Os astrônomos acreditam que, na busca por mundos habitáveis fora do nosso sistema solar, as maiores e melhores oportunidades podem ser encontradas em torno das estrelas menores e mais frias da redondeza, as chamadas Anãs-M. Esses objetos possuem uma pequena fração da massa e luminosidade do Sol, porém são 10 vezes mais numerosos no nosso entorno.
Os planetas que circundam uma anã-M devem estar em uma órbita próxima à estrela para serem quentes o suficiente a ponto de sustentar a vida como conhecemos. Tal proximidade torna esses exoplanetas relativamente fáceis de serem detectados pelos caçadores de planetas. Porém, a atividade magnética destas estrelas é pouco conhecida e este parâmetro pode levá-las de habitáveis ao extremo oposto de inabitáveis, impossíveis para sustentar atividade biológica e desenvolver vida.
Neste sentido, vários projetos independentes estão monitorando anãs-M próximas, e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) lidera o mais recente estudo publicado nesta quinta-feira, 5 de maio, no periódico centenário The Astronomical Journal. O projeto revela uma faceta ainda não conhecida sobre as estrelas mais velhas, quietas e lentas da vizinhança solar, as anãs-M.
Essas estrelas, tal qual conhecemos, são potencialmente habitáveis e possuem grande probabilidade de abrigar exoplanetas semelhantes à Terra e, consequentemente, proteger a vida. Porém, algumas possuem rotação elevada e podem ser mais ativas do que o esperado. As medidas de rotação e atividade magnética para caracterizar as estrelas anãs-M são cruciais e foram feitas com ajuda do satélite Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS) da NASA e dos telescópios Gemini e SOAR, ambos localizados nos Andes Chilenos.
Os resultados representam um passo importante para o entendimento dessa classe de objetos e seu natural potencial para abrigar exoplanetas habitáveis, ou seja, propícios para o desenvolvimento da vida como conhecemos na Terra.
“No geral, as estrelas no universo próximo abrigam exoplanetas bem diferentes daqueles planetas do sistema solar. Isso é um exemplo nítido da diversidade cósmica e a maioria das estrelas na vizinhança solar são anãs-M, diferentes do Sol, que é uma estrela anã amarela, mediana e com, aproximadamente, 4 bilhões de anos”, comenta o astrofísico José Dias do Nascimento Júnior, professor do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE/UFRN) e pesquisador da Universidade de Harvard.
Estes objetos, as anãs-M, são as menores estrelas existentes e as mais vermelhas também, além de mais velhas que o Sol. Elas são tão pequenas e apagadas que são necessários grandes telescópios para observá-las. Por serem abundantes, velhas, lentas em sua rotação e inativas em sua atividade magnética, faz muito sentido pensar em como seria a vida em um planeta em torno de uma anã-M, apontam os cientistas.
Para restringir a evolução e a habitabilidade atual desses possíveis planetas em torno das estrelas anãs-M, o astrofísico e pós-doutorando da UFRN, Francys Anthony, juntamente com o doutorando João Machado, do Programa de Pós-Graduação em Física (PPGF/UFRN), focaram em entender melhor a atividade magnética no passado e no presente das estrelas centrais desses possíveis sistemas planetários. “É preciso entender a atividade magnética destas estrelas hoje e no passado se quisermos de fato caracterizar sua habitabilidade”, comenta o líder do trabalho, Francys Anthony.
O estudo foi baseado nos dados do satélite TESS da NASA e com importante componente observacional e caracterização executada com os telescópios Gemini e SOAR, localizados em Cerro Pachón, nos Andes Chilenos. O Telescópio SOAR tem um espelho de 4m de diâmetro e está entre os principais instrumentos de pesquisa disponíveis para os astrônomos no hemisfério sul. O SOAR é um projeto conjunto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil (MCTIC/LNA), NOIRLab da NSF, University of North Carolina at Chapel Hill (UNC) e Michigan State University (MSU), sendo utilizado para caracterizar as anãs-M, juntamente com espectros coletados com o telescópio Gemini com espelho de 8,1 m. Tanto o SOAR quanto o Gemini são administrados sob um acordo de cooperação internacional, do qual o MCTI e o Laboratório Nacional de Astrofísica fazem parte.
“A origem e a evolução do magnetismo de estrelas anãs-M permanecem um ponto obscuro, pois só podemos prever com segurança os níveis de atividade para uma massa e idade específica. Não sabemos quase nada sobre a evolução destes objetos ao longo do tempo. É um grande desafio quando se olha as menores e mais velhas estrelas da nossa vizinhança”, complementa o professor José Dias do Nascimento Jr., coautor do trabalho.
Neste trabalho, com participação de Astrônomos da Columbia University, localizada em Nova York, nos EUA, foram analisadas espectroscopicamente 122 estrelas anãs-M pertencentes ao hemisfério sul celeste, numa zona de visualização contínua observada pelo TESS da NASA. Essas estrelas têm o benefício de possuir dados espaciais de altíssima precisão com os quais podemos medir seus períodos de rotação. Os pesquisadores obtiveram pelo menos um espectro óptico para cada objeto, usado para caracterizar a emissão cromosférica de Hα, um indicador comum para a força do campo magnético estelar. Isto foi sistematicamente medido nos 120 alvos.
Mais da metade de nossas estrelas têm pelo menos quatro espectros, o que nos permitiu aos cientistas explorar possíveis conexões entre a emissão de Hα e a variabilidade fotométrica. Com as informações rotacionais extraídas do TESS e esses dados de operação, nossa compreensão da atividade magnética e sua evolução em estrelas de baixa massa se tornou melhor — e, eventualmente, colocamos vínculos na caracterização da habitabilidade passada, presente e futura de planetas próximos, semelhantes à Terra que orbitam estrelas anãs-M.
O estudante de doutorado João Machado tem o foco da sua tese na análise de atividade, rotação, abundâncias e metalicidade das estrelas anãs-M. “Este estudo é fundamental para minha tese. Há quatro anos, quando comecei, estávamos interessados nestes aspectos. Porém, agora com dados espectroscópicos de grandes telescópios, o estudo que era incipiente e superficial se torna robusto”, avalia o coautor João Machado.
O professor José Dias do Nascimento ainda reforça a importância das lições aprendidas com os exoplanetas. “O Universo é um lugar peculiar e diverso, com muitos tipos de planetas. Alguns dos planetas que estamos descobrindo não existem no nosso quintal, o Sistema Solar. Os dados mostram ainda fortes evidências de que as estrelas anãs-M representam ao mesmo tempo o melhor e o pior lugar na vizinhança cósmica para abrigar vida fora do Sistema Solar”, conclui.
Fonte: Agecom/UFRN