De pastilhas e amendoins

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Todo produto começa por uma boa embalagem. Depois de dois ou três talhos abertos por uma lâmina de barbear cega, em frente ao espelho, pensei “Agora sim!”. Calça e camisa engomada. Ok Sapatos limpos. Ok E uma sacola cheia de livros. Na última hora, repassando o discursozinho: “Bom dia, Olha, meu livro trata…”  Meu ou nosso? Talvez nosso. A questão da impessoalidade ajudaria a enfrentar a timidez. Embora o nosso fosse mesmo o meu. Os livros não estavam saindo, apesar de serem só elogios. Mas elogios só alimentam o ego – que nem sei se tive um dia – e não pagam nem meio quilo de carne, nem o café que tanto amo. Então decidi transformar duas caixas fechadas de elogios em ao menos trezentos gramas de mussarela – impulsionado também pelo fato de estar desempregado. Juntei o que pude numa sacola e saí sem hora para voltar, dez contos no bolso, e com a máxima popular Deus ajuda a quem cedo madruga.

O ônibus chegava na altura do Centro de Parnamirim, indo em direção a Natal, quando a porta traseira abriu. Uma vendedora ambulante e um senhor com uma bíblia na mão subiram ao mesmo tempo.

A jovem ambulante facilmente ganhou a dianteira. Deu um bom dia  que  poucos responderam e logo começou a falar de seus deliciosos  amendoins torrados e sem casca que curavam até impotência sexual. Depois as pastilhas, que também curava vários males. Por fim,  jogando a toalha, disse que estava desempregada e que a melhor solução que havia encontrado foi vender pastilhas e amendoins. Depois foi a vez do pregador. Dizendo que já estávamos vivendo o início do Apocalipse. Apontando para enfermidades, tremores de terra, vulcões, erupções então – óbvio- chegou a Jesus, que também curava vários males – mas com a condição de nos arrependermos antes.

Uns no celular, outros com fones no ouvido, e ninguém fazia qualquer menção de arrependimento ou o que quer que seja .

Chegávamos a Natal. Dentro em pouco, ao meu destino. Eu ia pensando em meus livros. Em como vender uma visão particular, precária e melancólica do cotidiano vulgar. Talvez devesse pular logo essa parte e dizer “Bem, escrever foi a melhor solução que encontrei, pois no momento estou desempregado e…”Mais fácil seria vender pastilhas e amendoins, disse a mim mesmo.

Agora o ônibus parava em um sinal. Um homem a pé avança entre carros. Está com uma placa ao pescoço. Desempregado. Pede emprego. Lista o que sabe fazer. A família passando necessidades. O filho não tem leite. Grito por ele. Da janela do ônibus estendo a mão. Ele se arrisca por algumas moedas, mesmo com o sinal aberto. Alguns quilômetros à frente, um outro pedinte. Também pedindo ajuda. Também com uma placa no pescoço.Desta vez é a mãe doente. Número de celular para contato. Contei rapidamente três ou quatro notas. Chamei-o pela janela. E lá se foram meus dez contos. Voltei pra casa de mãos abanando. Ou melhor. Com as mãos cheias de livros — não vendi nada.  Não sou tão habilidoso quanto os homens no sinal. Escrevo.Apenas escrevo.

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