Um grupo de cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) recebeu no mês de maio o patenteamento de um sistema eletrônico capaz de amplificar sinais eletrofisiológicos, bem como estimular eletricamente tecidos biológicos, com um funcionamento similar ao utilizado atualmente em equipamentos para registro de ECG (eletrocardiograma), EEG (eletroencefalograma) e EMG (eletromiograma). A particularidade da descoberta é a funcionalidade: a utilização de amplificadores operacionais discretos na implementação do sistema eletrônico, capazes de produzir os mesmos resultados, porém de forma mais proveitosa do ponto de vista didático.
Por causa desse diferencial, o custo 一 muitas vezes elevado e que pode inviabilizar seu uso em programas de ensino e educação, em especial para alunos do ensino médio e de graduação 一 acaba diminuindo. Considerando que a principal finalidade da nova tecnologia é o seu uso na realização de demonstrações didáticas, experimentos e práticas relacionadas às áreas de neuroengenharia, neurofisiologia e engenharia biomédica, a patente propicia um maior acesso à tecnologia. Um dos envolvidos no desenvolvimento, Claudio Marcos Teixeira de Queiroz explica que na época em que o grupo desenvolveu o dispositivo, entre os anos de 2009 e 2012, o ensino de eletrofisiologia no Brasil era muito limitado devido à dificuldade de acesso a equipamentos.
“Essa foi a nossa motivação, desenvolver um amplificador de potenciais bioelétricos para fins didáticos, de baixo custo, fácil operação e grande versatilidade, pois serve para qualquer sinal bioelétrico. Além disso, o equipamento é de simples construção e muitas vezes, os próprios alunos se envolvem com a montagem do dispositivo. É bom especificar que ele permite o registro da atividade elétrica produzida por tecidos biológicos excitáveis, como fibras musculares presentes no sistema muscular e cardíaco, e em neurônios, célula especializada do sistema nervoso”, explica o professor do Instituto do Cérebro (ICe).
O dispositivo foi batizado de Sistema de Processamento de Informação Eletrofisiológica, ou SPIX. Sinais eletrofisiológicos são, por definição, potenciais elétricos gerados por tecidos biológicos, tais potenciais possuem intensidades muito baixas e são susceptíveis a interferências devido à resistência à corrente elétrica nos locais de registro. Amplificadores como o SPIX garantem uma melhor relação sinal-ruído e permitem o condicionamento do sinal bioelétrico antes da aquisição, por meio de filtros para frequências específicas. Isso porque tais sinais são passíveis de contaminação por diversas fontes, entre as quais aquelas provenientes de equipamentos elétricos ou ainda resultado de acoplamentos indesejáveis com a rede elétrica.
George Carlos do Nascimento, idealizador e inventor do circuito eletrônico e dos programas de computador para a apresentação e análise dos sinais eletrofisiológicos, pontua que os circuitos eletrônicos desses equipamentos são complexos, protegidos por leis de copyright, tornando dificultosa a sua inclusão em programas de ensino e educação. O professor do Departamento de Engenharia Biomédica acrescentou que a captura e a apresentação destes sinais ao usuário requer a utilização de um computador com programas proprietários instalados que, em muitos casos, não são flexíveis o suficiente ou adequados ao propósito de ensino.
“Entretanto, ainda assim, ocorrem situações em que é importante aplicar estímulos no sistema biológico de forma a extrair informações a respeito de seu estado. Para isso, são comumente utilizados estimuladores elétricos. Contudo, a utilização de tais sistemas requer uma elaboração que em geral não é prática e é de difícil integração, e muitas vezes necessita de adaptações para o seu correto funcionamento”, identifica o docente. Outra dificuldade, a possibilidade de contaminação dos sinais eletrofisiológicos, foi contornada com o uso de amplificadores operacionais discretos.
“Devido à facilidade com que sinais eletrofisiológicos podem ser degradados por acoplamentos indesejáveis com atividades elétricas presentes no ambiente, requer a utilização de circuitos eletrônicos apropriados que utilizam técnicas para cancelar ou atenuar a interação com tais atividades elétricas. Uma das formas adotadas tradicionalmente é a utilização de amplificadores de instrumentação em uma configuração conhecida por técnica de rejeição de modo comum. Apesar de tais amplificadores já existirem em sua forma comercial — e, inclusive, já miniaturizado em circuitos integrados especializados —, neste pedido de invento, utilizou-se o uso de amplificadores operacionais discretos na implementação do sistema eletrônico, que produzem os mesmos resultados, porém de forma mais proveitosa do ponto de vista didático”, explicou Bruno Lobão Soares.
A solução apresentada nesta patente consiste em amplificar o sinal eletrofisiológico simultaneamente em duas rotas com características de ganho e bandas de frequências diferentes e independentes. Dessa forma, cada um dos potenciais é condicionado de modo a permitir saídas com intensidades compatíveis, para que quando encaminhados a um computador sejam capturados corretamente. Por sua vez, na maioria dos computadores pessoais já existe uma porta de captura de sinais de áudio, normalmente utilizada para a conexão de um microfone. Essa porta, por ser estérea, possui duas vias de captura de sinais de áudio, que podem ser armazenadas, processadas e apresentadas na própria tela do computador utilizando programas de acesso livre.
Os três cientistas colocam que já desenvolveram atividades demonstrativas que envolvem o registro de potenciais de ação em animais invertebrados, como baratas, moscas, grilos e minhocas. Para eles, as atividades experimentais contribuem significativamente para uma melhor formação de recursos humanos na área de fisiologia 一 que abrange o estudo das funções e funcionamento normal dos seres vivos, bem como dos processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas dos seres vivos sadios一, comum a alunos de diferentes cursos.
“O equipamento já está desenvolvido, inclusive estamos em sua quarta versão, que recebeu pequenas melhorias e novas implementações. Importante ressaltar o apoio institucional da UFRN, que, por meio de editais internos de financiamento, possibilitou chegarmos onde estamos. Diversos dispositivos já foram produzidos e distribuídos para professores do ensino médio e universitário em todo Brasil para utilização em sala de aula. Inclusive, sabemos de um grupo de pesquisa do Instituto do Cérebro que o utiliza para adquirir sinais eletrocardiográficos em animais experimentais em protocolos de pesquisa”, finalizou George Nascimento.
A trajetória que não se encerra
No início da elaboração da reportagem, a situação médica do professor George Nascimento já apresentava cuidados, situação que nos impediu de gravar e registrar imagens dele. Com uma extensa contribuição acadêmica e institucional, sobretudo na área de Engenharia Biomédica, o docente não resistiu e, no mês de junho, acabou falecendo.
“A contribuição dele não acaba. A concessão foi uma das últimas, de muitas, conquistas do George, que deixará muita saudade. Não só pelo conhecimento e competência, mas especialmente pela alegria, energia e disposição em resolver os desafios de fazer ciência. Estamos todos sentidos com sua precoce partida”, falou Claudio Queiroz.
O Instituto do Cérebro, no qual George atuou como colaborador durante os últimos anos, prestou também uma homenagem, caracterizando o professor como “membro colaborador do Instituto do Cérebro desde seu primeiro momento, eletrofisiologista, físico, inventor, cientista, pai e avô amoroso, mente brilhante, coautor de vários trabalhos, com espírito incansável e enorme disposição para ajudar nos pequenos e grandes problemas da Neurociência, pensando e criando soluções”.
Outras unidades que registraram a perda foram o Laboratório de Inovação em Saúde (LAIS) e o Centro de Tecnologia, ambas salientando a atuação pioneira dele como um dos fundadores do Departamento de Engenharia Biomédica, com atuação recorrente na construção de um curso de qualidade em prol do desenvolvimento da sociedade.
George Carlos do Nascimento atuava no Departamento de Engenharia Biomédica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e era colaborador do Instituto do Cérebro (ICe-UFRN), do Departamento de Biofísica e Farmacologia da UFRN, do Departamento de Neurociência da Universidade de Uppsala e do Instituto Politécnico de Milano. Desenvolveu pesquisas com foco nos temas de neuroengenharia e neurofisiologia, e tinha experiência nas áreas de engenharia biomédica, optogenética, comportamento animal, instrumentação médica, eletrofisiologia, física da matéria condensada, química orgânica, ciência dos materiais, imagens por ressonância magnética, sistemas de instrumentação e projetos de sistemas com microprocessadores dedicados.
Fonte: Ascom/UFRN