Dose de esperança: pesquisa da UFRN desenvolve antígeno contra a Toxoplasmose

10 milhões de anos – esse é o tempo de existência do protozoário Toxoplasma gondii, parasita que infecta diversos animais e também os seres humanos, causando a toxoplasmose, doença que atinge principalmente populações em situação de vulnerabilidade social. Analisando esse cenário e as lacunas na prevenção e tratamento para essa enfermidade, o projeto multidisciplinar financiado pelo Núcleo de Pesquisa em Alimentos e Medicamentos (Nuplam/UFRN), utiliza a biotecnologia industrial para a produção, em larga escala, de uma proteína que poderá ser utilizada como vacinas e testes diagnósticos para a toxoplasmose.

Esse projeto, que visa à produção da proteína, também chamada de antígeno, substância que introduzida no organismo provoca a formação de anticorpos, é longo e complexo. Por essa razão, uma equipe interdisciplinar composta por pesquisadores da UFRN das áreas de Biologia Celular, Genética, Farmácia e Engenharia Química foi necessária para a realização das diferentes etapas da pesquisa.

Inicialmente, a professora do Departamento de Biologia Celular e Genética Daniella Martins, em parceria com o Instituto de Medicina Tropical, coordenou uma pesquisa que envolveu o mapeamento e a seleção de diferentes antígenos de Toxoplasma gondii, protozoário causador da toxoplasmose, e os agrupou na bactéria Escherichia coli, formando uma proteína, chamada multiantigênica.

Além da colaboração dos professores, também houve a parceria com o Laboratório de Engenharia Bioquímica, que possui os equipamentos necessários para a realização do projeto – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

“Nessa pesquisa inicial, um estudo in vitro com o soro de pacientes com toxoplasmose mostrou que a proteína produzida foi capaz de reagir com células de defesa e estimulou a produção de citocinas em cultura de células, as quais são importantes para a proteção do hospedeiro contra a infecção. Assim, temos indícios de que essa proteína pode ser uma possível candidata para o desenvolvimento de uma vacina. Outras análises ainda devem ser realizadas”, ressalta Daniella.

Para promover a produção em larga escala do composto produzido pela professora, o coordenador da segunda fase do projeto, Francisco Sousa, utilizou conhecimentos da biotecnologia industrial. “Para aumentarmos a produção, realizamos diversos testes, com o objetivo de determinar a melhor composição do meio e a temperatura para crescimento e expressão da proteína”, explica o professor.

Atualmente, a pesquisa, que é realizada em parceria com Everaldo Silvino, professor do Departamento de Engenharia Química, conseguiu avançar na produção de maior quantidade do antígeno. “A proteína, que inicialmente era expressa em miligramas, quantidade considerada baixa, conseguimos obter na ordem de gramas. Avançamos e cumprimos, de forma satisfatória, essa fase”, destaca o pesquisador. A próxima etapa será realizada em equipamentos de maior escala, chamados biorreatores, em que a equipe conseguirá avançar no controle e otimização dos parâmetros de produção.

O esperado é que a pesquisa consiga aumentar o nível de expressão da proteína para, então, haver a separação do antígeno de outros componentes da bactéria. “Utilizaremos estratégias de purificação para removermos outras proteínas e componentes celulares, assim ficaremos apenas com a nossa proteína multiantigênica isolada, na qual temos interesse para produção dos testes de diagnóstico e vacinas”, explica o coordenador da pesquisa.

Transmissão, riscos e tratamentos

Transmitida por diversos animais, pela ingestão de alimentos contaminados, de mãe para filho e tendo como vetor principal os gatos, a toxoplasmose, infecção causada pelo parasita Toxoplasma gondii, é responsável por causar ao paciente contaminado diferentes sintomas, como dor de cabeça e garganta, manchas avermelhadas espalhadas pelo corpo, febre, confusão mental, perda da coordenação motora, aumento do fígado e do baço e convulsões.

Francisco Sousa, Stephanie Matias e Daniella Martins, pesquisadores do projeto multidisciplinar – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

“Uma parte da população é exposta ao parasita, mas produz anticorpos sem desenvolver a doença. Os casos mais graves no sistema nervoso central são infecções no cérebro e infecção ocular, podendo levar à cegueira, principalmente nos pacientes imunossuprimidos. No entanto, tem se observado que parcela da população que não tem imunossupressão também pode apresentar quadros graves”, alerta o professor Francisco.

O pesquisador explica que no Brasil não existem dados amplos sobre a disseminação da doença, mas estudos recentes mostram grande prevalência da enfermidade no país. “Mesmo com a falta de dados específicos, estudos soroepidemiológicos, que colhem o sangue e observam a presença de anticorpos, indicam que 80% da população já foi exposta ao parasita Toxoplasma gondii em algum momento”, relata.

Apesar da elevada prevalência, não existe vacina nem tratamento coeso para a toxoplasmose. A doença é categorizada como negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por ser infecto parasitária e por estar relacionada a problemas urbanos e de higiene sanitária, atingindo, principalmente, a população de regiões periféricas e em situação de vulnerabilidade social. Em razão dessas circunstâncias, o tratamento e a produção de vacinas não despertam o interesse das indústrias farmacêuticas, por isso existem poucas opções terapêuticas. “Grande parte das indústrias farmacêuticas não se interessa pela produção de vacinas para essas doenças”, afirma Francisco.

“Além disso, o tratamento da doença é realizado com medicamentos que podem causar toxicidade e os testes diagnósticos disponíveis atualmente não são conclusivos, porque eles avaliam se o indivíduo já teve contato com o parasita, mas não conseguem informar se ele está curado. Essas são as lacunas que tentamos preencher com o projeto”, complementa o pesquisador.

Avanço no estudo das doenças negligenciadas

Durante esse processo de desenvolvimento de um possível material-base para a produção de vacinas ou testes diagnósticos para a Toxoplasmose, inúmeros conhecimentos e aprendizados são relatados pelos pesquisadores envolvidos.

Stephanie Matias diz que participar dessa pesquisa é sua forma de contribuição como cientista para a sociedade – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Stephanie Matias, doutoranda em Engenharia Química, explica que participar da pesquisa contribuiu para a construção da sua carreira acadêmica, já que, para o desenvolvimento do estudo, foi preciso compreender diferentes parâmetros da biotecnologia industrial. “Pretendo ampliar o estudo da produção em larga escala e participar do processo de purificação para que, assim, seja avaliada a produção de testes diagnósticos e vacinas com base no material produzido por nossa equipe”, destaca a pesquisadora.

Para que essa pesquisa fosse realizada, ela teve apoio e fomento do edital Nº 03/2018 do Nuplam, que contemplou quatro projetos relacionados à inovação e formulação em medicamentos, desenvolvimento de métodos analíticos e aprimoramento de processos produtivos de medicamentos ligados a doenças negligenciadas.

O professor Francisco evidencia a importância da parceria e o fomento do Nuplam para a realização do projeto. “Uma indústria farmacêutica financiar projetos científicos relacionados a doenças negligenciadas desenvolvidos na universidade é um aspecto importante para o desenvolvimento do projeto, já que estamos estudando uma forma de melhorar o acesso à saúde da população em situação de vulnerabilidade social por meio da pesquisa científica”, ressalta.

O Gerente de Ensino, Pesquisa, Inovação e Extensão do Nuplam, Fernando Nogueira, explica que a promoção de editais de Pesquisa e Desenvolvimento são essenciais para o avanço da indústria farmacêutica. “A importância desse edital é ter uma fonte alternativa de financiamento da pesquisa científica na UFRN. É essencial que o Nuplam financie projetos que sejam do seu interesse para que ocorra o desenvolvimento da produção científica e para termos a possibilidade de oferecer os produtos destas pesquisas ao Ministério da Saúde (MS) e a empresas parceiras”, finaliza o gerente de ensino.

Fonte: Agecom/UFRN

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