Uma das dez principais causas de mortes no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a diabetes mellitus é uma doença metabólica crônica que afeta milhões de pessoas em todo o planeta. Se a média atual for mantida, o número de casos pode superar a marca de meio bilhão em 2030. Diante das consequências a longo prazo e da diminuição da qualidade de vida ocasionadas, trata-se de um constante foco de atenção de profissionais da saúde e cientistas.
Naturalmente a desaceleração no ritmo de crescimento é o cenário ideal e deve ser estimulada, mas, ao mesmo tempo, é necessário buscar tratamentos mais eficazes para quem já convive com a diabetes. No Centro de Biociências (CB/UFRN), um estudo investiga o potencial da suplementação de creatina como uma terapia complementar àquelas específicas utilizadas tradicionalmente.
Publicado em janeiro deste ano na revista Nutrients (FI 5.7), um dos diferenciais do estudo está no aprofundamento das análises de aspectos bioquímicos e histológicos do pâncreas e dos rins, diretamente envolvidos na fisiopatologia da doença. A pesquisa demonstrou em modelo animal uma significativa redução da glicemia, entre 15% e 20%, quando comparada aos indivíduos diabéticos não suplementados.
“Utilizamos um modelo experimental de ratos com diabetes induzida por estreptozotocina, bastante utilizada em estudos científicos, que se assemelha a diabetes mellitus tipo 1. Verificamos que a suplementação com creatina pode contribuir para uma atenuação dos parâmetros bioquímicos, ajudando na redução da glicemia, principal sintoma da doença”, explica o professor do Departamento de Bioquímica da UFRN e um dos autores do artigo, João Paulo Lima.
Ainda foram encontrados outros indicativos positivos para a creatina. De acordo com os dados descritos no artigo, houve uma importante redução dos níveis de ureia sanguínea, manutenção dos níveis intracelulares de peróxido de hidrogênio e na atividade de enzimas antioxidantes.
“Esses parâmetros demonstram que a diminuição das respostas antioxidantes da célula provocadas pela diabetes foram significativamente revertidas no tecido renal. Tais resultados são muito representativos do potencial desse composto como uma terapia adjuvante ao tratamento”, afirma o professor.
Se atuou bem na diminuição da glicemia, a suplementação, por outro lado, não reduziu as alterações nos tecidos pancreático e renal. Adicionalmente, alguns desses achados clínicos foram observados apenas em animais suplementados (não-diabéticos). Tal fato, avalia João Paulo Lima, demonstra que esta pode levar a efeitos isolados, por conta apenas do uso da creatina, ou cumulativos, ao se somar às consequências da diabetes.
“É importante ressaltar que os animais diabéticos não receberam qualquer intervenção terapêutica para a doença, além da suplementação com creatina. Ou seja, o composto não é per si um tratamento para a doença. Seu potencial de uso seria como adjuvante ao tratamento clínico para casos específicos. Mesmo assim, não deve ser utilizado para qualquer fim sem indicação médica”, alerta o pesquisador.
Mesmo com os dados mostrando indicativos positivos como terapêutica complementar, os autores do trabalho ainda não recomendam sua aplicação no tratamento de diabetes em humanos. Na avaliação do grupo de pesquisadores, antes é necessário aprofundar mais os estudos e avaliar os benefícios e efeitos de suplementos em doenças metabólicas e complexas como esta.
“Apesar de os nossos resultados terem demonstrado tal potencial adjuvante, sua utilização para este fim não é recomendada em humanos. Os efeitos cumulativos ainda precisam de caracterização adicional, com outros parâmetros e em outros órgãos. A creatina é um suplemento ergogênico utilizado por atletas para a melhora da performance. Mesmo este último uso deve ser com recomendação e supervisão de profissionais competentes para tal”, adverte o professor.
Nesse sentido, os próximos passos da pesquisa devem ampliar a investigação dos efeitos da suplementação de creatina. Se neste artigo foram avaliados como ela age sobre rins e pâncreas, os cientistas pretendem, nas etapas seguintes, dar continuidade às análises histológicas e bioquímicas em amostras de outros tecidos já coletadas durante o atual trabalho.
“Temos material genético para futuramente, a depender de novo fomento, com o qual ainda não contamos, realizar um estudo do transcriptoma [RNA-Seq] desses tecidos, para avaliar a expressão gênica e assim investigar os mecanismos moleculares pelos quais a suplementação com creatina atua na melhoria dos parâmetros bioquímicos”, conclui o pesquisador.
O artigo Efeitos da suplementação de creatina em parâmetros histopatológicos e bioquímicos nos rins e pâncreas de ratos com diabetes induzida por estreptozotocina é fruto da pesquisa de duas dissertações de mestrado de Meline Gomes Gonçalves e Matheus Anselmo Medeiros. Sob orientação do professor João Paulo Lima no Programa de Pós-Graduação em Bioquímica e Biologia Molecular, ambos dividem a primeira autoria da publicação.
Assinam também o artigo Lúcia Pedrosa, professora do Programa de Pós-graduação em Nutrição (PPGNUT/UFRN), Licyanne Lemos, egressa do mestrado em Nutrição da UFRN, Pedro Paulo Santos e Bento Abreu, docentes do Departamento de Morfologia (DMOR/UFRN). O desenvolvimento da pesquisa contou ainda com apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PPg/UFRN).
Fonte: Agecom/UFRN