Buraco negro adormecido: descoberta, publicada na Nature Astronomy, tem professor da UFRN como coautor.

Um grupo de pesquisadores encontrou o primeiro buraco negro estelar adormecido em um sistema binário fora da nossa galáxia. A descoberta foi anunciada no artigo An X-ray quiet black hole born with a negligible kick in a massive binary of the Large Magellanic Cloud, publicado na Nature Astronomy em julho. De acordo com o estudo, que tem o pesquisador Tomer Shenar como autor principal e participação da UFRNesse objeto está localizado em um sistema binário, chamado VFTS 243, na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia vizinha à nossa.

O artigo é fruto de uma pesquisa que investiga estrelas massivas, ou seja, com massas oito vezes maior que a do nosso sol, isoladas ou em sistemas binários, para entender questões fundamentais sobre os seus ciclos de vida. O estudo contou com a colaboração internacional de diversos pesquisadores, incluindo o professor Leonardo Almeida, da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ECT/UFRN), único brasileiro do grupo.

A equipe ganhou o apelido de “polícia de buracos negros”, por já ter contestado alguns buracos negros que foram divulgados anteriormente. “Como pesquisador que tem refutado potenciais buracos negros nos últimos anos, confesso que me senti extremamente cético em relação a esta descoberta”, afirma Shenar em boletim de imprensa divulgado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO). Parte das observações dessa pesquisa, foram realizadas através do telescópio Very Large Telescope (VLT), do ESO, que está localizado no Chile.

Concepção artística do VFTS 243, sistema binário onde foi encontrado o buraco negro adormecido – Foto: ESO

Apesar de os cientistas preverem a existência de milhares desses objetos no universo, encontrar um buraco negro estelar adormecido não é uma tarefa fácil. Isso porque ele não emite raio-X, que tem sido a principal forma de se encontrar esses objetos. Ou seja, ele não está se alimentando da matéria da estrela companheira e, por isso, não é formado um disco de acreção ao seu redor. Vem daí a expressão “adormecido”.

Para localizar esse objeto, foram utilizados dados obtidos por dois projetos observacionais realizados no VLT, tendo como foco estrelas massivas na região da Nebulosa da Tarântula, na Grande Nuvem de Magalhães. O primeiro é o The VLT-FLAMES Tarantula Survey, conduzido pelo pesquisador Chris Evans entre 2008 e 2009, no qual foram identificadas cerca de 1.000 estrelas massivas. Entre 2012 e 2014, o projeto The Tarantula Massive Binary Monitoring (TMBM), liderado pelo astrofísico Hugues Sana, monitorou espectroscopicamente 100 sistemas binários formados por essas estrelas. Em 2014, o professor Leonardo Almeida se juntou à equipe para trabalhar nesses dados e foi o primeiro autor do artigo inicial do projeto TMBM. Foi então que, entre esses 100 sistemas binários, ele reportou que, em 51 deles, era apenas possível identificar uma das duas componentes.

“O Tomer Shenar fez o que a gente chama de busca da componente invisível. Desses 51 sistemas, em apenas um ele não conseguiu ver nada”, explica Leonardo sobre o artigo publicado agora.

30 Doradus, também conhecida como Nebulosa da Tarântula, localizada na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia vizinha à nossa – Foto: ESO

Para identificar se esse objeto era mesmo um buraco negro, foi preciso utilizar a técnica de desembaraçamento espectroscópico, em que a luz da estrela dominante é isolada para verificar se existe algum resquício de brilho sendo emitido pelo outro objeto desse sistema. Após vários testes para excluir outras possibilidades, como a de ser uma estrela menor e bem menos brilhante que a outra, foi constatado que ali existia um buraco negro.

Mas o que torna esse buraco negro tão especial e a sua decoberta tão importante?

Além do fato de ser o primeiro buraco negro adormecido em um sistema binário confirmado pelos cientistas fora da Via Lactea, é provável que o registro dele tenha sido feito pouco tempo depois da sua formação. Isso porque foi observado que a excentricidade – parâmetro adimensional que representa o afastamento de uma órbita da forma circular – desse sistema é de apenas 0,017. Quanto mais próximo de zero for esse valor, mais circular é a órbita desse sistema. Como a excenticidade é quase zero, mas não nula, isso indica que, ao explodir em uma supernova, a estrela que originou esse buraco negro perdeu pouca matéria. No caso do VFTS 243, foi ejetado algo em torno de 0,5 massas solares e o buraco negro formado tem massa mínima de aproximadamente nove massas solares.

“A gente está podendo medir os parâmetros físicos depois da explosão da supernova em um sistema como esse. Essas informações têm importantes implicações para a Astrofísica Estelar, como também para a geração e taxas de detecção de ondas gravitacionais. Isso porque esse sistema começa a colocar restrições observacionais cruciais em tipos e distribuições de supernovas e na sobrevivência de sistemas binários de buracos negros”, informa Almeida.

Buraco negros e as Ondas Gravitacionais

Um dos principais pontos destacados pelo professor quanto ao resultado dessa pesquisa está na relação entre os buracos negros e os estudos envolvendo as ondas gravitacionais. Esse fenômeno cósmico consiste nas ondulações na curvatura do espaço-tempo que se propagam pelo universo na velocidade da luz a partir de uma fonte, que pode ser a explosão de estrelas (supernovas) ou a fusão de estrelas de nêutrons e de buracos negros em sistemas binários.

Concepção artística mostrando dois buracos negros em fusão – Crédito: Caltech/MIT/LIGO Lab

De acordo com esse artigo, desde a primeira detecção de ondas gravitacionais, feita em 2015 pelo Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (LIGO), o número de eventos de fusão de sistemas binários de buracos negros registrados se aproxima a 100. É esperado, ainda, que o número cresça nos próximos anos, por isso há um esforço internacional entre cientistas para compreender a evolução desses sistemas e das estrelas que os formaram.

Para Almeida é importante conhecer a história da evolução dessas estrelas massivas que orbitam em sistemas binários. “A predição da taxa de fusão de buracos negros tem que ser baseada na evolução dos sistemas binários de estrelas massivas, incluindo efeitos associados à alta rotação, transferência de matéria e maré. Com todos esses ingredientes e com as restrições observacionais dadas no artigo, será possível prever um número mais preciso dos eventos por ano de ondas gravitacionais que podem ser detectados pelos observatórios que estão em funcionamento”, reforça o pesquisador brasileiro.

Fonte: Agecom/UFRN

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