Um olhar feminino na ciência

Em 1927, Marie Curie foi a única mulher que participou de um evento que reuniu os maiores cientistas do mundo, em Bruxelas. Durante a quinta Conferência de Solvay, ela não se fez de rogada e ocupou a primeira fila em uma foto que contava com 17 entre os 29 participantes do evento que possuíam ou iriam receber pelo menos um Prêmio Nobel. Física e química polonesa naturalizada francesa, ela conduziu pesquisas pioneiras na área de radioatividade.

Assim como Marie Curie, a mulher vem ocupando a primeira fila em diversas áreas da ciências em todo o mundo. Reconhecendo essa maior participação feminina na área científica, em 2016, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado neste sábado, 11 de fevereiro.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por exemplo, na sexta edição do Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica da UFRN, nove alunas da UFRN foram premiadas nas categorias Trabalho Destaque de Iniciação Científica e Tecnológica e na de Vídeo Destaque de Iniciação Científica e Tecnológica. Isso sem falar em outras cientistas de destaque da Universidade.

Doroth Miranda considera que a ciência é essencial em qualquer área de conhecimento. Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Uma dessas jovens cientistas ganhadoras do Prêmio Destaque 2022 é Doroth Miranda Almeida Silva, aluna do curso de Ecologia, que conquistou o 1º Lugar na área de Ciências da Vida. Seu estudo premiado é sobre o aumento da temperatura e a diminuição da precipitação, quando associado com ações antrópicas como a mineração e a irrigação, vem promovendo uma rápida salinização de ambientes aquáticos continentais. Na pesquisa, Doroth, juntamente com seu professor orientador Kemal Ali Ger, e ainda Ingrid Domingos, realizaram alguns experimentos no Laboratório de Microbiologia Aquática (LAMAq), a fim de compreender os efeitos dessa mudança em cepas brasileiras de Microcystis aeruginosa.

Para ela, a ciência é essencial em qualquer área de conhecimento. Uma vez que ela está presente desde as coisas mais básicas que parecem não ter relação com a ciência como, por exemplo, a interação dos seres vivos com o ambiente, até as mais complexas como exploração espacial. “Além disso, acho que a importância da ciência ficou ainda mais clara para toda a população devido a pandemia da covid-19 e seus desdobramentos”, considera.

A aluna coloca que antigamente a ciência era apenas coisa de homens, as mulheres não tinham espaço algum nesse universo. Porém, ao longo dos anos esse quadro foi sendo modificado e as mulheres têm ganhado cada vez mais espaço. “Para mim, a ciência em si não distingue cor, sexo, gênero, religião, etc. Logo, todas as pessoas são capazes e devem ter as mesmas oportunidades nesse ambiente”, afirma.

Ela revela que sempre foi uma pessoa muito curiosa, por isso, desde criança queria entender detalhadamente o porquê das coisas. “Quando entrei na universidade foi que a ciência realmente passou a fazer parte da minha vida. Ainda no final do 1º semestre eu comecei minha iniciação científica e desde então venho me esforçando para contribuir o máximo possível para agregar novos conhecimentos”, pontua.

Natália Pereira declara que “se dedicar à produção científica é ter em mãos a possibilidade de escrever um verso na história da humanidade”. Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Outra aluna da UFRN que se destaca na área científica e conquistou premiação na edição passada do Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica da UFRN foi Natália Pereira, aluna do curso de Física. Com um trabalho na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias, a aluna considera que “a ciência é a engrenagem da razão que trabalha a fim de compreender nossa realidade e melhorá-la. Se dedicar à produção científica é ter em mãos a possibilidade de escrever um verso na história da humanidade, algo para aprimorar nossa maneira de viver no mundo e inspirar as próxima gerações a seguirem no caminho das contribuições”, ressalta.

A ciência entrou na vida de Natália muito cedo, pois desde a infância ela ficava observando as estrelas com seu pai, na calçada da casa onde residia, quando ele contava histórias sobre as constelações. “Já minha mãe me contava histórias sobre eclipses. Talvez tenham sido esses os momentos em que a Astronomia entrou na minha vida”, acrescenta.

Com o passar dos anos, essa área da Física fascinou cada vez mais Natália, e fez com que encontrasse uma forma de tentar entender como o Universo contava seus segredos. Desse modo, seguiu na área do bacharelado em Física na UFRN, com a Astronomia sendo sua área de estudo e fascinação, integrando o Núcleo de Astronomia Observacional e Instrumental (NAOS).

A premiação veio por meio de estudo sobre o desenvolvimento de uma ferramenta para estabelecer, de forma automática, as abundâncias químicas e parâmetros físicos das estrelas como temperatura efetiva, gravidade superficial, metalicidade e velocidade de microturbulência, “uma vez que a determinação precisa de tais parâmetros apresenta uma série de desafios a serem superados na Astrofísica estelar”.

Admiradora de Marie Curie, a estudante da UFRN considera que o lugar da mulher na primeira fila na área científica, “tendo em vista que os mais variados campos da ciências historicamente possuem uma forte e majoritária presença masculina, é gratificante e emocionante ver que anos de luta feminina para protagonizar esse cenário estão dando resultados e cada vez mais as contribuições e história de grandes mulheres são lembradas, promovendo curiosidade em relação a suas ideias e inspiração quanto a suas carreiras”. E isso faz, de acordo com ela, que seja pavimentada uma estrada cujo alicerce é a igualdade de gênero e o desejo de contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico.

A estudante Kelly Evangelista, do curso de Fisioterapia, afirma que se sente livre e completa para atuar no meio científico com excelência. Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

A ciência é base para a compreensão das várias áreas do conhecimento humano, dentro das ciências da saúde, é o que move a evolução, inovação e, sobretudo, o que traz comprovações e confiança para nossa realidade. É assim que avalia Kelly Evangelista, aluna do curso de Fisioterapia da UFRN, que conquistou a premiação de Vídeo Destaque 2022, na subcategoria Inovação.

Kelly diz que a prática científica entrou em sua vida por meio de um desejo de buscar evidências e inovações dentro da sua área de estudo, que é a Fisioterapia. “O enfoque da minha pesquisa é analisar o impacto do software Autonomus enquanto um recurso de comunicação alternativa para pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), sendo realizado testes de usabilidade e viabilidade do sistema”, explica. A estudante ressalta que, assim como na vida, o lugar da mulher na ciência é onde ela se sente livre e completa para realizá-la com excelência.

Transformação é a palavra que remete à ciência para a primeira colocada na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias da categoria Vídeo, do Prêmio Destaque do ano passado, Ana Júlia Lopes, aluna do curso de Técnico em Aquicultura da Escola Agrícola de Jundiaí (EAJ). “A ciência me mostrou que é possível realizar um dos meus maiores sonhos: o de ajudar as pessoas através das bases do conhecimento”, afirma. Além disso, ela reconhece que a ciência também move a inovação e a criatividade, pois permite imaginar o impossível e torná-lo realidade.

“Com a ciência na minha vida, eu consegui desenvolver pensamento crítico, entender sobre metodologia científica e ajudar pessoas com a minha pesquisa. A partir da ciência, eu estou entendendo cada vez mais sobre o meu lugar no mundo e foi através dela que eu consegui compreender que sim, é possível”, complementa.

Ana Júlia Lopes, do curso de Aquicultura, pontua que é imprescindível a representatividade de mulheres cientistas como modelos, porque elas mostram que é possível superar obstáculos e ter sucesso na ciência. Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

A pesquisa premiada da aluna da EAJ tem como título Dados de cultivo de animais aquáticos para o desenvolvimento de estratégias instrucionais baseada em dados. O estudo buscou desenvolver materiais instrucionais (softwares, livros e etc) que tratem sobre a aplicação das ciências de dados para a aquicultura (a produção econômica de organismos aquáticos) e tem como público-alvo estudantes do curso técnico em aquicultura, professores e produtores rurais.

Ana Júlia acredita que o papel da mulher na ciência também significa representatividade, porque é através da participação feminina que é possível inspirar jovens meninas que estão começando sua jornada nesta área. “Dessa maneira, é  imprescindível a representatividade de mulheres cientistas como modelos, porque elas mostram que é possível superar obstáculos e ter sucesso na ciência”, finaliza.

Áurea Estella, do curso de Ciências Biológicas, salienta que há um ‘quê’ de ciência em todas as áreas da vida. Foto: Alice Karine.

A aluna do curso de Ciências Biológicas da UFRN, na modalidade licenciatura, Áurea Estella Araújo, foi também premiada no Prêmio Destaque 2022, na categoria Vídeo Destaque, ocupando a primeira colocação na área de Ciências da Vida. Para ela, “seja como chave motriz de uma maior compreensão do funcionamento do universo ou até mesmo uma movimentação por uma vida para sociedade de forma mais harmônica, tudo há um ‘quê’ de ciência”. Áurea pontua que mesmo diante de um cenário mais difícil, as mulheres conquistam seu espaço não mais como assistentes de pesquisadores, mas sendo as protagonistas de suas pesquisas e discussões. E essa conquista, afirma, alavanca e inspira outras meninas e mulheres em seus crescimentos e jornadas científicas.

A pesquisa premiada no eCICT (2022) de Áurea tem como título O comportamento vocal dos saguis ajudantes em contexto alimentar. De forma resumida, o trabalho, desenvolvido com Débora Louise e Arrilton Araújo, coorientadora e orientador, tem como escopo a compreensão do surgimento da linguagem vocal. Com enfoque no comportamento de primatas (não humanos), mais precisamente o sagui de tufo branco.

“Como ser humano, posso notar a ciência nas pequenas coisas do dia a dia, mas como estudante de graduação e bolsista de iniciação científica tenho que enfatizar o quanto ela é imprescindível para o meu desenvolvimento profissional, pessoal e acadêmico”, é o que partilha a estudante Ana Clara de Medeiros Dantas, do curso de Pedagogia do Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres), em Caicó, sobre a ciência.

Para Ana Clara Dantas, do curso de Pedagogia, a ciência é imprescindível para o seu desenvolvimento profissional, pessoal e acadêmico. Foto: Daniele Brandão.

A aluna foi premiada com o 2º Lugar na área de Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes do eCICT (2022), com um estudo  cujo enfoque principal são os transtornos e as dificuldades de aprendizagem e a formação continuada de professores. Segundo ela, em uma pesquisa desenvolvida anteriormente, entre os anos de 2020 e 2021, ficou evidente que na cidade de Caicó havia uma demanda formativa a respeito dessa temática por parte dos professores que atuam na rede municipal de ensino da cidade.

O trabalho premiado, sob orientação da professora Kátia Regina, buscava identificar as consequências e os resultados obtidos com os projetos desenvolvidos anteriormente na cidade, assim como refletir sobre as possíveis ações a serem executadas futuramente.

Dados

A pró-reitora adjunta de Pesquisa, Elaine Gavioli, destaca que os dados institucionais apontam que a participação feminina na pesquisa, especialmente na iniciação científica, é superior à masculina. “No Congresso de Iniciação Científica de 2022, da UFRN,  o número de estudantes mulheres premiadas foi superior ao de homens”, destaca ela, ressaltando ainda o envolvimento das participantes e a qualidade das pesquisas.

Segundo informações da Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq), um dos objetivos centrais da universidade contemporânea é iniciar o aluno de graduação no exercício da pesquisa. Nesse contexto, uma importante aproximação deste estudante em relação a este contexto de formação processa-se a partir de sua inserção em projetos de pesquisa.

Dos 1.722 alunos da iniciação científica (bolsistas e voluntárias), 1.047 são mulheres e 675 são homens,  dando um percentual de 60,8% dos participantes do sexo feminino e 39,2% do sexo masculino. De acordo com Elaine Gavioli, os dados consideram os alunos de iniciação científica ativos na cota 2022-2023, com previsão de encerramento em agosto de 2024.

A iniciação científica deve ser compreendida em duas etapas: a primeira refere-se a formulação e realização da pesquisa propriamente dita, em acordo com os métodos e técnicas de investigação, próprias a cada área; a segunda concerne à exposição pública dos resultados obtidos, em forma oral ou escrita.

Fonte: Agecom/UFRN

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