Em 1804 o mundo contabilizava seu primeiro bilhão de habitantes. O marco, que acontece quatro anos antes de Dom João VI aportar no Brasil, fugindo de Napoleão Bonaparte, é simbolizado pela chegada da vacina da varíola, a primeira aplicada no Brasil. 218 anos depois, celebramos, ainda, outra vacina, a da covid-19, mas o mundo é bem maior agora, pelo menos em número populacional. Alcançamos na última terça-feira, 15, a marca de oito bilhões de habitantes, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), e seguimos crescendo. A estimativa é que passemos dos 10 bilhões de moradores neste planeta em 50 anos, o que coloca em perspectiva muitas preocupações, algumas delas vivenciadas já agora.
Chama atenção na história demográfica o fato de que demorou 121 anos para o mundo alcançar dois bilhões de habitantes, fato esse registrado em 1925, sete anos após o fim da primeira grande guerra. No entanto, só foram necessários outros 35 anos para a população crescer para 3 bilhões e depois disso a roda acelerou. Desde 1960, o planeta vem ganhando um bilhão de habitantes a cada 12 anos, em média. O Brasil, que em 1925 tinha entre 30 e 40 milhões de pessoas, passou para 71 milhões em 1960 e quase triplicou esse número em seis décadas. Atualmente, contabilizamos 215,8 milhões de brasileiros.
Segundo o demógrafo Ricardo Ojima, chefe do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA/UFRN), a velocidade com que a população cresceu mudou muito ao longo dos últimos 100 anos. O principal fator que contribuiu com o ritmo acelerado do crescimento populacional no século 20, de acordo com o pesquisador, foi a redução das taxas de mortalidade, sobretudo a partir do final da Segunda Guerra Mundial. “A diminuição da mortalidade foi muito rápida por conta de avanços tecnológicos, descobertas médicas e avanços na urbanização e no saneamento básico”, completa.
Ocorre, continua Ojima, que a natalidade permaneceu alta por algum tempo, causando essa aceleração do ritmo de crescimento populacional. “A queda no número médio de filhos por mulher (taxa de fecundidade) foi mais lenta que a queda da mortalidade e, por isso, é mais lento o processo de retorno a um equilíbrio entre as taxas. De toda forma, já é generalizada a queda da fecundidade hoje e diversos países do mundo já apresentam nascimentos que não conseguem compensar a mortalidade”.
Ojima explica também que essa redução nos nascimentos leva a uma diminuição da proporção de crianças, fazendo crescer, portanto, o peso relativo que os grupos de adultos e idosos têm na população como um todo. Ou seja, quanto mais acelerada for a queda da fecundidade, mais rápido será o processo de envelhecimento populacional.
Crescimento populacional e consumo
A estimativa da ONU é de que o crescimento populacional continue acontecendo, mas em um ritmo bem mais lento, havendo uma estabilidade por volta do ano de 2080 quando o planeta alcançar o número de 10,5 bilhões de pessoas. De acordo com Ricardo Ojima, a maior parte desse crescimento futuro da população deve ocorrer na Ásia e na África. “Nas outras regiões do mundo, esse crescimento já é negativo ou está em fase de estabilização. É o caso do Brasil, que deve atingir 230 milhões de habitantes em meados de 2040 e depois disso passará a decrescer. A projeção da ONU estima que a população brasileira em meados de 2070 será menor do que a atual (em 2022) e deverá chegar ao final do século com uma população próxima àquela que tínhamos em 2000”, explica.
O pesquisador relata que muitas pessoas tendem a associar o crescimento da população ao esgotamento de recursos naturais ou da capacidade de produção de alimentos. Essa leitura foi feita, inicialmente, pelo economista e matemático britânico Thomas Malthus no final do século 18 e ainda se mantém viva no imaginário social. “Mas a verdade é que desde que Malthus fez a famosa proposição de que a população cresce em uma progressão geométrica enquanto a produção de alimentos cresce em progressão aritmética, os avanços tecnológicos e científicos contribuíram muito para a superação do que seria o limite da capacidade de pessoas no planeta”, complementa Ojima.
De acordo com o professor, se há fome no planeta, isso tem muito mais a ver com a distribuição desigual da riqueza do que com a falta de alimentos. “Claro que a quantidade de pessoas pode exercer pressão maior ou menor sobre a demanda de recursos, mas a verdade é que há muitos outros fatores que contribuem para essa equação do que o mero estoque de pessoas. E é perigoso reduzir o debate para quantas pessoas o mundo conseguiria suportar, pois essa abordagem esconde esses outros fatores que podem ser mais importantes. Como, por exemplo, o padrão de consumo”, completa.
Podcast
O 16º episódio do podcast GeoProsa, do grupo Programa de Educação Tutorial (PET) de Geografia da UFRN (PET Geografia) discute o tema Superpopulação Mundial: os perigos de uma superpopulação. O episódio, apresentado por Amanda Teotônio e Iago Souza, teve como convidado o professor Járvis Campos, do Departamento de Demografia da UFRN, que discutiu sobre teorias demográficas e suas características, taxas de fecundidade, natalidade, mortalidade e como esses elementos estão associados às mudanças e aceleração do crescimento da população, assim como sua influência no mundo moderno.
E o RN?
Com 3,4 milhões de habitantes, o Rio Grande do Norte tem uma população considerada pequena, sendo o 17º estado brasileiro em população e isso não deve mudar muito. Pelo menos é a estimativa de Ricardo Ojima. Segundo o pesquisador, o RN segue a mesma tendência do Brasil e do mundo. “No RN a queda da fecundidade foi mais rápida do que no Brasil como um todo, passou de cerca de seis para dois filhos por mulher em cerca de 30 anos. Assim, a velocidade com que o processo de envelhecimento populacional ocorrerá também é maior e isso torna a capacidade de ajustar as políticas públicas, e até a estrutura urbana para acomodar uma população que envelhece rápido, mais complexa”, analisa.
Para Ojima, os números são vantajosos, uma vez que, com menos crianças a cada geração, seria possível fazer investimentos em educação de maior qualidade. “Em termos per capita, o mesmo investimento de recursos financeiros em educação tenderia a atender um número menor de crianças, garantindo, assim, um potencial de investimento melhorado. O desafio é entender esses cenários demográficos com relativa antecedência e se preparar para que os mesmos não sejam motivo de surpresa, pois o comportamento da dinâmica populacional não muda de modo repentino e, por isso, os estudiosos da demografia conseguem antecipar e estimar alguns desafios com relativa segurança”, completa.
O mundo está envelhecendo
Apesar do inchaço populacional e das previsões de crescimento ainda para os próximos 50 anos, o mundo vive o que a demografia chama de transição demográfica. Na situação atual, essa teoria aponta que, devido ao registro de queda acentuada nas taxas de fecundidade, natalidade e mortalidade, a população está envelhecendo. Do ponto de vista econômico, toda transição oferece oportunidades e preocupações, sobretudo no que diz respeito ao campo de trabalho.
Um ponto positivo desse fenômeno é o chamado bônus demográfico que, como explica Ricardo Ojima, representa um período único na população em que a razão de dependência é menor, pois há muitas pessoas em idade de trabalho e poucas em idade não produtiva. Entretanto, esse bônus é temporário, porque a natalidade continua caindo gradativamente e, a cada ano que passa, há um menor número de nascimentos na população. “Assim, em cada geração, há menos gente do que nas gerações anteriores e isso fará com que, dentro de alguns anos, tenhamos uma proporção de pessoas com mais de 65 anos maior do que a proporção de crianças. Isso acabará pressionando maior demanda para serviços de saúde e previdência social, entre outros”, explica Ojima.
O professor Járvis Campos, atual coordenador do Comitê de Projeções e Estimativas Demográficas, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), esclarece que a maioria dos países (especialmente os desenvolvidos, seguido pelos países em desenvolvimento) já se encontra em fase avançada de transição demográfica. Em outras palavras, muitos desses estados apresentam baixos níveis de mortalidade e de fecundidade. “No caso da fecundidade, quando essa alcança patamares muito baixos – especialmente abaixo do nível de reposição de 2,1 filhos por mulher ao final do período reprodutivo (Taxa de Fecundidade Total – TFT), somado à ausência de grandes fluxos de migração internacional – a população dos países tende a envelhecer”, explica.
Segundo o pesquisador, além de uma TFT abaixo dos 1,7 filhos por mulher, o Brasil tem uma migração internacional baixa. “Este cenário significa que as novas gerações de crianças não irão repor a população do país, especialmente se considerarmos que a população em idade de trabalhar, a PIA (População em Idade Ativa), nasceu em períodos de elevada fecundidade. Isso significa que estes países – grande parte dos países em desenvolvimento e praticamente todos os países desenvolvidos – têm enfrentado um processo de envelhecimento, decorrente da baixa fecundidade”, reitera.
O geógrafo expõe que entre 2022 e 2050 a proporção de população idosa irá dobrar na América Latina devido aos baixos níveis de fecundidade, o que contrapõe a ideia de superpopulação. Mas isso terá consequências econômicas relevantes. “O envelhecimento da população irá gerar uma sobrecarga previdenciária, na medida em que serão muitos idosos e poucas pessoas em idade ativa (já reflexo dos baixos níveis de fecundidade). O Brasil encontra-se neste cenário demográfico dramático, com o envelhecimento populacional, fruto dos baixos e consistentes níveis de TFT. A proporção de idosos será bem maior nos próximos anos, em face a menos pessoas em idade ativa, para contribuir com o crescimento do PIB nos próximos anos. Isso resultará no aumento do custo previdenciário de repartição simples e nos gastos com saúde”, acrescenta, corroborando com a fala de Ricardo Ojima.
O desafio atual dos países, de acordo com Járvis Campos, especialmente aqueles que se encontram na mesma situação do Brasil, em estágios mais avançados da transição demográfica, é a necessidade de investir em políticas que promovam o Estado de Bem-Estar Social (do inglês, Welfare State), com bastante foco na proteção dos direitos das mulheres. Outra alternativa, em uma situação de não recuperação da fecundidade, seria uma nova etapa de imigração, com o país oferecendo oportunidades para jovens em idade ativa.
O futuro do envelhecimento
O que é ser velho hoje e o que será no futuro? Segundo o cientista social Alexsandro Galeno Araújo Dantas, do Instituto Humanitas de Estudos Integrados da UFRN, a primeira constatação que devemos fazer é de que parte do estatuto e a condição da velhice mudaram nas sociedades atuais. Nas sociedades tradicionais, valor e lugar dos idosos ou velhos são representações simbólicas de autoridades pela experiência e sabedoria reconhecidas aos mesmos. Na atualidade, o espírito da civilização ocidental tem sido tomado pela ideologia do progresso técnico e econômico e desvaloriza as experiências tradicionais do passado.
Galeno diz enxergar dois desafios planetários em relação ao lugar do velho nesta sociedade super populosa. O primeiro diz respeito às condições de acolhimento e à qualidade de vida desse grupo. “É preciso que não só velhos, mas também jovens, exercitem a postura do bem viver no dia a dia. Isto é, devem habitar a terra poeticamente na qual a vida seja mais qualificada e bela em seus dias e não o mero viver prosaico dos dias. É fundamental que uma política voltada para o envelhecimento favoreça e estimule tudo aquilo que possa melhorar a qualidade física e psíquica dos idosos. Para isso, os estados devem criar casas de solidariedade”.
O outro ponto apontado pelo pesquisador é que não basta a multiplicação de cuidados geriátricos ou de serviços hospitalares. As famílias – não só consanguíneas – devem cuidar dos seus seus velhos e velhas como forma de uma nova política de civilização. “Só assim, a megalopsiquia e um novo familialismo universal se concretizariam. Gostaria de concluir com as palavras de Edgar Morin sobre a questão do envelhecimento, ‘lembremos que as Casas de Solidariedade e o serviço cívico de solidariedade requerido por uma política de civilização permitiriam uma troca intergeracional tanto vivificadora tanto para uns como para outros, e seriam de utilidade capital para atenuar os desastres e naufrágios do envelhecimento.’”, finaliza Alex Galeno.
Planejamento
O envelhecimento populacional também preocupa a médica Selma Jerônimo, diretora do Instituto de Medicina Tropical da UFRN (IMT), sobretudo porque exige dos governos mais planejamento. Na visão da professora, a medicina ainda não avançou o suficiente para dar conta dos problemas de saúde de uma superpopulação, tanto do ponto de vista tecnológico quanto da quantidade de pessoas envolvidas nesses processos. Isso porque uma população envelhecida carece de profissionais de áreas diversas, mas também de ordenamento urbano que assegure, ao menos, calçadas niveladas para se caminhar.
Para a professora Magda Maria Pinheiro de Melo, do Departamento de Engenharia Civil da UFRN e especialista em tráfego, não é possível desenvolver uma estrutura viária que acompanhe esse crescimento populacional. Essa matemática é vista em grandes centros urbanos do mundo com engarrafamentos a perder de vista, o que causa mais estresse e diminui a qualidade de vida. Quanto mais populoso o lugar, mais trânsito e aborrecimento. “Se houvesse um transporte público de qualidade, até pessoas que hoje vão trabalhar em transporte individual poderiam usá-lo. Mas como esse serviço é deficitário, as pessoas estão fazendo o contrário”, comenta.
Desafios tecnológicos
O diretor do Metrópole Parque, parque tecnológico do Instituto Metrópole Digital (IMD), Rodrigo Romão, acredita que só foi possível alcançar o status de superpopulação – e nas condições atuais – em razão do progresso tecnológico. “Se pensarmos em grandes temas como saúde, educação, comunicação, mercado de trabalho, processo produtivo e relações sociais, fica muito nítido o quanto a tecnologia os impactou nos últimos anos, especialmente no contexto da covid-19. O futuro não será diferente, exceto a velocidade da mudança que, certamente, será muito mais rápida”, pondera.
Romão vê a tecnologia como a chave para suportar essa superpopulação que ainda divide o mesmo espaço (o planeta), num regime de constante escassez de recursos. “Ter oito bilhões de pessoas convivendo de forma simultânea implica, inevitavelmente, em novos desafios logísticos para habitação, mobilidade urbana, alimentação, saúde, educação, etc. Nesse sentido, a tecnologia precisa ser encarada como uma ferramenta para alavancar soluções para os desafios que já existem e para os que ainda estão por vir”, acrescenta.
Uma consequência para os que não compreenderem o movimento tecnológico é o risco de ficarem obsoletos. “Não se atualizar implica em enfrentar problemas do presente e do futuro com ferramentas do passado. Em outras palavras, é muito pouco provável que o desenvolvimento tecnológico retroceda, portanto, a nossa abertura para novidades precisa ser proporcional ao ritmo de mudança do mundo”, completa.
Pensando por outro ângulo, o cientista social Alex Galeno explica que pensar as relações humanas nesse mundo de seguidas transições e mediado pelas tecnologias é o paradoxo civilizatório mais profundo, sobretudo, se considerarmos os avanços no ramo da Inteligência Artificial. “Nos relembra o historiador, Yuval Harari, que o desafio do século 21 será a convivência com a revolução tecnológica e com a classe dos sem utilidades gerada por ela mesma. Os avanços da tecnologia podem excluir bilhões de humanos do mercado de trabalho e, assim, configurar essa nova classe”, sugere.
Alex Galeno acredita que as sociedades não estarão preparadas para essa ideologia contraditória de desemprego em massa e desalento da população. “Assistiremos convulsões sociais e políticas surgidas pelo paradoxo. Mais ainda, no campo do emprego, presenciamos uma revolução de ganhos e perdas civilizatórias. Podemos citar como exemplo, os ganhos citadinos dos transportes autodirigidos do ponto de vista da qualidade do trânsito e da prevenção de acidentes com mortes no próprio trânsito”.
Segundo Alex, Harari destaca que 1,2 milhão morrem anualmente por acidentes de trânsito, o que significa o dobro das mortes causados por guerra e crime de terrorismo juntos. O autor informa também que mais de 90% desses acidentes são causados por erros humanos. “Noutros termos, pode ser alguém que bebeu e dirigiu, alguém que estava digitando o seu celular ou passando uma mensagem enquanto dirigia; ou alguém que adormeceu ao volante. O interessante é que o carro autodirigido jamais cometerá esse tipo de infração, não é? Os computadores reduziriam em 90% as mortes e ferimentos nas estradas. Resultando, por fim, na prevenção da morte de um milhão de pessoas anualmente. Aí temos um exemplo paradoxal de ganho e perda civilizatória simultaneamente, pois não daria para bloquear o processo de automação em campos como o transporte para proteger empregos humanos, já que eticamente devemos sempre proteger as vidas humanas”, complementa Alex Galeno.
Desafios sociológicos
Um dos primeiros desafios da superpopulação, considerando o pensamento sociológico, é como manter a terra habitável. Uma das condições para isso, segundo o cientista social Alex Galeno, diz respeito às questões éticas. “Para tal, devemos recuperar a ideia de um universalismo familiarista. isso é, a vocação que existe no humano de olhar para todos os estrangeiros e tratá-los como habitante da mesma Terra pátria”, pondera.
Alex Galeno, que é um dos tradutores do texto Tornar a terra habitável, de Edgar Morin e Peter Sloterdijk, enxerga a necessidade de outra extensão extraordinária da alma humana, denominada por Aristóteles de megalopsiquia. “O indivíduo capaz de praticar tal ética é aquele que estará sempre pronto para aceitar o outro como membro de uma família universal. Noutros termos, uma ética da magnanimidade, que pratica o imperativo categórico de Kant de um familialismo universal. Enfim, tal imperativo categórico pressupõe o dever de toda pessoa agir de acordo e com princípios benéficos para toda a humanidade e, assim, seremos nós humanos legisladores de universalidades”, acrescenta.
Outro aspecto pertinente para tornar a terra habitável diz respeito à questão da concentração de renda no mundo. Galeno chama atenção para um planeta desigual e herdeiro da sociedade dos proprietários, como foi retratado por Balzac em A Comédia Humana, no século 19. “No Brasil, por exemplo, temos 10% daqueles que concentram 56% na renda nacional. Destaca-se, ainda, o Oriente Médio, onde 10% concentram 65 % da renda, como a região mais desigual do mundo, conjuntamente com a África. Como praticar o princípio da universalidade mantendo a desigualdade econômica e social entre os povos?”, questiona.
De acordo com sua leitura, para um indivíduo se tornar megalopsíquico e praticar o princípio ético universal kantiano, tem que se tornar cooperativo e solidário. “Devemos urgentemente criar um novo paradigma social, que substitua aquele da sociedade dos proprietários, pois não é admissível em pleno século 21 a concentração de renda que o planeta assiste”, reforça.
Urbanos
Questionado se estamos preparados para nos tornar, definitivamente, sujeitos urbanos, Alex Galeno acena que sim e que não. Atualmente, 54% das pessoas vivem nas cidades e a projeção para 2050 é que esse número passe a 66%. “Assim, é um desafio grandioso pensar possibilidades citadinas que compatibilizem bens, serviços, infraestrutura urbana (transporte, sobretudo), sustentabilidade ecológica, habitabilidade, educação, segurança pública etc. Teremos, portanto, cidades cada vez mais desiguais com vidas desiguais e conflituosas do ponto de vista do acesso aos seus bens e serviços” relata o pesquisador.
“Por exemplo, como compatibilizar superpopulação com meios de transportes sustentáveis? Teremos, cada vez mais, ciclovias, Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), metrôs nas médias e grandes cidades? Como compatibilizar o transporte coletivo de massas e o gozo egóico da população em possuir automóvel individual? As cidades não estão preparadas totalmente para essa nova realidade. Faz-se necessária uma nova via, conforme Edgar Morin, quando defende a combinação complementar e antagônica entre a mundialização e desmundialização”, continua Galeno.
Tal tensão, na opinião do pesquisador, foi vivenciada durante a pandemia quando o fenômeno da globalização, ou da mundialização, foi capaz de criar interdependência entre as nações, mas sem solidariedade. Ele se refere ao momento em que os estados precisaram fechar suas fronteiras, comprometendo o princípio cooperativo entre nações. “A população planetária viveu uma sucessiva competição de países, sobretudo, no tocante às pesquisas sobre o tratamento da covid-19, como, também, a criação e distribuição das vacinas e combate ao vírus. Concordando com Morin, caberia combinar mundialização e desmundialização parcial, já que a modernização da globalização provocou a perda de autonomia econômica de alguns estados e sabemos quais foram as consequências dramáticas com a escassez mundial de medicamentos, testes e ausência de máscaras”, diz Alex.
Para termos uma cidade habitável, o cientista diz ser necessária a utopia do bem viver. Além disso, é preciso uma revitalização das zonas rurais que permita inverter fluxos migratórios a partir das condições de revitalização de comunidades ou vilarejos. Ou ainda, substituir a ideia das grandes explorações agrícolas industrializadas por ações produtivas dos médios e pequenos agricultores rurais. “No caso do Brasil, seria fundamental porque inverteria a lógica da ideologia do empreendedorismo do agronegócio predatório. Não podemos aceitar que os maiores produtores do agronegócio não paguem ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aos estados da federação, quando exportam soja in natura. Tal isenção, na realidade, é subsidiada pelo governo federal que repassa aos estados”, argumenta Alex Galeno.
Fonte: Agecom/UFRN