No fim de 2022 o mundo acompanhou com preocupação a queda extrema de temperatura ocorrida nos Estados Unidos e no Canadá. Esses países já vinham experimentando temperaturas mais baixas do que o normalmente registrado no período, mas a ocorrência do ciclone bomba intensificou ainda mais esse cenário, acentuando as chuvas, a neve, e ventos comparados a furacões, que atingiram fortemente as regiões costeiras.
O fenômeno parece ocorrer com mais força e frequência a cada ano que passa. E essa tese foi confirmada estatisticamente por pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Ciências Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde foi constatada a tendência de aumento no número de ciclones bomba no Hemisfério Sul e a influência de sistemas frontais em desastres naturais no sul do Brasil. A tese publicada pelo pesquisador Jean Souza dos Reis mostra que há um aumento de um ciclone bomba a cada quatro anos desde 1999.
Mas no Brasil corremos o risco de passar por situação semelhante? Jean explica que dificilmente veríamos uma queda brusca de temperatura como ocorreu em dezembro nos Estados Unidos, apesar de o Brasil já ter sido severamente afetado pelo fenômeno. Entre os dias 30 de junho e 1° de julho de 2020, por exemplo, o sul do Brasil foi atingido por um ciclone bomba que deixou mais mortos que o furacão Catarina, que em 2004 causou destruição no Sul de Santa Catarina e no litoral norte do Rio Grande do Sul.
Outro ponto importante foi a análise comparativa da precipitação da chuva, indicando que choveu mais nos dois dias anteriores aos desastres. Os valores médios de precipitação identificados, juntamente com o comportamento atmosférico observado, permitem identificar uma potencial ocorrência nas cidades do Sul do Brasil na passagem de um sistema frontal.
Por definição, um ciclone bomba é um fenômeno extratropical no qual ocorre um rápido e intenso decaimento da pressão no sistema, algo como 24 milibares em 24 horas. Isso significa que as temperaturas caem drasticamente, ao mesmo tempo em que ocorrem nevascas, tempestades e ventos fortes. O nome bomba é por conta da grande queda de pressão provocada pelo encontro de duas massas — uma de ar quente e outra de ar frio — que dá a força necessária para a ocorrência do fenômeno, pois este depende basicamente do contraste entre elas. No caso do Canadá e dos EUA, o fenômeno encontra condições ideais, por conta do ar frio que vem dos polos do planeta e se encontra com o ar quente da Corrente do Golfo.
“Esse sistema ganhou popularidade nos últimos anos por impor sérias ameaças à segurança do transporte marítimo, da pesca, de operações marítimas e de outras atividades nas regiões costeiras e os recentes impactos sobre a população. Portanto, o propósito da pesquisa foi analisar as características físicas, dinâmicas e fases dos ciclones no Hemisfério Sul, através de uma robusta climatologia de 1979 a 2020”, afirma o pesquisador. Na análise foram identificadas evidências de que mais de 35% de ciclones bomba que se formam no hemisfério sul afetam regiões do litoral catarinense e a região centro-leste do Rio Grande do Sul.
A tese de Jean apresenta as principais diferenças notadas nas ocorrências brasileiras, como um padrão de aumento e acúmulo de energia potencial convectiva a oeste do Sul do país antes do desastre, especialmente na primavera; um aumento considerável da umidade específica em níveis baixos associados ao escoamento a leste dos Andes; e uma circulação anticiclônica em níveis elevados semelhantes à alta boliviana.
O pesquisador diz ter expectativa de que seus apontamentos possam ajudar na prevenção futura de danos. “Espero que os resultados alcançados possam servir de base para melhoria de serviços como simulações numéricas e ser usados como prognósticos para auxiliar na gestão de riscos, com um conjunto de ações preventivas e mitigadoras a fim de minimizar o impacto do desastre”, afirma.
Rastreamento
Na pesquisa do Programa de Ciências Climáticas foram utilizados dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) de 2016 a 2020, dados de precipitação acumulada diária e cartas sinóticas de superfície do Centro de Previsão do Tempo de Estudos Climáticos/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE).
Para a detecção dos ciclones bomba, Jean — que atualmente trabalha como pesquisador no Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) — utilizou um esquema de rastreamento em campos de nível de pressão ao nível médio do mar a cada seis horas.
Para avaliar a estrutura tridimensional dos ciclones foi utilizado o Diagrama de Fase do Ciclone. Os testes estatísticos teste-t de Student, Shapiro-Wilk, Mann Kendall, Pettit e estimativa de Sen foram utilizados para determinar a existência, a magnitude e o ponto de quebra da tendência na série temporal. O número total de Ciclones Bomba foi 587, com maior ocorrência (44,2%) no inverno e a menor (6,1%) no verão.
Fonte: Agecom/UFRN