Descoberta no Triássico

É provável que, para muitos, pensar sobre dinossauros leve a ideias fantasiosas como as descritas nos clássicos do cinema ao estilo Jurassic Park, ou mesmo a memórias mais infantis, como no caso dos que cresceram assistindo à animação Os Flintstones. No entanto, o trabalho de paleontólogos é mais profundo do que essas narrativas audiovisuais, como mostra nova pesquisa realizada com colaboração da UFRN. O estudo revela a evidência mais antiga – até o momento – de ossos com um sistema de sacos aéreos presentes em um dinossauro brasileiro chamado Macrocollum itaquii. A existência dessa característica nesses animais pré-históricos levanta uma série de possibilidades sobre sua necessidade física e funcionalidade.

Com o título A origem de um sistema de saco de ar invasivo em dinossauros sauropodomorfos, o trabalho publicado em periódico da American Association for Anatomy foi conduzido pelo geólogo Tito Aureliano, no Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp), com colaboração da paleontóloga Aline Ghilardi, professora do Laboratório de Paleontologia, ligado ao Departamento de Geologia (GEO) da UFRN. Os pesquisadores utilizaram a microtomografia computadorizada como método para examinar as estruturas interiores que compõem o esqueleto do animal, o que permitiu identificar uma estrutura, até então desconhecida, a qual os pesquisadores batizaram de “tecido protocamerado”.

Os Sauropodomorpha são todos os dinossauros apelidados de “pescoçudos”, ou seja, aqueles de pescoço alongado. A espécie brasileira destacada na pesquisa foi encontrada em rochas do período Triássico no Rio Grande do Sul, onde atualmente se concentram os registros fósseis de dinossauros mais antigos já localizados no mundo. “Datando as rochas de lá, foi confirmado que o Brasil foi a casa dos primeiros dinossauros. Estávamos no lugar certo para pesquisar sobre a origem dos sacos aéreos. Então, fizemos uma parceria com o pessoal de lá (do Rio Grande do Sul) para conseguir acessar fósseis de diferentes dinossauros e do início da história evolutiva deles”, explica Aline.

Reconstrução esquelética do unaysaurid sauropodomorph Macrocollum mostrando elementos vertebrais ao longo da coluna vertebral e suposta reconstrução dos sistemas de sacos aéreos envolvidos – Ilustração: Rodrigo T. Müller

Durante a vida escolar, o conceito de sacos aéreos é ensinado comumente sendo associado às aves. Isso porque, em sua composição inerente, pássaros possuem cavidades que permitem a passagem de ar e que servem para facilitar sua função de voo. Contudo, como constatado na investigação, a aparição dessa característica em dinossauros gera muitas inquietações. “Esse dinossauro (Macrocollum) não voava, então por que ele teria essas estruturas? Elas podem ser vantajosas para muitas coisas, como, por exemplo, para deixar o animal mais leve, aumentar a sua capacidade respiratória e torná-lo fisiologicamente mais ativo, principalmente em ambientes muito quentes. Ele pode trocar calor com o ambiente mais rápido e adquirir oxigênio com mais facilidade para desenvolver as suas atividades”, esclarece Aline Ghilardi.

A pesquisadora descreve o funcionamento da evolução das espécies como um processo de sucessão de testes. “Uma estrutura que pode ser vantajosa para algo em um momento pode ser reaproveitada para uma outra função no futuro. Com os sacos aéreos provavelmente aconteceu isso. Ao longo da história evolutiva dos dinossauros, eles foram sendo vantajosos para diferentes coisas. Em Macrocollum, por exemplo, eles podem ter sido um benefício fisiológico para refrigerar o corpo e adquirir mais oxigênio para funcionar melhor. Assim, eles podem ter obtido vantagens sobre a linhagem dos mamíferos, que eram alguns dos seus principais competidores nesse início da história evolutiva dos dinossauros”, complementa a paleontóloga.

Investigações já existentes apontavam que dinossauros dos períodos Jurássico e Cretáceo possuíam dois tipos de tecidos ósseos com invasão de sacos aéreos registrados: camerados e camelados. Ambos se referem às características das estruturas pneumáticas internas de seus ossos. Porém, outra questão trazida por meio da observação dos autores é a existência de um terceiro tipo de tecido com atributos dos dois citados anteriormente. A teoria de que um teria gerado o outro, portanto, mostrou-se mais complexa do que o compreendido pelos cientistas previamente. Essa percepção permitiu aos pesquisadores a possibilidade de nomear sua mais recente descoberta. “A gente descreveu pela primeira vez um tecido próprio, que batizamos de ‘protocamerado’. Ele ajuda a explicar mais um passo na evolução da invasão de ossos por sacos aéreos em dinossauros”, comentou Ghilardi.

Evolução cronológica e filogenética da pneumaticidade esquelética pós-craniana em dinossauros sauropodomorfos, e o herrerasaurid Gnathovorax como grupo externo. 1, Sauropodomorpha. 2, Sauropoda. Com base na topologia de Yates et al. (2012) e Müller, Langer e Dias-da-Silva (2018). As silhuetas são de Phylopic.org por Bruno Navarro, Mathew Wedel, Ryan Soledade e Scott Hartman.

O entendimento sobre a datação do surgimento dessa particularidade fisiológica da espécie e das especificações sobre o tecido evidenciado revelam dados importantes para a continuidade dos estudos sobre dinossauros e sua evolução. Além de colocar o Brasil em destaque no contexto dos avanços científicos sobre a temática, os resultados têm potencial para virar referência nesse nicho e promover parcerias para além das fronteiras geográficas do país. Para Aline, este é o momento de se firmar relações com outros países para acessar mais fósseis e também trocar conhecimentos. “Sempre procuramos pessoas que estejam dispostas a construir parcerias equitativas. [Queremos] dar as mãos para os nossos colegas de fora para começar a construir algo maior, sempre buscando criar pontes e não relações verticais”, completa.

Além de Tito Aureliano e Aline Ghilardi, o trabalho contou ainda com a colaboração de Fresia Ricardi-Branco, do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp); Rodrigo T. Müller e Leonardo Kerber, do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (Cappa) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Marcelo A. Fernandes, do Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia (LPP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Mathew J. Wedel, da Faculdade de Medicina Osteopática do Pacífico e Faculdade de Medicina Podiátrica da Western University of Health Sciences, Pomona, EUA.

Fonte: Agecom/UFRN

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