Projeto discute bioética no mundo virtual

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Por volta do século V (401-500), filósofos como Sócrates e Platão já discutiam o conceito e a função social da ética. Responsável por englobar os princípios que regem a vida e a conduta humana em comunidade, esse termo  permanece  estimulando debates e ganhando novas facetas. Entre elas, a bioética, tema de projeto de extensão da Escola Multicampi de Ciências Médicas (EMCM/UFRN). Aliando a pesquisa conceitual sobre o termo à sua aplicação no mundo virtual, a iniciativa pretende avaliar as influências da rede social no comportamento dos sujeitos e favorecer a formação de profissionais médicos mais empáticos, críticos, autônomos e resolutivos.

Hécio Henrique Araújo de Morais, professor na EMCM e coordenador do projeto, argumenta que a pandemia da covid-19 “escancarou” a necessidade de adaptação da educação aos novos tempos. A consequência disso é a exigência de enxergar as redes sociais como aliadas da educação e formação profissional, mas tendo em consideração a capacidade de transformação dessas ferramentas em algo prejudicial à humanidade. “Foi nesse ambiente que surgiu o projeto de extensão Bioética real no mundo virtual, resultado da provocação de alunos e professores de diversas áreas envolvidos no projeto pedagógico da Escola Multicampi de Ciências Médicas (EMCM), em Caicó”, comenta.

Atualmente, a atividade é desenvolvida pelos alunos e direcionada à produção e disseminação de conteúdos sobre bioética no Instagram. Hécio explica que esse campo  tem caráter interdisciplinar e perpassa diversos saberes, como Antropologia, Religiosidade, Filosofia, Direito e Ciências da Saúde. “A bioética já foi definida por diferentes autores como ciência, disciplina e movimento. Independente da palavra escolhida para a sua definição, o termo foi inicialmente cunhado por um teólogo protestante alemão, chamado Fritz Jahr, ainda na década de 1920, tendo naquele momento uma preocupação com a ação do homem sobre a natureza”.

Ele esclarece que esse momento foi posterior à primeira Revolução Industrial e já mostrava a essência negativa da ação humana sobre as vidas vegetais e animais. Mas foi apenas em 1960, com o bioquímico americano Rensselaer Potter, que o conceito interdisciplinar aproximando ética e ciência foi proposto, isso porque o pesquisador temia a possibilidade de extinção do ser humano na Terra. “Lembremos que estávamos em plena Guerra Fria, com União Soviética e Estados Unidos da América armados até os dentes com milhares de ogivas nucleares e a um passo da hecatombe nuclear”, resgata Hécio.

O avanço, no entanto, aconteceu para além da indústria bélica e adentrou o campo da medicina, no qual a bioética influencia na resolução de conflitos ético-morais, seja no tratamento clínico ou na relação mantida pelos médicos com os pacientes. Entre os temas que permeiam esses embates, estão: suicídio assistido, eutanásia, aborto, uso das células tronco e direito dos animais. Hoje, com a ascensão do mundo virtual, eles podem ser disseminados em formatos e contextos variados, o que exige a promoção de debates responsáveis, acessíveis  e respaldados em evidências científicas.

A iniciativa Bioética real no mundo virtual é de quatro alunos do curso de Medicina da EMCM e, além da coordenação do docente, recebe a orientação do professor Eudes Euler de Souza Lucena. “A ética na publicação científica, a questão atual da vacina contra a covid-19, os direitos dos usuários dos serviços públicos e privados de saúde, a manipulação genética para a cura de doenças no momento da fecundação, o transplante de órgão e o uso de redes sociais para o bem ou o mal da humanidade são alguns dos temas abordados pela bioética e no nosso projeto de extensão”,  observa Hécio.

A experiência formativa dos alunos

Virgínia Raquel dos Santos Lucena cursa o 5º período de Medicina e explica que o projeto foi uma oportunidade de trabalhar, de forma transversal e aprofundada, temas da bioética não  abordados na Universidade, mas que fomentam questões sobre valores importantes para o seu futuro profissional. Ela chama atenção para o fato de os conteúdos da medicina serem constantemente atualizados, com técnicas cada dia mais especializadas e complexas que expõem a necessidade de se lidar com novos dilemas éticos e assumir uma postura compatível com os ideais da profissão.

A estudante de 21 anos ingressou no projeto em janeiro deste ano e conta que seu momento mais marcante foi o contato inicial com o livro Bioética, Direito e Medicina, de Claudio Cohen e Reinaldo Ayer de Oliveira. “Foi uma leitura que me introduziu a ‘confrontos’ éticos a que até então não havia acessado ou refletido de maneira tão profunda, abordando temas como o transplante, aborto, genética, terminalidade, neonatologia, saúde mental, entre outros de extrema importância para minha evolução profissional”, afirma.

Um pouco mais à frente no curso, Hilquias Costa, 25, partilha experiências semelhantes às de Virgínia. Aluno do 7º período, ele entrou no projeto este ano, mas acompanha o trabalho da iniciativa desde a sua fundação em 2020. “A convivência diária com alguns temas importantes para a prática médica e de qualquer profissional da saúde, de uma maneira muito simples e leve,  impacta de certa forma a nossa formação acadêmica”. Ele ressalta ainda que o trabalho desenvolvido pela iniciativa no Instagram permite aos usuários a extração de informações relevantes, seguras e embasadas.

Na perspectiva de Mateus Araújo Medeiros, estudante do 3º período de Medicina, entender a bioética é enxergar que os preceitos éticos vão além da prática científica. Ele participa do projeto há poucas semanas e reconhece que a atividade o tem feito entender o impacto da medicina e da bioética no desenvolvimento do conhecimento científico. “Lendo as publicações do Instagram (do projeto), houve vários momentos que me chamaram atenção, principalmente, para a necessidade dos comitês de ética e bioética na produção científica responsável”, destaca.

O estudante atenta para que, no período do terceiro Reich alemão, com o nazismo  e os campos de concentração, existia um fazer científico sem nenhum tipo de bioética e respeito aos direitos humanos e à individualidade das pessoas. “Então a gente percebe a importância da bioética, da neuroética, ética e cidadania na ciência”, complementa.

Imagem: Reprodução

Fonte: Agecom/UFRN

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