De olho no espaço – Há dez anos, UFRN colabora com o Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics

A ciência não se desenvolve isoladamente. É necessário mobilizar uma série de recursos e estruturas para garantir que o conhecimento seja construído e disseminado, gerando avanços e nova percepção sobre a natureza. Desde seu início, é assim que a UFRN se movimenta não só no Brasil, mas no mundo. Um exemplo dessa busca pela excelência e participação nos grandes achados da humanidade é a parceria estabelecida com o Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics (CfA-SAO), instituição norte-americana de educação e pesquisa em astronomia, astrofísica, ciências da terra, ciência do espaço e educação científica onde, há dez anos, o astrônomo José Dias do Nascimento Júnior, professor do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE/UFRN), chegou para construir essa ponte e onde atua como colaborador desde então.

Além das diversas cooperações, essa parceria tem permitido aos estudantes dos programas de pós-graduação em Engenharia Elétrica e de Computação (PPgEEC) e em Física da UFRN realizar colaborações com diversos pesquisadores integrados ao CfA-SAO. “Isso remonta ao ano de 2012 e ao uso dos dados do satélite  CoRoT  no  mestrado do discente Luiz Paulo de Souza Medeiros e sua dissertação intitulada Análise e Identificação de Padrões de Curvas de Luz do Projeto CoRoT Utilizando Wavelet e Redes Neurais Artificiais, sob orientação da professora Ana Maria Guimarães Guerreiro e do professor Adrião Duarte Doria Neto, do Departamento de Engenharia de Computação e Automação (DCA/UFRN). Esse foi um passo inicial fundamental na direção do que  estamos colhendo hoje”, recorda José Dias.

O astrofísico acrescenta que os bons resultados das relações profissionais na astrofísica moderna não são fruto somente de esforços baseados na construção de grandes telescópios espaciais e em Terra, mas também da diversidade de mentes e perfis que trabalham em problemas-chave. “É o que acontece nessa sinergia entre a UFRN e o CfA-SAO da Universidade de Harvard”, reforça.

Professor José Dias do Nascimento está vinculado ao CfA-SAO há 10 anos

De acordo com o pesquisador, já em 2023, a colaboração resultou em artigo no The Astrophysical Journal Letters (ApJL), principal periódico para publicação de investigações impactantes (chamadas no meio de “letters”)  em astronomia. “A ApJL publica breves relatórios sobre as pesquisas desenvolvidas nos temas mais influentes em astronomia e astrofísica. O artigo em questão foi liderado pelo discente Eduardo Nunes Velloso, do mestrado em Engenharia Elétrica e de Computação (PPgEEC), sob orientação do professor Luiz Felipe (DCA/UFRN)”, explica Dias.

O estudo citado pelo astrônomo é parte de uma engrenagem colaborativa entre astrofísicos e engenheiros no tratamento de sinais não estacionários com métodos estatísticos, físicos e computacionais associados a algoritmos inteligentes (Inteligência Artificial – IA).  “Nesse caldeirão em ebulição de conhecimento, surge uma ciência comum que hoje, na era do Big Data, é descrita de forma aproximada pela Astrofísica no domínio do tempo. Nessa linha, os cientistas tratam desde as erupções e variabilidades estelares em diversas escalas de tempo até o estudo da evolução química das estrelas e interações com seus possíveis planetas”, complementa José Dias.

Entre outros resultados de impacto, com citação da UFRN em Harvard e veiculados pelo CfA-SAO nesses últimos dez anos, estão as pesquisas Estrelas parecidas com o sol revelam suas idades e Campos magnéticos em estrelas do tipo solar, publicadas em 2014; Estrela Jovem parecida com o Sol mostra que um campo magnético foi crítico para a vida na Terra primitiva, de 2016; e  O segredo dos ciclos magnéticos nas estrelas, de 2017.

Estudo da jovem estrela Kappa Ceti, semelhante ao Sol, mostra que um campo magnético desempenha um papel fundamental em tornar um planeta propício à vida – Imagem: Cambridge, MA

Segundo o professor, o aumento da quantidade de dados, que vem crescendo de forma acelerada, causou, na última década, uma elevação considerável da observação de fenômenos transientes, de forma que a visão que se tem hoje de como as estrelas morrem e seus planetas surgem é muito mais complexa. Dias conta que os esforços dos cientistas apontam, atualmente, para o desenvolvimento de novas técnicas de aprendizado de máquina, com ajustes trazidos pela física para encontrar “agulhas” interessantes no “palheiro” de observações do Universo.

Perspectiva para a próxima década

Entre os grandes projetos que devem direcionar as pesquisa da astrofísica na UFRN e a colaboração com o CfA-SAO nesta década está o estudo dos exoplanetas – planetas que orbitam estrelas distantes – com o Telescópio Gigante de Magalhães, ou GMT, sigla para Giant Magellan Telescope, em inglês. Trata-se de um enorme observatório terrestre com poder de resolução dez vezes maior que o Telescópio Espacial Hubble. O Centro de Astrofísica está desenvolvendo as ferramentas e estruturas necessárias para que o GMT “veja” exoplanetas com maior clareza do que nunca.

Giant Magellan Telescope – Representação artística mostra como será o Telescópio Gigante de Magalhães  – Crédito: CfA

O projeto decenal de 2021 para astronomia e astrofísica nos EUA (Astro 2020) recomendou apoio federal para os estágios finais de construção do GMT como parte do Programa de Telescópios Extremamente Grandes. O Centro de Astrofísica Harvard & Smithsonian (CfA) é parte considerável do consórcio internacional que contribui com tecnologia de instrumentação-chave e apoio filantrópico para o GMT. “O tamanho de um telescópio está relacionado à sua resolução. Quanto maior, mais detalhes em um sistema astronômico podem ser detectados, ou seja, a quantidade de luz que ele pode coletar aumenta. Assim sabemos mais sobre as fontes luminosas que podem ser estrelas, planetas, galáxias ou buracos negros”, explica Dias.

Segundo o pesquisador, o Telescópio Gigante de Magalhães vai se destacar em ambos os seguintes aspectos: tamanho e capacidade de resolução. Quando concluído, terá 368 metros quadrados de espelhos para coletar luz. Os instrumentos do telescópio criarão imagens e analisarão o espectro de objetos tanto na luz visível quanto na infravermelha.

São sete espelhos de 8,4 metros de diâmetro, cada um disposto em posição hexagonal. Esses espelhos refletem a luz de fontes astronômicas em espelhos secundários, que serão equipados com “óptica adaptativa” para corrigir as flutuações na atmosfera da Terra. O telescópio está em construção em Las Campanas, colina localizada na comuna La Higuera, província de Coquimbo, no Chile, onde o clima é seco e claro por mais de 300 noites do ano. “Juntos a localização, os espelhos e a óptica adaptativa darão ao GMT uma resolução dez vezes melhor do que a do Telescópio Espacial Hubble”, acrescenta o pesquisador.

Representação artística mostra como será o Telescópio Gigante de Magalhães quando a construção estiver concluída – Crédito: CfA

Dias complementa que o GMT trará possibilidades poderosas para estudar exoplanetas. A primeira delas é o espectrógrafo GMT-Consortium Large Earth Finder (G-CLEF), desenvolvido pela CfA e projetado para medir o espectro da luz com muita precisão. O G-CLEF será capaz de mensurar a ligeira oscilação de uma estrela criada pela atração gravitacional de um planeta em órbita, o que permite aos astrônomos determinar a massa desse planeta.

“As medições atuais das massas dos exoplanetas são limitadas, principalmente as de grandes mundos orbitando as proximidades de sua estrela central, mas o G-CLEF permitirá ao GMT medir as massas dos planetas semelhantes ao tipo Terra, incluindo, possivelmente, aqueles na zona habitável, onde a água líquida pode existir na superfície do planeta” completa.

O espectrógrafo G-CLEF também será capaz de detectar muitas moléculas importantes nas atmosferas de exoplanetas, incluindo aquelas criadas pela vida na Terra, como o oxigênio molecular (02). O GMT, por sua vez, também estudará protoplanetas, os progenitores dos planetas, para entender como mundos semelhantes ao nosso se formam e quais produtos químicos estão presentes em seu nascimento. “O GMT será um dos telescópios mais poderosos do mundo quando concluído, trazendo-nos uma riqueza de novos conhecimentos sobre o universo e seu conteúdo”, reforça José Dias.

Observatório Chandra X-ray

Outro grande projeto para esta década será a continuação da pesquisa em raio-X.  O Observatório Chandra X-ray, principal observatório de raios-X da NASA, fornece dados essenciais sobre tudo, desde o ambiente em torno de estrelas recém-nascidas até as emissões de plasma quente dentro de aglomerados de galáxias. O Observatório Astrofísico Smithsonian (SAO), como parte do Centro de Astrofísica – Harvard & Smithsonian, gerencia as operações diárias do Chandra, fornecendo controle de espaçonaves, planejamento de observação e processamento de dados para astrônomos.

Telescópio de raios-X mais poderoso do mundo –  Créditos: NASA/CXC & J.Vaughan

Juntamente com o Hubble, o Chandra é um dos Grandes Observatórios Orbitais da NASA, cuja capacidade pode detectar sinais de um planeta transitando por uma estrela fora da Via Láctea. A técnica de observação com raios-X abre uma nova janela para procurar exoplanetas a distâncias maiores do que nunca. Um possível candidato em observação está localizado na galáxia espiral Messier 51 (M51), também chamada de Galáxia Whirlpool devido ao seu perfil distinto. Até agora, os astrônomos encontraram exoplanetas conhecidos e candidatos a exoplanetas na Via Láctea, quase todos a menos de 3 mil anos-luz da Terra. Um exoplaneta em M51 estaria a cerca de 28 milhões de anos-luz de distância.

Uma imagem composta de M51 com raios-X do Chandra da NASA e luz óptica do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA. A caixa marca a localização do possível candidato a planeta – Crédito: NASA/ESA

 

SAO-CFA

A história do Astrophysical Observatory (SAO), fundado em 1890, e do Center for Astrophysics (CFA) reside na colaboração do Harvard College Observatory (HCO), iniciado em 1839. As duas instituições foram unificadas e passaram a ser geridas por um único diretor. Em 1º de julho de 1973, a Smithsonian Institution e a Harvard University formalizaram a formação do Center for Astrophysics Harvard e Smithsonian.

Frente do prédio principal do CfA Headquarters, edifício C no Harvard College Observatory, em Cambridge, Massachusetts, EUA – Crédito: José Dias do Nascimento – UFRN

O objetivo da nova organização era coordenar as atividades de pesquisa relacionadas à gestão dos dois laboratórios. Hoje os dois observatórios mantêm suas identidades separadas, mas com colaboração contínua, baseada em forças e recursos coordenados para criar uma atmosfera de inovação e descobertas compartilhadas que ecoam no lema “ciência em primeiro lugar”.

Sediado em Cambridge, cidade do estado de Massachusetts (EUA), o CfA lidera um amplo programa de pesquisas em astronomia, astrofísica, ciências da Terra e do espaço, bem como de educação científica. O CfA também lidera ou participa do desenvolvimento e da operação de mais de 15 observatórios de pesquisa astronômica baseados no solo e no espaço, incluindo o próximo GMT e o Observatório de Raios-X Chandra, um dos grandes observatórios da NASA. Com mais de 850 cientistas, engenheiros e equipe de suporte, o CfA-SAO figura entre os maiores institutos de pesquisa astronômica do mundo.

Além de ter ganhadores do Prêmio Nobel em cosmologia e astrofísica de alta energia em seus quadros, a instituição também é responsável pela descoberta de muitos exoplanetas e pela primeira imagem de um buraco negro. O CfA também desempenha um papel importante na comunidade global de pesquisa em astrofísica. O Astrophysics Data System (ADS) do CfA, por exemplo, foi universalmente adotado como banco de dados on-line mundial de artigos sobre astronomia e física.

Fonte: Agecom/UFRN

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