“Será que eu vou ganhar?” Essa pergunta, feita por toda pessoa ou instituição que tem um processo tramitando na justiça, agora pode ser respondida por uma Inteligência Artificial (IA) desenvolvida por pesquisadores da UFRN. Estudo publicado no periódico PLOS One demonstrou não só que as máquinas conseguem efetuar essa previsão, mas que preveem quase três vezes melhor que especialistas com larga experiência jurídica. O trabalho, realizado com apoio do Núcleo de Processamento de Alto Desempenho (NPAD/UFRN), tem como autores os professores Elias Jacob de Menezes Neto, do Departamento de Direito (DIR/UFRN), e Marco Bruno Miranda Clementino, do Departamento de Direito Privado (DPR/UFRN).
A pesquisa utilizou mais de três milhões de processos e 765 mil recursos julgados pelos Juizados Especiais Federais do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que engloba os estados do RN, CE, PB, PE, AL e SE. Após ensinar a IA a “ler” textos em português, os pesquisadores guiaram a máquina a identificar as particularidades dos textos jurídicos utilizando 3.1 milhões de sentenças em processos judiciais. Depois a programaram para prever o comportamento decisório utilizando recursos julgados no passado.
Essa é a maior pesquisa brasileira sobre o tema de previsão de decisões judiciais e a primeira pesquisa no Brasil que compara o desempenho dos humanos com as máquinas. Até então não existia outra pesquisa nessa escala com base de estudo no Brasil. Outra pesquisa que abordou o mesmo tema tomou uma amostragem de 4 mil recursos de um único estado da federação, enquanto essa utilizou 765 mil recursos de 6 estados. Além disso, nenhuma outra pesquisa do país comparou o desempenho de máquinas ao de profissionais da área, nesta foram 22 especialistas, dentre juízes federais e servidores do judiciário.
De acordo com os pesquisadores, saber o futuro de uma apelação é bom para todos: para o advogado, que poderá orientar melhor seus clientes; para o judiciário, que poderá fazer uma triagem automatizada dos processos a partir de expectativas do julgamento, que hoje é feita manualmente; e para a população, que poderá saber melhor quando recorrer ou não de uma decisão e, por consequência, economizar tempo e dinheiro.
Conseguir agilizar o julgamento da extensa quantidade de processos jurídicos pendentes no Brasil é uma das motivações dessa pesquisa. Atualmente, quase todos os novos processos têm entrada de forma eletrônica, o que facilitaria a coleta e a análise, mas alguns poucos ainda são feitos de forma automatizada. “É como estar sentado em uma mina de ouro e não conseguir fazer nada com ela”, afirma o pesquisador Elias Jacob.
O Brasil possui 76 milhões de processos esperando julgamento. Com esse modelo, seria possível prever o resultado de todos eles em poucos minutos. Uma pessoa experiente levaria no mínimo cinco minutos por processo para executar uma previsão. Mesmo com muitas pessoas trabalhando nisso, seria humanamente impossível prever tantos casos.
A elaboração da Inteligência Artificial, desenvolvida com técnicas de processamento de linguagem natural e aprendizagem profunda (Deep Learning), só foi possível com o uso do supercomputador do Núcleo de Processamento de Alto Desempenho. ‘’O desenvolvimento desse tipo de pesquisa envolve, literalmente, milhares de horas, mas o NPAD nos ajudou a executar os mesmos experimentos até cinco vezes mais rápido”, explica Elias.
Os dados produzidos pelo estudo poderão ser usados como valor de referência para outros pesquisadores que podem aprimorar os modelos. “Como liberamos os conjuntos de dados utilizados no treinamento e criamos esses dados do zero, qualquer pessoa interessada poderá replicar, testar e aperfeiçoar o que desenvolvemos”, acrescenta.
Além do suporte computacional do NPAD, a pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e com apoio de diversos magistrados e servidores da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará e Alagoas.
O sistema, que foi registrado pela UFRN junto ao INPI, pode ser utilizado tanto pela advocacia pública e privada quanto pelo Poder Judiciário, especialmente na etapa de triagem dos processos para encaminhamento da decisão. “Com isso, esperamos contribuir para uma Justiça mais rápida e que trate com maior uniformidade casos que são semelhantes,” conclui o pesquisador.
Fonte: Agecom/UFRN