A indústria têxtil tem uma relevante representação econômica no país, superior a 5% do valor total da produção da indústria brasileira de transformação. No mundo, o Brasil está entre os dez maiores produtores mundiais de têxteis, com produção de quase US$ 13 bilhões em 2020. No Rio Grande do Norte, há tradição na área, bem como, algumas das principais empresas do país têm fábricas instaladas no estado.
Se, por um lado, produtos têxteis movimentam a economia, por outro, trazem a preocupação quanto ao impacto ambiental. Isso porque os resíduos da produção são caracterizados com alta carga poluidora de diversidade e complexidade química, sobretudo em virtude da presença de corantes, devido às etapas de tingimento e estamparia. A situação impede que esses efluentes produzidos pela indústria têxtil possam ser descartados no meio ambiente sem um tratamento prévio. Pensando nisso, um grupo de cientistas da UFRN desenvolveu uma forma de tratamento alternativa para esses efluentes, a partir de matéria-prima natural.
A invenção, inclusive, recebeu o patenteamento do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) no mês de fevereiro. Tereza Neuma de Castro Dantas, coordenadora do grupo, explica que a remoção de corantes acontece a partir de efluente têxtil através da Floculação Iônica, processo que tem os tensoativos como agente de separação. “Esses tensoativos são obtidos de matéria-prima natural como gordura animal ou vegetal, e são de fácil produção”, pontua.
Ela esclarece também que o processo tem como principais vantagens: um curto tempo de desenvolvimento, cerca de cinco minutos de contato, para efetuar a remoção do corante do efluente, o uso de baixas concentrações de tensoativo em comparação a outros processos que o aplicam como agente de separação, e proporciona uma eficiência de remoção de corante de 97%. “Muitos pesquisadores têm trabalhado para desenvolver processos que proporcionem bons resultados na remoção de corantes aliado a um baixo custo. Nesse contexto entra a contribuição desta patente, pois a floculação iônica alia uma ótima eficiência de remoção de corante com a utilização de matéria-prima de baixo custo, que são os tensoativos originados a partir de gordura animal ou vegetal. Assim, o presente invento objetiva solucionar os inconvenientes dos tratamentos apresentados através do desenvolvimento de um processo de tratamento para o efluente têxtil que consome pouca energia, aplicando materiais biodegradáveis, requerendo um curto tempo de operação e utilizando materiais de baixo custo”, destaca a ex-professora do Instituto de Química que, apesar de aposentada, ainda contribui com o desenvolvimento de pesquisas científicas.
O método de tratamento criado é resultado de um trabalho vinculado ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Química (PPGEQ), ao Laboratório de Tecnologia de Tensoativos (LTT), e ao grupo de pesquisa Tecnologia de tensoativos e processos de separação, que conta com a participação de Afonso Avelino Dantas Neto, Eduardo Lins de Barros Neto, Shirley Katia da Silva Nunes e Ricardo Paulo Fonseca Melo.
O grupo explica que, até o momento, os processos que utilizam tensoativos, e foram avaliados no tratamento de efluentes têxteis contendo corantes, trabalham em um sistema composto por duas fases líquidas. Como exemplos, há a extração por ponto de nuvem e a extração por microemulsão. Na floculação iônica ocorre a formação de flocos com caráter hidrofóbico, ou seja, com afinidade a matéria orgânica do resíduo. Essa afinidade faz com que os flocos se “liguem” facilmente e consigam remover o corante através da adesão da sua molécula à superfície deste floco. Segundo os pesquisadores, este novo cenário ainda tem muito a ser explorado.
“No nosso grupo, os estudos a respeito da floculação iônica continuam, visando a avaliar mais parâmetros que podem influenciar na remoção de corantes. Além disso, outros trabalhos que estão em desenvolvimento visam aplicar a floculação iônica no tratamento de diferentes tipos de compostos, como os produzidos na indústria do petróleo, e também avaliar a floculação iônica conjugada com outro processo de tratamento, como é o caso da extração líquido-líquido”, realça Teresa Neuman.
Patenteamento
Para o diretor da Agência de Inovação (AGIR) da UFRN, Daniel de Lima Pontes, a importância do patenteamento se reflete em quatro aspectos principais. O primeiro deles é propiciar a propriedade moral e financeira da tecnologia desenvolvida na Universidade. “A patente é o título de propriedade de um dado invento. Assim como a escritura é para o instrumento que reconhece a propriedade de um bem tangível, como um imóvel”, compara.
O segundo ponto é a importância que as patentes possuem na divulgação do conhecimento e auxílio na inovação, embora este viés seja ainda pouco explorado no Brasil por parte das empresas e instituições de pesquisa. “Um dos critérios para deferimento de um pedido de patente é a suficiência descritiva do relatório descritivo. Portanto, o inventor precisa informar os detalhes técnicos de como produzir o invento. Assim, após o período de sigilo do relatório descritivo, todos têm acesso à descrição, facilitando assim que outros pesquisadores estudem o invento em detalhes para assim propor novos incrementos tecnológicos”, explica o gestor.
Um terceiro aspecto é que a propriedade torna possível que apenas o titular ou terceiros com a sua permissão possam explorar economicamente o invento. Dessa forma, através do sistema de patentes é possível obter recursos financeiros para novamente investir no desenvolvimento de novas tecnologias ou incrementos. “Importante destacar ainda que o produto patenteado é mais atrativo para as empresas, uma vez que através de um processo de licenciamento com a Universidade, a empresa interessada pode ser a única a ter permissão para ofertar um dado produto inovador no mercado”, frisa o gestor.
Nesse ponto é importante fazer um paralelo com os artigos científicos. Por mais que um artigo científico tenha o poder de estabelecer a autoria de um dado trabalho, o mesmo não torna o que foi divulgado uma propriedade intelectual dos autores. Portanto, qualquer interessado pode utilizar aquela divulgação para explorar economicamente o que foi divulgado sem nenhuma obrigação financeira para com os seus reais inventores.
Por fim, o quarto aspecto é o reconhecimento da capacidade inventiva de um grupo de pesquisadores ou laboratórios no desenvolvimento de tecnologias em uma dada área do conhecimento, o que acaba sendo fator de atração para investimento de empresas interessadas em novos desenvolvimentos.
Para o procedimento de patenteamento, na UFRN, a equipe da AGIR oferece suporte para análise preliminar do pedido, auxilia na escrita do depósito, indica necessidade de possíveis alterações e realiza os trâmites burocráticos, tal qual pagamentos das taxas. Embora o atendimento presencial esteja reduzido, a unidade oferece dois canais de contato remoto, o número (84) 99167-6589 com a opção de atendimento via aplicativo de mensagens, e o e-mail [email protected].
Fonte: AGIR/UFRN