A recente declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o senador Sergio Moro (União Brasil) não repercutiu bem entre a classe política. Nem sequer aliados do governo aprovaram a fala do chefe do Executivo, que atribuiu uma ação da Polícia Federal (PF) que investigava um plano de assassinato contra o ex-juiz a uma “armação” do próprio Moro. Políticos e especialistas veem erro na postura do petista e analisam que a fala presidencial teve um efeito contrário.
Um dia após Lula afirmar, durante entrevista, que queria “foder” Moro quando estava preso na carceragem da Polícia Federal em decorrência de sua condenação pela Lava Jato, uma ação da Polícia Federal desarticulou, na última quarta-feira 22, um plano de sequestros e assassinatos de autoridades públicas, entre elas Sergio Moro. Ao repercutir a operação, Lula falou em “armação” de Moro, o que provocou indignação no ex-juiz.
Para o ex-deputado federal Henrique Eduardo Alves (PSB), Lula errou “na forma e no mérito” ao abordar o tema relativo ao ex-juiz. Para ele, a trajetória do petista não o livra de respeitar os demais personagens políticos, além do que o presidente deveria dar o exemplo como mandatário.
“O presidente Lula é um sobrevivente. O que esse homem viveu, sofreu, resistiu e venceu. Aos 77 anos reeleito pela terceira vez presidente do Brasil numa campanha adversária tão absurda, só ele! Sua história, sua vida! Agora, tanto assim não o exime de saber que a democracia cobra todo dia o respeito na luta política. Ele tem que dar o exemplo de civilidade e altivez. Se traduz: ódio e intolerância na lata do lixo. Cada dia seu aprendizado. O presidente Lula errou na forma e no mérito. Viremos essa página! Esperançar!”, disse Henrique à reportagem por meio de mensagem.
O presidente do União Brasil no RN, ex-senador José Agripino Maia, afirma que, ao falar dessa forma, Lula esquece que agora é presidente da República. “Lula vem tratando esse assunto como se fosse do presidiário Lula versus Moro, o juiz que o condenou. Esquece que ele agora é presidente da República e Moro é senador. Trata-se, portanto, de uma questão de Estado”, analisa Agripino.
Em entrevista à 96 FM nesta sexta-feira 24, o senador Styvenson Valentim (Podemos) criticou a postura do presidente e destacou que todo o Senado Federal está solidário ao ex-juiz. “Armação de quem? Porque o cara planeja, gasta dinheiro – porque tinha um cofre cheio de dinheiro – aluga casa, faz tudo para tirar a vida do cara e não queria só tirar a vida, eles queriam expor como ato terrorista”, pontua o senador.
O deputado federal General Girão (PL) disse por meio das redes sociais que o chefe da Nação “zombou” de um ato criminoso praticado contra um senador da República. “Apesar das diferenças que temos, não posso admitir que um senador seja ameaçado de morte e que um chefe da nação zombe de um ato criminoso contra familiares do Moro. É um escárnio! Para quem vive muito próximo da corrupção e pegou cadeia é muito comum relativizar as ações criminosas. A velha bandidolatria”, escreveu Girão.
Lula repete estratégia usada por Bolsonaro, diz especialista
O cientista social e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Daniel Menezes vê o caso como uma estratégia de Lula para personificar em Moro a figura principal de oposição ao governo. O professor questiona, no entanto, essa sistematização conduzida pelo mandatário da República.
“Eu não sei se é a melhor estratégia, porque Moro não tem essa liderança nacional e, ao antagonizar com Moro, Lula acaba tornando ele maior. Já são dois ataques, então isso significa que ele, de alguma forma, irá sistematizar isso. Eu acho um erro”, avalia Menezes.
Ele lembra que essa mesma estratégia foi bastante utilizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que espalhava “teorias da conspiração” pensadas para alimentar toda uma militância e sempre abordava a esquerda como um inimigo a ser vencido.
“Bolsonaro fez muito isso e Lula aderiu, pelo menos nesse caso há uma inclinação nesse sentido, estrategicamente, para mobilizar a sua militância. Vamos ver se isso vai se perpetuar como estratégia, mas nesse caso você tem uma utilização muito semelhante”, analisa Daniel Menezes.
O cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, Antônio Spinelli, classifica como “infelizes” as declarações do petista contra Sérgio Moro e acredita que elas devolvem ao ex-juiz um protagonismo que ele não mais detinha.
“O mínimo que se pode dizer é que as declarações do presidente são infelizes, impensadas e contribuíram enormemente para conferir ao Moro um protagonismo que ele já não tinha, estava apagado ali no Senado Federal, não tinha audiência e de repente ele passa a ter um protagonismo, inclusive membros do governo admitem isso, que a fala foi infeliz, foi inoportuna”.
Spinelli acrescenta que, como presidente da República, Lula precisa ser mais cauteloso com as palavras, pois tudo o que ele fala tem um efeito público amplificado em razão da representatividade do cargo e pode provocar um “efeito bumerangue”. “Então realmente foi uma declaração com um efeito adverso muito grande. Com certeza, nesse caso ele errou”, avalia.
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Fonte: Agora RN