Novas “gasolinas” para foguetes e mísseis

Uma formulação que soluciona um grave problema dos combustíveis atualmente usados em foguetes e mísseis é o resultado de novo depósito de pedido de patente realizado no mês de março. A dificuldade driblada pelo cientista Robson Fernandes de Farias, autor da invenção, é a desvantajosa relação entre combustível e oxidante nos propelentes sólidos, como tecnicamente é chamada a “gasolina” desses artefatos voadores.

O professor do Instituto de Química (IQ) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) explica que, em um foguete ou míssil, o propelente é usualmente sólido e resultante da mistura de um combustível, um oxidante e um aglutinante em proporções variáveis, com os dois últimos atuando para facilitar a processabilidade do propelente. O desafio, nesse caso, é sempre ter a maior massa de combustível possível para, assim, aumentar a quantidade de energia promovida na queima. Foi o que fez o pesquisador.

“A composição inovadora que desenvolvemos é formada por um combustível que tem, por si, um certo percentual de oxigênio que atua como oxidante. Essa situação ocasiona a diminuição da quantidade de oxidante a ser adicionada ao propelente, o que, por outro lado, aumenta a quantidade de energia promovida na queima do propelente, bem como seu tempo de queima. Todas essas vantagens proporcionam um aumento do alcance útil de um foguete ou míssil que empregue esse combustível”, destaca o Robson.

Em vídeo, Robson fala aspectos que unem as duas pesquisas e as vantagens de criar novas formulações para os propelentes

O aglutinante, “a terceira parte”, tem como propriedades desejáveis também ser quimicamente estável, ou seja, não reativo e não explosivo, e ter o menor tempo de cura possível. Em compensação, deve ser uma substância “combustionável” para influenciar menos nessa relação de massas. Um exemplo é o polibutadieno líquido hidroxilado (PBLH), substância que atualmente, em se tratando de propelentes sólidos para foguetes ou mísseis, é a mais empregada como aglutinante.

Teoricamente, ela requer uma porcentagem de 92% em massa de oxidante para ser completamente queimada considerando-se o perclorato de amônio como oxidante. Além disso, de 15% a 20% em massa de PBLH é necessário para ter-se uma adequada processabilidade do propelente. Como o aglutinante “dilui” o propelente, diminuindo-lhe a quantidade de energia liberada, quanto menor forem essas taxas, maior a potência.

O efeito conseguido com o combustível desenvolvido no Laboratório de Transferência de Calor é alcançado com o emprego do composto híbrido lamelar GO-hmta (óxido de grafite- hexametilenotetramina), “dopado” com nanopartículas de óxido de ferro como combustível. Desse aspecto surge o nome dado ao pedido: Óxido de grafite-hmta dopado com nanopartículas de óxido de ferro e seu uso como combustível na formulação de propelentes sólidos ou híbridos para foguetes e mísseis, cuja aplicação foi pensada para o setor de defesa e aeroespacial.

O aglutinante tem como propriedades desejáveis também ser quimicamente estável – Foto: Cícero Oliveira

Robson pontua que a escolha do óxido de grafite como componente do novo propelente não foi aleatória. Ele identifica que o óxido já possui, em sua composição, dois dos componentes básicos de um propelente: uma substância combustível, no caso o carbono, e um oxidante, o oxigênio. Nos testes realizados, sob diferentes situações de quantidade de “ingredientes”, foi atestada a viabilidade do emprego do híbrido GO-Hmta dopado com nanopartículas de óxido de ferro como combustível na produção/preparação de propelentes sólidos.

Conjunto de pesquisas

O cientista salienta que há outras pesquisas em andamento e voltadas para o desenvolvimento de novos propelentes para foguetes e mísseis com outras composições químicas, visando sempre à melhoria de performance do propelente. Uma delas rendeu, ainda no mês de março, um quarto depósito seguindo a mesma lógica de potencializar a “explosão” do propelente com uma nova formulação.

Neste caso, a substância empregada é o cloreto de polivinila clorado (CPVC), com o fato adicional de que a utilização pode ser como combustível ou como aglutinante na preparação e formulação de propelentes. No documento apresentado ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) para a solicitação deste outro pedido de patente, há a descrição dos testes realizados e dos resultados: os parâmetros de “combustionabilidade”, tempo de queima e resíduos sólidos resultantes foram investigados e constatou-se que as formulações empregando o CPVC como aglutinante empregando-se nitrato de potássio (KNO3), nitrato de sódio (NaNO3) ou clorato de sódio (NaClO3) como oxidantes “combustiona” com facilidade e de forma contínua, não havendo interrupções detectáveis a olho nu e deixando um resíduo sólido correspondendo ao equivalente entre 17,5% e 18,5% da massa inicial.

Robson desenvolve experiências no Laboratório de Transferência de Calor – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Ao mesmo tempo, quando o CPVC é usado como combustível propriamente dentro da formulação, empregando-se os mesmos oxidantes, apresenta as mesma características, exibindo uma taxa de queima de 2,2 kg a 2,4 kg por minuto. Além disso, em ambos os casos, os propelentes são quimicamente estáveis e “sem afinidade” com a água.

Estes foram o terceiro e quarto depósito de patentes de Robson com foco na criação de novos combustíveis para artefatos voadores. Os dois se tratavam de novos propelentes com base em aglutinantes diferenciados, um usando a hidroxipropilmetilcelulose e o segundo, a base de acetatos e alcóxidos.

Ele defende que há uma relevância acadêmica no processo de patenteamento que beneficia a instituição e o pesquisador e que tem reflexo na sociedade. “O patenteamento garante a prioridade em um eventual uso econômico do invento, o que é uma coisa importante, e também mostra essa outra faceta das instituições de ensino e pesquisa, para além de produzir artigos e livros, produzem itens patenteáveis e passíveis de exploração econômica e, nesse caso em particular, para a área de defesa, fundamental para o país”, afirma.

As novas tecnologias integram agora a Vitrine Tecnológica da UFRN, grupo de produtos tecnológicos e processos inovadores da Instituição que atualmente conta com mais de 600 ativos, entre patentes e programas de computador. Na UFRN, a notificação de invenção é realizada no Sigaa, na aba Pesquisa. No site da Agência de Inovação da Reitoria (Agir), há um manual de como fazer o depósito de patentes. O tempo médio de análise de patentes atual é de cinco anos, mas pode ser maior ou menor de acordo com a área. Dados do próprio Inpi referentes ao ano de 2022 mostraram que, após o pedido de exame, foram necessários em média 6,1 anos para decisões sobre patentes na área de telecomunicações, enquanto na divisão de fármacos o tempo foi de 5,8 anos.

A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) prevê que um invento será protegido por patente se atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Podem ser patenteados processos, produtos ou ambos. Em contrapartida ao depósito e consequente concessão, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente, o que contribuirá para o desenvolvimento tecnológico mundial, tornando a patente um importante instrumento para a divulgação de informação tecnológica e estimulando novos desenvolvimentos científicos.

Fonte: Agecom/UFRN

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