O senhor tem certeza?
Nunca fui bom em encontrar nada. Só em perder. Eu, que nunca conseguia encontrar uma faca na cozinha para cortar um pão, queria encontrar uma garota a qual havia visto uma única vez.
Quem talvez possa saber alguma coisa é aquele ali, disse um sujeito que varria o chão. Apontou para a figura sentada num banco que mais lembrava a Rasputin ou Antônio Conselheiro, sentado a uma distância de uns cento e cinquenta metros de onde estávamos — Cuida dos doentes.
Isso foi há quanto tempo?
Três anos, acho
Três anos? Mas muita coisa aqui mudou por aqui em três anos, sabe?
Pra mim continua sendo a mesma prisão
Quê?
Nada
Era da ala dos pacientes com problemas mentais?
Não.Quer dizer, não sei.Sei que cuidou da minha mãe.
Desculpe, mas assim fica difícil. Pode ter certeza que eu lembraria. Trabalho aqui há muito anos, sabe?Mas pode deixar, se encontrar essa sua amiga, dou o recado que você esteve por aqui, senhor…?
………………………
Ok, garota que não existe. Claro que você nunca ouviu falar de mim. É que sou um um best seller tanto quanto meus amigos que estão aí do outro lado, atrás desses muros que nos separam, insistem em dizer que são Jesus.É que estava dando uma volta aqui por perto e pensei, porquê não? É que eu não esqueci, garota que não existe, a forma carinhosa como você cuidava dos doentes deste hospital.Nos dias em que fiquei prostrado no chão, sapatos sujos e camisa amassada, ou quando dormia numa cadeira, enquanto você trocava lençóis que só cheirava a sangue e urina. Cantando em meio ao mar das lamentações. E mesmo assim eu sorri. Depois de uma noite em claro, sorri. Mas tudo é dor, tudo é ilusão. Eu, por exemplo, penso que escrevo. Passei aqui só para te deixar um livro que escrevi.
Lá fora, na calçada, botando o coração pela boca, Antônio Conselheiro me alcança.
Eu lembrei…Puff!Puff!…Lembrei!Puff!Puff!…. Kelly!…PufPuf! O nome dela é Kelly! Mas ela morreu…sinto muito…tem uns dois meses… ficou careca e tudo… sinto muito…
De fato, ela não existe.
Nunca fui bom em encontrar nada — só em perder.