As flores são estruturas sexuais das plantas que, até onde se conhece, evoluíram com apoio de seus polinizadores mutualistas, como abelhas, borboletas e beija-flores. No entanto, estudo desenvolvido pela UFRN mostra que, ao contrário do que a ciência tem mostrado, a sexualidade das flores é, na verdade, determinada pelos insetos herbívoros: lagartas, besouros e gafanhotos que se alimentam de folhas, caule e raízes. A pesquisa demonstrou que espécies de plantas atacadas por esses predadores têm flores mais masculinas, o que indica maior esforço para produzir uma descendência geneticamente diversa. O resultado desse trabalho, liderado por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGECO) da UFRN e com colaboração de cientistas da Alemanha e da Suíça, acaba de ser publicado na revista Ecology Letters.
“Em vez de um achado casual, esse resultado foi, de fato, previsto pela Hipótese da Rainha Vermelha, uma teoria criada para explicar a existência do sexo”, contou Carlos Roberto Fonseca, pesquisador do PPGECO e líder da pesquisa. Essa hipótese foi proposta para explicar um mistério importante que desafia a teoria darwiniana.
Segundo essa teoria, os indivíduos vencedores são aqueles que transmitem mais genes para a geração seguinte. O problema é que indivíduos sexuais transmitem apenas 50% dos seus genes a cada filho e filha, enquanto os assexuais se reproduzem fazendo cópias de si próprios, transmitindo 100% de seu material genético. Assim, os indivíduos assexuais poderiam rapidamente ganhar dos sexuais na corrida evolutiva, no entanto, essa previsão contraria o fato de que a maioria dos animais e plantas utiliza o sexo para se reproduzirem. Por este motivo, postula-se que o sexo deve trazer grandes benefícios para compensar essa grande desvantagem genética inicial.
A Hipótese da Rainha Vermelha afirma que o sexo é uma arma utilizada pelas espécies hospedeiras para terem vantagem na corrida armamentista contra os seus parasitas. Quando os organismos sexuais se reproduzem, geram uma descendência que contém combinações únicas de defesas, tornando as armas de ataque dos parasitas menos eficazes. Em contraste, o arsenal de defesa dos organismos assexuais é transmitido de pai para filho praticamente sem alteração. Assim, após algumas gerações, os parasitas podem aprender a desarmar sua estrutura de defesa. “Portanto, segundo a Hipótese da Rainha Vermelha, os descendentes de indivíduos sexuais são muito melhor defendidos do que os produzidos por indivíduos assexuados”, acrescenta Carlos.
Para testar a teoria, o então aluno de doutorado do PPGECO, Gustavo Brant Paterno, foi para a Alemanha coletar flores de 141 espécies de diversos ambientes, incluindo prados, florestas temperadas e vegetação alpina. No laboratório, os investigadores pesaram, separadamente, os órgãos masculino e feminino das flores, responsáveis pela produção de pólen e óvulos. Em seguida, calcularam a masculinidade da flor, definida como a proporção do peso do órgão reprodutor dividido pelo peso de ambos os órgãos sexuais. Em geral, as espécies vegetais que investem mais no órgão feminino tendem a se autofertilizar, produzindo sementes de menor diversidade genética. Ao contrário, as espécies que investem mais no órgão masculino tendem a realizar reprodução cruzada, gerando sementes geneticamente mais diversificadas.
Paralelamente, os pesquisadores Martin M. Gossner e Martin Brändle, de universidades alemãs, realizaram uma grande revisão bibliográfica com objetivo de estimar quantas espécies de insetos comem cada uma das espécies vegetais. Isto só foi possível devido ao conhecimento acumulado ao longo de vários séculos de investigação da história natural da Alemanha. Finalmente, quando os
investigadores reuniram os dois conjuntos de dados independentes, provaram que a masculinidade das flores estava positivamente associada ao número de insetos herbívoros.
“O fato de os insetos herbívoros afetarem a sexualidade das flores é uma descoberta extraordinária, que traz um forte apoio à Hipótese da Rainha Vermelha. Isso realça a relevância da conservação da diversidade genética para as plantas que usamos em nossa alimentação e o perigo de reduzirmos as populações das espécies selvagens. Sem diversidade genética, todas as espécies são ameaçadas pelos seus parasitas”, disse Carlos Roberto Fonseca. “Numa época em que a humanidade está ameaçada por muitos vírus e bactérias, a Rainha Vermelha lembra-nos de que devemos estar gratos pelo nosso patrimônio multiétnico, que ajuda a trazer resistência natural contra os nossos parasitas e que são essenciais para a nossa sobrevivência a longo prazo” concluiu.
Fonte: Agecom/UFRN