Da casca do caju, um clarificador de água

Um grupo de cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) apresentou novo coagulante, que de acordo com os testes feitos e a eficiência comprovada, “se mostra melhor do que qualquer outro produto existente hoje no mercado”, diz a professora Tatiane Kelly Barbosa de Azevedo Carnaval, uma das inventoras envolvidas no desenvolvimento do novo produto. Antes de detalharmos a nova tecnologia, vou abrir um parênteses para falar um pouco sobre coagulante e floculação.

A floculação – ou seu sinônimo coagulação, é uma das etapas do tratamento de água em que se adicionam substâncias para a formação de flocos (sólidos de tamanho maior) que carregam a sujeira. Exemplos de aplicação são o problema da água turva que acontece recorrentemente em piscinas ou o aspecto barrento que a água das represas e rios apresentam. Em ambos casos, ocorreu um acúmulo de partículas com diâmetro pequeno, entre um e mil nanômetros, que provoca a aparência. Por causa do seu peso minúsculo, essas partículas ficam dispersas por toda a extensão da água, o que impede a sua remoção e, no limite, também o uso.

Para resolver a situação, um caminho eficaz é, justamente, utilizar coagulantes, substâncias que através de processos químicos e físicos, atuam como um ligante para estas “sujeiras” minúsculas. Com essa ação, as partículas se juntam e acabam formando blocos maiores e, assim, passíveis de filtragem. Comumente, esse processo é denominado de clarificação da água. Fecho aqui os parênteses.

Tatiane Azevêdo atua há aproximadamente 18 anos na extração, quantificação e diferentes aplicações dos taninos

A nova tecnologia desenvolvida por pesquisadores da UFRN está, intimamente, ligada a esse panorama e pode ser utilizada como fator de desenvolvimento regional, haja vista sua “matéria-prima”. O coagulante criado dentro da Universidade é feito de um extrativo vegetal do cajueiro, chamado taninos, modificado quimicamente. Esse tanino, cujo nome científico é Anacardium occidentale L., é extraído da casca do cajueiro, espécie nativa da Caatinga encontrada em abundância na região Nordeste – onde está mais de 98% da área de plantio do cajueiro do país.

Por isso, apesar de outras fontes de taninos vegetais estarem presentes no Brasil e na região  Nordeste, nenhuma delas iguala o cajueiro em área de plantio e disponibilidade anual de  resíduos de poda e renovação de cajuais, “sobras” que usualmente são vendidas como lenha  de  baixa categoria para uso, principalmente, em cerâmicas e agroindústrias. A funcionalidade que surge a partir dessa nova tecnologia pode ser mais uma fonte de renda para produtores.

Tatiane Azevêdo coloca que o passo inicial é extrair os taninos da casca do cajueiro. Em seguida, ocorre a modificação química desses taninos, o que propicia o seu emprego como floculante para a clarificação de água. “O floculante pode ser obtido a partir de resíduos de poda e de renovação de cajueiros, o que evidencia a característica de ser um produto de origem renovável, eficiente na remoção da turbidez da água e não agressivo ao meio ambiente em nenhuma das etapas de sua produção e utilização”, circunstancia a docente da Escola Agrícola de Jundiaí.

Amostra dos flóculos, após a decantação, formados a partir do produto

Ela idealizou a pesquisa que rendeu como fruto à invenção, esta objeto de um depósito de pedido de patente denominado “Floculante à base de taninos da casca de cajueiro (Anacardium Occidentale) e seu processo de obtenção”. Na iniciativa, a professora contou com a contribuição de Bruna Ferreira dos Anjos, orientanda no mestrado, Renata Martins Braga e Alexandre Santos Pimenta, professores que deram o aporte na caracterização química.

Eles frisam que os coagulantes naturais são uma alternativa para o tratamento da água bruta, pois possuem inúmeras vantagens em comparação aos coagulantes químicos. Os cientistas citam o aumento na vida útil dos filtros, diminuição no volume de lodo gerado, aumento da eficiência na remoção de cor e turbidez. “Os taninos possuem também a propriedade de não alterar o pH da água tratada. Um dos fatores importantes no uso de coagulantes biodegradáveis no tratamento de efluentes é a redução do odor desagradável, causados pela ação dos microrganismos associados aos sulfatos usualmente utilizados na floculação atualmente”, explica Bruna dos Anjos.

Atualmente morando em São Paulo, e, hoje, mestre pela Pós-Graduação em Ciências Florestais da UFRN, acrescenta que nos testes comparativos com dois produtos comerciais, o floculante à base de taninos de cascas de cajueiro mostrou o melhor valor de remoção de turbidez de água, reduzindo a turbidez da água em 95% a 99%, além de não promover mudanças no pH da água durante a floculação.

No Brasil, o coagulante mais utilizado é o sulfato de alumínio, obtido por meio da reação química entre o óxido de alumínio e o ácido sulfúrico e que comumente provoca irritação na pele e nas mucosas do nosso corpo. O acúmulo desses coagulantes convencionais nos lençóis freáticos apresentam sérios riscos, estando relacionado a doenças de coordenação motora, demência, Alzheimer e Mal de Parkinson. “Não bastasse, contém uma alta corrosividade, o que encurta a vida útil dos equipamentos e tubulações das estações de tratamento. A presença de cloro oriundo do cloreto férrico pode também causar corrosão tipo pitting, a mais destrutiva e incidente forma de corrosão”, acrescenta Tatiane Azevêdo.

Coordenando o Grupo de Pesquisa Produtos Florestais Não Madeireiros, a cientista salienta que o caminho para patentear a invenção foi natural e representa o resultado de anos de pesquisa. “Essa é uma parte do que fazemos, mas, ainda assim, mostra que a ciência e a pesquisa são a essência para o surgimento de novas tecnologias, as quais trazem, inclusive, alternativas ecologicamente corretas, sustentáveis e com promissor potencial econômico”, finaliza.

O pedido de patenteamento da invenção foi feito através da Agência de Inovação da Reitoria (AGIR), unidade dentro da UFRN responsável pela avaliação dos requisitos de patenteabilidade, tais quais a novidade, capacidade inventiva, aplicação industrial e suficiência descritiva. As notificações de invenção são feitas por meio do SIGAA, através da aba “Pesquisa”.

O Laboratório de Tecnologia da Madeira foi o local onde os experimentos aconteceram

O diretor da AGIR, Daniel de Lima Pontes, frisa que o depósito já permite que a tecnologia esteja disponível para o setor produtivo aproveitá-la para melhorar seus processos e fluxos de trabalho. “Inclusive, dentro da Agência temos um setor, especificamente, para facilitar a transferência das tecnologias, o qual realiza atividades de planejamento e promoção de ações para estimular o licenciamento de tecnologias da UFRN”, afirmou o diretor.

Além de avaliar os requisitos de patenteabilidade, cabe à AGIR a proteção e gestão dos ativos de propriedade intelectual da UFRN, como patentes e programas de computador. As orientações e explicações, em tempos de pandemia, a respeito dos aspectos para patentear uma determinada invenção são dadas por meio do e-mail patente@agir.ufrn.br ou via aplicativos de mensagens, pelo telefone 99167 6589.

Fonte: AGIR/UFRN

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