Atomic Heart é o primeiro projeto desenvolvido pela Mundfish, um pequeno estúdio de origem russa e sede no Chipre, que nos apresenta uma aventura explosiva em uma realidade alternativa onde a União Soviética é uma grande potência e detentora de tecnologias que dão o rumo para a evolução da sociedade humana.
Na pele de um militar altamente treinado, nossa missão é descobrir as causas de um incidente que pode colocar a gloriosa pátria soviética em risco em meio a um apocalipse robótico. Prepare-se para uma viagem turbulenta, camarada leitor.
O sonho soviético
A trama acontece em um cenário alternativo da História em que a União Soviética foi vitoriosa na Segunda Guerra Mundial. Nesta utopia, a nação vermelha é detentora de uma tecnologia revolucionária que permitiu à humanidade deixar todo o trabalho pesado nas mãos de robôs, podendo então deixar que os humanos se dedicassem às artes, música e cultura.
Criado pelo gênio científico, Dr. Dimitri Sergeievitch Sechenov, o Kollektiv 1.0 é uma grandiosa rede que administra o trabalho das máquinas e garante a harmonia entre robôs e humanos. Sechenov é o administrador da instalação 3826, uma cidade perfeita.
Em 1955, a URSS está ansiosa pelo lançamento do Kollektiv 2.0, nova versão do sistema que vai proporcionar um salto tecnológico grandioso, integrando o pensamento dos humanos com a rede, permitindo uma fusão perfeita entre a relação homem-máquina. Uma verdadeira evolução no estilo de vida dos homens.
Entretanto, no dia do lançamento do Kollektiv 2.0, os robôs entram em surto e começam a atacar os humanos. Começa um verdadeiro apocalipse robótico na 3826 em que o céu se torna um verdadeiro inferno tecnológico. Atendendo um pedido direto de Sechenov, Serguéi Alexéyevich Niecháev, o Major P-3, é despachado para a instalação para descobrir as causas do surto e impedir um vazamento de informações para outras nações que podem acabar de vez com a gloriosa reputação da União Soviética.
Camarada Major contra o mundo
Durante a campanha somos levados pelo camarada Major e seu parceiro, uma luva altamente tecnológica chamada Char-Les, até as entranhas da 3826 para desvendar as causas do caótico surto que deixou os robôs violentos na instalação. Munido de armas, habilidades especiais e coragem, o enredo nos leva a locais que revelam a grandiosidade da enrascada em que nos metemos desta vez.
P-3 pode fazer uso de armas de fogo e armas brancas para enfrentar as diversas ameaças tecnológicas que estão tocando o terror na 3826. Com o apoio de Char-Les, o camarada Major pode realizar habilidades especiais como eletrocutar e congelar inimigos, magnetizar objetos para resolver enigmas e coletar sucatas de robôs derrotados para melhorar seu arsenal e criar itens de apoio, como munições e cápsulas de cura.
Sim, também há monstros no meio do caminho |
Um dos pontos altos da experiência de Atomic Heart está em seu roteiro, em especial a interação entre o Major e a luva, que não só ajudam a nos inteirar sobre o que está acontecendo como também rendem vários diálogos memoráveis. Bem diferente do que presenciamos há pouco tempo com a relação entre Frey e seu bracelete em Forspoken.
Mesmo desenvolvido por um estúdio independente, uma das coisas que me surpreendeu foi o fato de o jogo contar com dublagens em nove idiomas diferentes, incluindo o russo. Sim, é possível jogar o game no “idioma local” e com legendas em português, mas recomendo fortemente que ele seja jogado com a dublagem em português ativada.
Você não vai ouvir ninguém falando com um sotaque barato, mas vai se deleitar com atuações impecáveis de grandes nomes da dublagem nacional, como Raphael Rossato, Marco Antônio Abreu, Charles Dalla, Hélio Vaccari, Tatá Guarnieri e muitos outros. É um dos melhores trabalhos de localização para nosso idioma que presenciei este ano.
“Fazendo o L” para escanear o ambiente |
A ambientação é outro ponto de destaque. A todo momento somos introduzidos à cultura e à história desta União Soviética que nunca existiu. São monumentos, construções, música e relatos que valorizam a ambientação e favorecem nossa imersão no mundinho do jogo.
O design original dos robôs é outro ponto forte, desde humanoides mais básicos – como vistos em filmes clássicos de ficção científica – até verdadeiras monstruosidades metálicas que chegam a intimidar com seu tamanho e habilidades. Além, claro, de outras que já chamavam a atenção antes mesmo do lançamento do jogo, como as bailarinas assistentes do Dr. Sechenov. Destaco Nora, a “geladeira tarada”, personagem que rouba a cena a todo momento em que se descontrola quando fazemos uso de seus serviços.
O mesmo se aplica às armas do camarada Major que, mesmo sendo visualmente comuns, conforme vamos aplicando melhorias a elas, começam a aparentar algo saindo de uma realidade steampunk devido a tantos apetrechos e modificações realizadas.
Sobra inspiração e falta originalidade
A equipe da Mundfish, como já evidenciei no título desta análise, esbanja inspirações de diversos jogos do gênero de ação em primeira pessoa na construção de nossa experiência de jogo. Se você é um veterano com uma bela carga de jogatinas dentro dos FPS, ao jogar Atomic Heart você facilmente identifica quais foram as bases para a criação do game.
Só para citar alguns, temos nuances de Bioshock (habilidades com a luva e ambientação na 3826), Fallout (árvore de habilidades e animações interativas), Doom (mobilidade, roda de armas e combate), Resident Evil (salas de salvamento e gestão do inventário) e Far Cry (aquisição e desenvolvimento de equipamentos, exploração em mundo aberto). Somando tudo isso ao roteiro, o saldo fica levemente positivo, pois não temos nada aqui realmente novo para o gênero. No fim das contas, ainda curti bastante o jogo apesar de alguns bugs pontuais e outros pontos que destaco a seguir.
Dos problemas que prejudicam nossa experiência com o jogo, o que considerei mais grave é justamente um que eu esperava que fosse bem mais trabalhado, que são as seções em que jogamos em mundo aberto. Para começo de conversa, poucos dias antes do lançamento do game, o portal Power Pyx, uma das principais referências na produção de guias de conquistas/troféus, revelou que não faria um guia para Atomic Heart por causa da “experiência miserável” que é rastrear itens no jogo. Achei um pouco preocupante quando vi isso e, quando finalmente joguei, pude confirmar o que eles disseram e reforço: é uma das piores experiências quando se trata de mundo aberto que eu já vi.
Boa sorte tentando se orientar por esse mapa |
O mapa não é nada funcional, nos deixando mais perdidos que um cego no meio do tiroteio, além de ser bastante mal feito. Não dá pra fazer o básico, que é marcar um ponto no mapa e rastreá-lo. O objetivo principal é o único que fica marcado o tempo todo. Fora que as seções de mundo aberto são extremamente chatas e desnecessariamente complicadas por conta de uma dinâmica em que câmeras estão sempre vigiando diversas localidades.
Mesmo que você ande de forma bastante cautelosa, sempre haverá uma câmera que você não viu ou algum inimigo que brotou, sei lá, do nada, elevando o nível de alerta e fazendo diversos inimigos surgirem para chutar seu traseiro russo. Os segmentos em que estamos dentro de alguma localidade já são melhores justamente por conta da linearidade, mas ao botar o pé pra fora, a vontade é de esbravejar gritando o mesmo bordão do camarada Major quando algo dá errado: Carniça Defumada!
A obtenção de recursos para as criações de itens e melhoria de equipamentos também é desnecessariamente trabalhosa. Obter recursos suficientes para, digamos, colocar novas peças na escopeta, temos que dedicar alguns momentos farmando recursos para conseguir melhorá-la ao ponto que queremos.
Outro aspecto que não me agradou foi a jogabilidade, que demonstra muita imprecisão. Jogando no controle, precisei ajustar várias coisinhas no menu de opções para deixá-lo um pouco mais agradável de jogar. O maior problema, mesmo com o auxílio de mira ativado, é a precisão na hora de atirar. Valiosas munições foram perdidas quando fiquei encurralado por vários robôs enquanto tentava atravessar mais um trecho estressante no mapa para chegar a uma nova etapa da história.
“Carniça defumada!” |
Onde o filho chora e a Mãe Rússia não vê
Apesar de problemas pontuais, Atomic Heart é o primeiro produto de um estúdio pequeno que ainda consegue se destacar positivamente ao lado de cachorros grandes que já deram as caras em 2023. Com atualizações melhorando a navegação e a jogabilidade, no decorrer do ano acredito que a Mundfish pode deixar a experiência do jogador melhor. Basta querer!
Prós
- A história e a ambientação do jogo são muito boas;
- Gráficos e produção musical caprichados;
- Puzzles interessantes e bem contextualizados;
- Excelente trabalho de localização e dublagem para o português.
Contras
- Nenhuma novidade real para o gênero de ação em primeira pessoa;
- Controles imprecisos que requerem ajustes finos nas opções do jogo;
- As seções em mundo aberto são bem ruins;
- Farmar recursos se faz necessário em alguns momentos, atrasando o progresso;
- Bugs pontuais.
Atomic Heart — PC/PS5/PS4/XSX/XBO — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Análise de Alexandre Galvão
Fonte: GameBlast