Análise: God of War Ragnarök (PS5/PS4) dá uma aula sobre como criar uma sequência épica

Quando God of War foi revelado para o PS4 durante a conferência da Sony na E3 de 2016, me lembro da felicidade e excitação que senti ao rever aquele “velho amigo de guerra” de quem não tinha notícias há um bom tempo. Em abril de 2018, tive o privilégio de ser mais um dos que puderam apreciar o título que naquele mesmo ano foi consagrado com o prêmio de Jogo do Ano pelo The Game Awards.

Em setembro do ano passado tive o mesmo sentimento com o primeiro trailer oficial de God of War Ragnarök e recentemente um déjà vu de sentimentos ao vivenciar uma das experiências mais espetaculares do ano no jogo que tem tudo, e mais um pouco, para receber o título de Jogo do Ano em 2022.

O gélido prelúdio do fim

Com a morte de Baldur por Kratos em uma desesperada, e desastrosa, ação para salvar a vida de Freya, o Fantasma de Esparta deu início ao Fimbulwinter, um trágico evento que culminará no temido Ragnarök, o fim do mundo na mitologia nórdica. O fenômeno causou um gélido período de inverno por três anos consecutivos em Midgard e também afetou de formas distintas cada um dos demais reinos.

Apesar de sua vida ter sido salva pelo espartano, Freya jurou vingança pela perda do único filho e durante o período se tornou mais uma das constantes ameaças ao guerreiro e seu filho Atreus, que agora vivem refugiados na área de sua antiga casa na floresta sob a proteção mágica inicialmente conjurada por Laufey, sua falecida esposa.

Na busca por respostas acerca das descobertas feitas por Kratos e Atreus no fim de sua primeira jornada, o garoto continuou buscando secretamente mais pistas sobre as profecias dos Jotnar, os gigantes de quem possui herança materna, e a ligação com o nome Loki, que lhe foi atribuído nas escrituras. Atreus, secretamente explorando ruínas, descobre que os gigantes realizaram mais profecias sobre o Ragnarök, e que de alguma forma ele poderia ser evitado.

A profecia fala de um campeão que lutará ao lado de Tyr, o deus da guerra nórdico que até então foi dado como morto, que estará liderando um exército contra os Aesir, os deuses de Asgard, e que o resultado desse combate decidirá se o Ragnarök acontecerá de fato ou não. Entretanto, preços muitos altos serão pagos para que a tal profecia, que nem mesmo Odin tem total conhecimento, realmente aconteça.

A jornada de pai e filho tem um um recomeço quando os dois buscam respostas sobre a veracidade da profecia e se ela realmente pode ser evitada, mas com o passar do tempo a confiança entre Kratos e o rapaz começa a se fragilizar, enfraquecendo o então poderoso laço que os unia desde o falecimento de Laufey. Isso torna as coisas mais complicadas do que já estão.

Ainda assim, novos, e até improváveis, aliados surgem para seguir os dois em uma desesperada saga para evitar o Ragnarök, ou viver intensamente o que ainda resta de tempo de vida antes do derradeiro fim do mundo. Em se tratando de Kratos, sabemos que nem sempre o destino está traçado, mas será que isso poderá ser aplicado quando colocamos o herdeiro do Fantasma de Esparta na equação?

Entre as raízes da árvore do mundo

Assim como em seu antecessor, God of War Ragnarök nos leva aos quatro cantos dos nove reinos durante a jornada de Kratos e Atreus para tentar evitar o fim do mundo, mas dessa vez em uma escala bem maior, mais detalhada e, principalmente, desafiadora. Alguns dos reinos apenas citados no game de 2018 agora podem ser visitados em Ragnarök. Citando apenas um dos primeiros que visitamos, em Svartalfheim, o reino dos anões, já temos uma boa noção do quanto a exploração está melhor desenvolvida na sequência.

Cada passagem por um dos reinos rende generosas horas em busca de colecionáveis e conclusão de quests secundárias. O combate e progressão da história principal também são magistralmente executadas graças a uma excelente direção de jogo. É possível sentir que cada local, interação, e até mesmo as linhas de diálogo foram cuidadosamente colocadas em seu devido lugar para deixar nossas fases como espectador e jogador curtirem ao máximo a estadia em cada um destes locais.

As conversas entre os personagens durante as andanças pelo mundo continuam sendo um show à parte, com direito a verdadeiras aulas sobre a mitologia nórdica e referências aos jogos anteriores da série. Por meio de atuações impecáveis, é difícil não parar para prestar atenção quando em dado momento da história Kratos relembra sobre sua primeira família na Grécia, ou quando revela que teve um irmão.

Drama, comédia, tensão e nostalgia são alguns dos sentimentos que tive em vários momentos da riquíssima narrativa do roteiro. Nenhuma linha de diálogo foi escrita ao acaso. Houve momentos em que não consegui conter as lágrimas, enquanto outros renderam gostosas e libertadoras gargalhadas. O tom mais maduro e contido de Kratos, a personalidade atrevida de Atreus, e até mesmo aquele jeitão de bicho grilo de Mimir, o homem — ou a cabeça — mais inteligente do mundo, são nossos principais companheiros, novamente, em uma viagem regada a emoções fortes e momentos de tirar o fôlego.

Também exalto a localização para nosso idioma colocando-a em um pedestal, com o retorno de Ricardo Juarez dando voz ao Deus da Guerra e Lipe Volpato como Atreus. A atuação dos dois é, sem dúvidas, uma das melhores do ano quando falamos em dublagem para o português. Contando ainda com todos os atores e atrizes do jogo anterior, dentre as novas vozes nacionais, Carlos Campanile, famoso por dar voz ao vilão Freeza de Dragon Ball Z, rouba a cena com sua interpretação de Odin.

Bear McCreary, o premiado compositor da trilha sonora de God of War (PC/PS4), e de grandes sucessos da TV e cinema, também está de volta com uma trilha sonora que transmite com maestria o tom épico da trama. São composições que ajudam a elevar a adrenalina nos momentos de ação e potencializam o drama em cenas marcantes da narrativa.

O garoto cresceu

Em God of War Ragnarök já desconfiávamos que Atreus seria a peça central da trama, dada a revelação sobre seu destino no final do jogo anterior. O que temos em God of War Ragnarök é uma atenção mais que especial dada ao garoto, dada sua importância na ligação entre os principais fatos que estão acontecendo no mundo.

Uma das poucas novidades que posso revelar já de cara é que o garoto divide mais o protagonismo com seu pai em muitos momentos da trama. Nas etapas em que assumimos o papel do rapaz, a jogabilidade ainda consegue manter o mesmo nível de agilidade e ação, dadas as devidas proporções, nos segmentos em que controlamos Atreus ou Kratos.

Apesar de não contar com a mesma força física de seu pai, Atreus faz um exímio uso de seu arco e feitiços para dar conta dos inimigos e resolver puzzles. Seja sozinho ou na companhia de algum novo parceiro. Uma nova dinâmica sendo explorada para enriquecer ainda mais a apresentação da narrativa, que ainda conta com a técnica de continuidade que deu um ar singular à apresentação de God of War, sem cortes de câmeras e transições.

As cenas em que assumimos o controle de Kratos ou Atreus são feitas com um esmero e cuidado tão grandes que mal percebemos o momento em que já estamos controlando um ou o outro. Tecnicamente ele continua sendo impressionante de se ver, visto a dificuldade em manter esse tipo de perspectiva durante todo o jogo.

Gameplay afiado como um machado

A jogabilidade viciante e atroz de God of War Ragnarök traz a mesma qualidade e satisfação ao jogar que tínhamos no primeiro jogo. Kratos conta com o uso de seu gélido machado Leviatã e das icônicas e flamejantes Lâminas do Caos para trucidar, sem exageros, qualquer inimigo que surja em seu caminho.

As técnicas especiais que obtemos com cada uma das armas são igualmente úteis tanto para combater diversos tipos de inimigos pelos reinos quanto para resolver os diferentes enigmas que encontramos pelo caminho. Muitos deles são como o primeiro jogo, com dinâmicas desafiadoras na hora de encontrar runas para destrancar os baús que contêm Maçãs de Iðunn e frascos de Hidromel Sangrento para aumentar os máximos de vida e fúria de Kratos, respectivamente.

As Lâminas, em particular, são melhor aproveitadas em Ragnarök para auxiliar Kratos na travessia de obstáculos e resolução de puzzles, já que desta vez já estão disponíveis desde o início do jogo. Outro ponto alto referente ao combate está na forma como as técnicas de Kratos e Atreus evoluem no decorrer do jogo.

Como no antecessor, os dois obtêm pontos de experiência ao derrotar inimigos, e estes pontos são usados para comprar novas técnicas em suas respectivas árvores de habilidades. Além de desbloquear novas formas de combater os inimigos, o jogador pode personalizar algumas delas conforme atinge níveis de maestria com determinadas ações.

Desafios na forma do número de vezes que uma técnica é usada definem quando determinada habilidade pode ser modificada. Quando disponível, basta investir mais alguns pontos de experiência para aplicar um bônus de dano, atordoamento, elemental ou qualquer outra opção disponível para deixar aquele ataque mais adequado para a forma como você joga.

É uma mecânica que estimula ainda mais o combate — como se o combate que temos aqui já não fosse deliciosamente satisfatório o suficiente — para que deixemos Kratos com nosso toque pessoal nesse quesito. Até mesmo a Fúria Espartana, técnica especial única de Kratos conta agora com variantes para quem tem um estilo mais defensivo, ofensivo ou misto de como partir para cima dos inimigos. Os já conhecidos ataques rúnicos também estão de volta, com técnicas visualmente deslumbrantes para realizar combos de ataques que dão um tesão de ver e fazer para obliterar os inimigos.

As batalhas contra os chefes continuam sendo um desafio formidável. São diferentes criaturas e entidades com habilidades que precisam ser sobrepujadas pelo jogador. Elas rendem lutas extremamente desafiadoras, na maioria das vezes, e conforme avançamos na história criaturas cada vez mais imponentes e ameaçadoras vão colocar o sangue espartano do jogador para ferver. Somando a isso, prepare-se para uma nova sequência de batalhas pelos reinos no mesmo nível das Valquírias do primeiro jogo. É um desafio punitivo e monstruosamente desafiante que valerá o esforço.

De resto, toda a dinâmica de obtenção e aprimoramento de equipamentos continua praticamente a mesma do jogo anterior, com sutis melhorias, além de novos tipos de equipamentos e armamentos para deixar a experiência mais interessante e estimulante. O design dos menus, por ter sofrido adaptações para atender a essas novas demandas pode ser um pouco desagradável para quem se acostumou com o layout do primeiro jogo, mas rapidinho pegamos o jeito para navegar por ele sem muitos problemas.

O mesmo vale para o mapa do jogo, que ainda traz uma interface básica, mas visualmente melhor que a apresentada no primeiro jogo, mas que ainda deixa a desejar quando precisamos de mais detalhes sobre alguma coisa na região. O básico ele ainda faz, mas poderia contar com informações adicionais, como quando estamos dentro de alguma subárea, como uma mina ou construção.

Outro ponto que merece destaque são as ferramentas de acessibilidade implementadas pelo Santa Monica Studio para auxiliar pessoas menos habilidosas em jogos de ação ou que sofram de algum tipo de deficiência motora, visual ou sonora. As ferramentas lembram muito as premiadas opções de acessibilidade de The Last of Us Parte II (PS4), e estão aí para lembrar que jogos são feitos para todos jogarem, independente de como você é. Gosto de enfatizar esse detalhe por ser uma importante ferramenta de inclusão e respeito para com todos os perfis de consumidores.

Jogo do Ano?

Como já cantei no início desta matéria, God of War Ragnarök tem tudo o que precisa para ser coroado como Jogo do Ano de 2022. O primor técnico e artístico dado a este título é de uma qualidade que nos faz lembrar por que ainda existem exclusivos e AAA no mercado. Mesmo sendo lançado para o PlayStation 4, que já está caminhando para o fim de seu ciclo, a geração anterior ainda tem acesso a um game de qualidade que vai exigir de tudo do console.

Já no PlayStation 5, que está começando a mostrar a que veio, temos um dos jogos mais bem feitos já desenvolvidos para a plataforma. Tudo foi pensado para aproveitar cada recurso que o aparelho tem a oferecer. A experiência com o DualSense é excelente, trazendo tudo que queremos e já esperávamos de um acessório único para o sistema. Cada movimentação faz o controle vibrar de forma equivalente, desde os ataques até os sutis detalhes, como Kratos guardando suas armas ou tocando as costas do filho em um momento tocante.

O áudio 3D garante uma imersão única de altíssima qualidade, potencializando os momentos de ação e valorizando ainda mais a narrativa. Os carregamentos ultra rápidos tornam as transições entre os reinos e os carregamentos praticamente inexistentes — ou muito bem maquiados — tanto nas cutscenes quanto nas trocas de cenários mesmo durante alguns eventos in-game. A experiência cinematográfica e interativa tem um casamento que só se compara com o God of War de 2018.

É muito difícil apontar problemas, erros ou mesmo pontos negativos em God of War Ragnarök, por mais que eu tenha me dedicado para encontrar algum. Mesmo tendo recebido o jogo com uma boa antecedência do lançamento, não presenciei, tecnicamente falando, nenhum tipo de anomalia, crash, bug ou ou coisa do tipo durante os vários dias em que joguei, mesmo com duas atualizações já feitas antes do lançamento e até a publicação desta matéria. Procedimento de praxe, por sinal.

Um fim digno para uma saga impressionante, visto que Cory Barlog, diretor geral do primeiro jogo e que assumiu a posição de diretor criativo de Ragnarök, já revelou que a saga de Kratos na mitologia nórdica se encerrará neste episódio. Deixo o benefício da dúvida para você que ainda vai viajar pelos reinos sobre que tipo de fim Barlog se referia, visto o que será revelado no fim desta impressionante aventura.

O maior dos maiores

God of War Ragnarök consegue ser primoroso em tudo o que se propôs a fazer. O Santa Monica Studio dá uma verdadeira aula sobre como uma sequência deve ser feita, superando todas as expectativas a respeito de gráficos, performance, gameplay e narrativa no melhor jogo de ação e aventura dos últimos tempos. Se a franquia God of War já teve um auge, ele foi superado.

Prós

  • Roteiro impecável;
  • Campanha gigantesca, com muita coisa para vivenciar e explorar;
  • O gameplay continua preciso e viciante;
  • A exploração está melhor implementada;
  • A localização para o português continua de altíssimo nível;
  • Tecnicamente perfeito, sem problemas aparentes de otimização ou performance;
  • Opções de acessibilidade versáteis e extremamente funcionais.
  • Uso do DualSense e implementação do áudio 3D do PS5 estão excelentes.

Contras

  • A experiência de usuário nos menus é mediana;
  • O mapa do jogo, apesar de algumas melhorias, ainda é muito básico.
God of War Ragnarök — PS5/PS4 — Nota: 10
Versão utilizada para análise: PlayStation 5

Análise feita por Alexandre Galvão

Fonte: GameBlast

 

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