São 22h da noite na vida real e o tocar do despertador do meu celular me alerta que eu provavelmente já deveria ter parado de jogar Monster Hunter Rise há algumas horas. Mas a chegada da aguardada luta com Magnamalo — o monstro perigosíssimo com características tanto de um tigre quanto de um dragão que aterroriza a vila Kamura há mais de 50 anos — me faz decidir permanecer na frente da TV por mais alguns bons minutos.
É que, como um jogador com certa experiência com a saga da Capcom, enfrentar o monstro que estampa a capa de um Monster Hunter é sempre um momento especial e cheio de adrenalina. E após o embate épico, devo dizer que esta luta em particular acabou se tornando um dos meus momentos favoritos do título, confirmando de um modo geral todas as expectativas que eu tinha sobre Rise e a sua chegada ao PC após a elogiada estreia no Switch no ano passado. Portanto, caro leitor, lhe convido a vestir a sua melhor armadura e me acompanhar nesta análise a seguir.
Caçadores de monstros
Caso você não esteja muito familiarizado com a série Monster Hunter, aqui vai uma breve introdução, que julgo ser oportuna dado o lançamento de Rise: nascida em 2004 com o título homônimo para PlayStation 2, a franquia da Capcom logo se destacou entre os lançamentos da época pela sua proposta única, na qual os jogadores personalizavam e assumiam o controle de um caçador de monstros.
Em um universo fictício onde a civilização humana ainda não obteve muitos avanços tecnológicos e criaturas tão fantásticas quanto perigosas rondam a Terra, os caçadores são figuras extremamente importantes, pois zelam pela segurança e a paz das comunidades em que habitam, provendo defesa, recursos e a esperança de dias melhores.
Apesar de relativamente simples, a ideia se tornou um absoluto fenômeno no Oriente, especialmente com o lançamento de Monster Hunter Freedom (PSP) em 2005, que se tornou o primeiro jogo a vender 1 milhão de cópias para o portátil da Sony. Em 2013, época do lançamento de Monster Hunter 3 Ultimate (Wii U/3DS), a série já havia alcançado 22 milhões de cópias vendidas, mas ainda era encarada como um jogo cult por estas bandas, principalmente devido à dificuldade imposta aos novos jogadores.
Esse cenário mudou em 2018 com a chegada de Monster Hunter World (Multi), que rompeu com diversas tradições estabelecidas da saga ao mesmo tempo que proporcionava um início adequado para os novatos na série. Com mais de 20 milhões de cópias vendidas de World e o aguardado sucesso no Ocidente finalmente alcançado, era óbvio que os olhares se voltariam ansiosos para o próximo lançamento da saga. E é aí que entra a estrela de nossa análise.
Lar, doce lar
A primeira coisa que deve ser dita é que Monster Hunter Rise não é uma sequência de Monster Hunter World. O que temos aqui na verdade é uma evolução natural dos títulos portáteis da saga, como o mais recente Monster Hunter Generations Ultimate (Switch). Não obstante, Rise traz consigo algumas das inovações mais importantes de World, como largos e amplos mapas para exploração — dê adeus às telas de carregamento entre áreas dos títulos portáteis anteriores.
Na prática, assim como os outros Monster Hunters, Rise é um RPG de ação em terceira pessoa com foco no combate. Como o caçador da pequena, mas aconchegante Vila Kamura, você é o responsável pela defesa e prosperidade da aldeia, que se vê ameaçada pelo misterioso evento conhecido como “Frenesi”, no qual uma gigante manada de diferentes monstros começa inesperadamente a destruir tudo em seu caminho.
Anos atrás, o último Frenesi quase acabou com Kamura. Desta vez, como um caçador reconhecido pela guilda, repousa em seus braços a esperança da vila de repelir a manada e acabar com Magnamalo, a temível e poderosíssima criatura que se aproveita do rastro de destruição deixado pelo evento.
Mas apesar do elenco carismático (destaque para as gêmeas Hinoa e Minoto) e de carregar uma moral interessante que é revelada aos poucos ao jogador, a história de Monster Hunter Rise não é um dos pontos fortes do título, servindo na realidade como pouco mais do que um pano de fundo para os épicos confrontos característicos da franquia. E nesse ponto (que sendo sincero, é o mais importante) a obra da Capcom não decepciona.
Animais fantásticos e onde habitam
Apesar de ser um RPG de ação, Monster Hunter Rise não conta com alguns recursos característicos do gênero, como níveis e experiência (EXP). Seguindo as tradições da série, a progressão in-game é dividida entre dois hubs — aldeia e área de encontro —, onde é possível pegar missões de acordo com o seu “rank”, delineado por estrelas.
Quanto mais estrelas identificarem uma missão, mais difícil ela será. Como um caçador recém-admitido na guilda, você iniciará pelas missões de uma estrela, que não envolvem tarefas tão perigosas. Complete todas e você poderá avançar. A partir das três estrelas, porém, qualquer descuido já pode ser fatal, resultando no tão indesejado fracasso.
Na prática, esse sistema acaba funcionando muito bem, servindo como um longo tutorial e evitando possíveis frustrações. Se alguns confrontos de Monster Hunter Rise podem ser comparados aos de um jogo do gênero soulslike, por exemplo, a única maneira de chegar a esse ponto do título é superando todos os confrontos anteriores — uma mecânica sutil que assegura que o jogador está sempre pronto para encarar o próximo desafio.
A questão da ausência de níveis e pontos de experiência é um dos pontos mais interessantes da franquia, pois liga a evolução do jogador a uma evolução de fato. Se você está caçando monstros mais difíceis, é porque suas habilidades e reflexos evoluíram. Do mesmo modo, é impossível montar uma armadura mais robusta se você não for atrás e juntar os materiais dela na natureza por conta própria, como um bom caçador o faria.
Essa dinâmica acaba tornando o ciclo de jogabilidade de Monster Hunter Rise extremamente viciante. Após vencer um desafio, o jogador provavelmente se voltará para o próximo, para saber até onde pode chegar. E assim, em algum momento, ele se verá caçando criaturas com o triplo ou o quádruplo do tamanho dele, em longos combates dignos de uma epopeia.
É preciso mencionar também a atenção dispensada aos monstros. Pra mim, a grande sacada de Monster Hunter Rise é o fato do título fazer com que todas essas criaturas virtuais pareçam vivas de fato. Assim como você, elas estarão lutando pela sobrevivência, fugindo quando necessário e pressionando quando acharem que você deu uma brecha. E por isso, há algo realmente especial em elaborar uma armadura daquele monstro tão difícil. Significa que você, de fato, triunfou sobre a natureza.
Agilidade e personalidade
Se o loop de caçadas e confecção de armaduras não mudou tanto em comparação com os títulos anteriores, Monster Hunter Rise traz algumas novas ferramentas para os heróis de plantão. A primeira delas é o Cabinseto (Wirebug, em inglês), que traz uma série de funcionalidades consigo.
Como criaturas elásticas que não requerem apoio e podem ser lançadas no ar na forma de um cabo puxando o usuário, Cabinsetos podem ser utilizados para se locomover rapidamente, tanto na horizontal quanto na vertical. Na prática, esse pequeno recurso acaba por trazer muito mais dinamismo à jogabilidade da série. Você foi arremessado por um monstro e precisa se distanciar o mais rápido possível? Utilize um Cabinseto e deixe seu inimigo lhe procurando enquanto você recobra os sentidos. É até possível utilizá-lo para escalar paredes e localidades aparentemente inacessíveis, expandindo os conceitos de verticalidade vistos primeiramente em Monster Hunter 4 Ultimate (3DS).
Também é possível usar seu Cabinseto para atacar — cada uma das 14 classes de armas possui movimentos especiais que fazem uso do recurso para desferir golpes especiais. Use certa quantidade desses golpes e você poderá inclusive deixar os monstros em um estado “montável”, no qual poderá assumir o controle das criaturas por alguns instantes na batalha.
É sempre um espetáculo quando isso acontece, e um dos meus momentos favoritos na luta com Magnamalo foi quando eu usei o dragão Rathian contra a fera. Novamente, tudo isso reforça a sensação de estarmos imersos em um ambiente vivo e com as suas próprias leis.
Além disso, a adição dos Amicães (Palamutes, em inglês), resolve um dos grandes problemas da saga: a morosidade na movimentação. Por anos, movimentar-se nas arenas de Monster Hunter era uma tarefa que demandava mais tempo que o necessário por conta da velocidade do personagem. Com a estreia dos cachorros, que também servem de montaria, é possível explorar todo o ambiente com muito mais velocidade, inclusive coletando itens no processo. E algo especialmente divertido é correr atrás dos monstros montado em seu amigo.
Todos esses recursos fazem com que as caçadas em Monster Hunter Rise sejam as mais dinâmicas e divertidas que a série já viu. No passado, era comum se referir à série da Capcom como tendo uma jogabilidade “travada” ou “lenta” — uma verdade, embora parte da proposta do jogo. Com as novas adições e manutenção de recursos de World, porém, caçar monstros titânicos nunca foi tão prazeroso. Pra mim, esse é o grande mérito de Rise.
Caçada em alta resolução
Abordando agora os assuntos técnicos, Monster Hunter Rise conta com uma série de novos recursos em sua versão de PC. Ao abrir o menu de gráficos pela primeira vez, é possível perceber mais de quinze (!) opções individuais — um forte indício de que a Capcom levou a sério esta adaptação.
De todas as opções, a primeira que salta aos olhos é a possibilidade de escolher a resolução do título. Por mais que Rise possa ser considerado um dos títulos mais bonitos do console híbrido da Nintendo, é inegável que poder jogar esta aventura em uma resolução mais alta que 756p ressalta toda a bela direção artística do jogo.
O mesmo pode se dizer do desbloqueio da taxa de quadros — se no console a aventura da Capcom está limitada aos 30 quadros por segundo, aqui o teto para um jogo mais fluido é determinado somente por sua combinação de processador e placa de vídeo. Para efeito de comparação, com um setup munido de um Ryzen 5 3600 XT e uma GTX 1080 Ti, consegui jogar Rise em 4K e 60fps estáveis via V-Sync após abaixar uma e outra configuração, como o antisserrilhamento. O resultado foi tão positivo que rapidamente troquei o monitor pela TV para as sessões de jogatina.
Além disso, há suporte a ultrawide (21:9), HDR, texturas em alta resolução e até filtros visuais, como preto e branco, cinema e sépia. Embora na maior parte do tempo eu tenha optado pelo visual padrão, deixo aqui um destaque particular para o filtro “Terras Beligerantes”, que acabou proporcionando ao game um estilo muito interessante, me lembrando de Ghost of Tsushima (PS4).
Assim, os únicos recursos que senti ausência de fato foram de cross-save e cross-play com a versão de Switch. Seria muito interessante poder começar a jornada no console da Big N, por exemplo, e retomá-la no computador, ou, fazendo jus aos modos multiplayer do título, que continuam divertidos como sempre, combinar caçadas com jogadores que não tenham um PC.
Fazendo jus ao seu nome, Monster Hunter Rise eleva a longeva franquia da Capcom a novos patamares. Embora o cerne da proposta não tenha sofrido alterações drásticas quando comparado com os títulos anteriores da saga, as novas adições como o Cabinseto e os Amicães fazem deste o Monster Hunter mais ágil e mais prazeroso que já existiu, de modo que esta bem-vinda adaptação para os computadores só ressalta a qualidade geral de um dos melhores RPGs de ação dos últimos anos. Imperdível.
Prós
Número praticamente infinito de combinações de equipamentos e armas;
Altamente viciante;
Novidades como o Cabinseto tornam a aventura ainda mais dinâmica;
Recursos como escala de resolução e suporte à diversas taxas de quadros por segundo fazem desta versão de PC a rendição definitiva do título;
Trilha sonora cativante;
O sempre divertido multiplayer da saga estende a longevidade do jogo;
Suporte a português brasileiro (legendas).
Contras
A história ainda não é o ponto forte da franquia;
Novatos podem sentir-se confusos com a abundância de conteúdo e informações;
Sem cross-save e cross-play com a versão de Switch.
Monster Hunter Rise — PC/Switch — Nota: 9.5 Versão utilizada para análise: PC
Lúcio Amaral é jornalista e advogado pós-graduado em Direito e Processo Trabalhista. Certificado de Estudos Aprofundados em Psicanálise. Ganhador do II Prêmio de Rádio e Jornalismo em Saúde e Segurança do Trabalho, promovido pelo MPT em 2008.