Em decorrência da pandemia da covid-19, muitas áreas tiveram seu funcionamento prejudicado. Os problemas na educação foram alguns dos mais notáveis, com a necessidade da interrupção de aulas presenciais e da truculenta adaptação aos meios digitais no ensino. Notando a necessidade de facilitar esses processos educacionais, o Laboratório de Linguagem Escrita, Interdisciplinaridade e Aprendizagem (LEIA) do Departamento de Fonoaudiologia da UFRN, transformou-se em um guia facilitador para pais de crianças e adolescentes com dificuldades de aprender, principalmente dentro do ensino básico.
O LEIA foi criado em 2015, com atendimento fonoaudiológico para crianças com dislexia e, aos poucos, foi expandindo o perfil das crianças contempladas pelo atendimento. Com a pandemia, ainda em 2020, a equipe passou a trabalhar em conjunto para remodelar as ações para o formato a distância.
Isso se deu com a elaboração de materiais voltados para os pais com orientações focadas no auxílio do processo de alfabetização e na melhoria da desigualdade dentro da sala de aula virtual. Além disso, o LEIA repassou aos responsáveis cartilhas de orientação e atividades lúdicas para serem praticadas em casa.
Esse preparo para o início da telefonoaudiologia culminou no projeto de extensão em teleconsulta, principal forma de atendimento do Laboratório, proporcionando regularmente a interação entre os pais e profissionais da saúde.
Por coincidência ou não, com os esforços para a adaptação, veio o aumento de demanda no atendimento. A fonoaudióloga Cíntia Alves Salgado Azoni, coordenadora do LEIA, conta que foram observados dois cenários durante e após o auge da pandemia: crianças que não tinham transtornos do neurodesenvolvimento, mas, mesmo assim, encontraram dificuldades no aprendizado, e as que já tinham transtornos agravados ou só percebidos com a pandemia e o isolamento social.
“Houve uma expansão de público muito grande. O nosso foco é na rede pública de ensino, que passou praticamente dois anos sem ter aulas, então nessa parcela nós notamos um grande aumento nas demandas relacionadas à educação. Não necessariamente porque houve um aumento dos transtornos, mas porque chegaram mais crianças com maior necessidade de serem avaliadas, isso devido à questões ambientais da pandemia que acabaram repercutindo”, explica Cintia.
A fonoaudióloga reforça que existem muitas variáveis, como o fato de, principalmente durante o primeiro ano de pandemia, muitas crianças e adolescentes terem ficado sem atendimento. A questão da idade também é um ponto de atenção – muitas crianças na primeira infância e na fase de alfabetização tiveram uma ausência da escola, sobretudo na educação infantil, fazendo com que questões de socialização e comunicação se somassem às de escrita e leitura.
Por essas questões, o LEIA precisou, mais do que nunca, se tornar um espaço centralizado na interdisciplinaridade. Atualmente, o Laboratório mobiliza profissionais e alunos da graduação e pós-graduação em fonoaudiologia, psicologia e pedagogia, além de manter parcerias com professores de outras áreas, como a biomédica e das artes visuais.
Um dos integrantes do LEIA é Rubens Costa, de 25 anos, estudante da graduação em Fonoaudiologia. Uma de suas principais atuações é nas redes sociais e nos estágios de observação. Segundo o estudante, essa atribuição o permite conhecer sobre os assuntos de cada grupo de trabalho, expandindo os horizontes de pesquisa e informação sobre os assuntos trabalhados. Para ele, conhecer o LEIA foi “paixão à primeira vista”.
“Além disso, os estágios de observação, momento que observo os atendimentos, são cruciais para desenvolver um olhar clínico para os casos atendidos e, principalmente, para o desenvolvimento pessoal enquanto acolhimento e cuidado com o outro. O contato com o paciente e ter o privilégio de observar sua evolução em terapia é a chave para manter a paixão pela profissão e o desejo de ser sempre um profissional dedicado e transformador de vidas”, reforça o estudante.
Cuidado em família
Nos 7 anos desde sua fundação, o LEIA atendeu mais de 250 crianças e adolescentes, envolvendo dezenas de famílias no cuidado interdisciplinar e lúdico. Uma das pessoas que conheceu essa realidade foi a professora da rede pública Francinete Marcolino da Silva. Ela é mãe de Victor, que iniciou, aos 8 anos de idade, o processo de alfabetização por meio do LEIA.
Inicialmente, Victor passou por atendimento com fonoaudiólogo e neuropediatra, até chegar ao encaminhamento para o LEIA. A trajetória de aprendizagem da criança sempre foi um certo ponto de angústia para Francinete, que, como professora, sentia certa frustração por não conseguir fazê-lo passar pelo processo de alfabetização. As coisas tomaram um novo rumo em 2020, quando Victor foi diagnosticado com o Transtorno do Espectro do Autismo.
“O que eu pensava era se ele tem todas as ferramentas, por que será que não aprende? E aí, com o diagnóstico, comecei a entender melhor e entendi uma coisa muito importante: na hora que sou mãe, não sou pedagoga. Independente do que tinha aprendido na profissão, naquele momento precisei confiar plenamente na equipe, entender que essa resistência era normal e entender como respeitar e trabalhar com isso”, conta Francinete.
As orientações repassadas pelo LEIA se mostraram essenciais para Victor, que não se adaptou bem ao ambiente virtual da sala de aula. Apesar da dificuldade no início dos processos, a mãe percebeu um grande avanço em pouco tempo com as atividades lúdicas e na rotina do dia-a-dia, notando que com pouco menos de 2 meses o filho já estava começando a ler e compreender melhor as informações. Francinete observou que com o tempo, até mesmo em questões de socialização melhoraram notavelmente.
“O que faltava pra nós, da família, era entender o processo de aprender e que independente de como cada criança é, o processo é o mesmo. Foi o que eu percebi, que saber como você vai intervir é que faz a diferença”, complementa.
Repercussões
Assim como o LEIA se transformou, desde sua fundação, em um centro multidisciplinar, as expectativas para as atividades futuras são de constante expansão com parcerias e diálogo com as mais diversas instituições.
O Laboratório já estabeleceu parceria com diferentes instituições, órgãos e serviços, como a Prefeitura Municipal de Parnamirim, o Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) e o Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia (LAPEN) da UFRN, além do Instituto Santos Dumont (ISD), em Macaíba.
O trabalho desenvolvido dentro da Teleconsulta foi, inclusive, precursor da Associação de Dislexia do Rio Grande do Norte, formado a partir de pais que passaram pelo atendimento do LEIA e integram hoje uma rede de comunicação com outros estados sobre a dislexia.
Para Cintia Azoni, essas relações são como uma contribuição da UFRN para disseminar conhecimento. A constante ampliação é importante para que os métodos trabalhados no Laboratório – de atendimento lúdico, da participação ativa familiar e de estímulo do desenvolvimento da criança dentro da sua individualidade – sejam replicados por todo o país e transformem várias realidades.
Fonte: Agecom/UFRN