabora o Termo de Cessão (TC) e o envia aos inventores por e-mail para que sejam colhidas as assinaturas dos depositantes.
Depois de realizar o depósito junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), alguns prazos legais precisam ser obedecidos. A partir daí, começa a correr um processo administrativo, em que o Instituto pode pedir explicações de como o produto ou processo é inovador ou, eventualmente, desenhos e outras exigências formais. Após diversos prazos de requerimentos e manifestações, há o pedido de exame técnico, em que o interessado considera que já demonstrou devidamente que preenche os requisitos para receber uma patente e pede que o órgão decida se a concederá ou não. Todos esses pormenores são acompanhados pela equipe da UFRN, bem como os pagamentos de taxas são realizados pela Universidade.
Imagens: Cícero Oliveira
Fonte: Agecom/UFRN