Bactérias do bem

Um protótipo líquido ou em pó, com potencial para descontaminar resíduos industriais oleosos, foi criado por um grupo de pesquisadoras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Por atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, o desenvolvimento do novo produto deu origem a um depósito de pedido de patente no mês de dezembro de 2021.

Denominado Inoculante Biorremediador, a tecnologia é formada por uma mistura de bactérias capaz de remover óleo mineral e hidrocarbonetos derivados do petróleo em água contaminada. Essas bactérias acabam se alimentando do que é tóxico nos resíduos; em seguida, por falta de “alimento”, acabam morrendo também. Cientista coordenadora do grupo que deu origem ao inoculante, Lucymara Fassarella Agnez Lima explica que o resultado alcançado tem importância ambiental, social e econômica de formas direta e indiretamente interligadas. “É um biorremediador ecologicamente correto, não gera subprodutos tóxicos e possibilita tratar de forma combinada com outras tecnologias, caso seja necessário”, aponta a docente da UFRN.

Em relação ao uso, o produto traz em si algumas vantagens, como o modo de aplicação no próprio local de armazenamento e sem necessidade de corpo técnico especializado, contribuindo para a redução de custos de tratamento e a diminuição de riscos de acidentes ambientais, além de evitar gastos com transporte. Tudo isso em estrita observância aos parâmetros previstos pela Resolução 430/2011 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), documento que estabelece condições, parâmetros, padrões e diretrizes para gestão do lançamento de efluentes contaminados em corpos de água receptores.

Referência nacional na área, a professora Lucymara (ao centro) atua também como consultoria científica dentro da equipe – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

“O dispositivo promove autonomia no processo, pois possibilita o tratamento do efluente oleoso dentro da própria empresa geradora ou coletora de resíduos, eliminando o transporte e o risco de acidentes ambientais associados ao derramamento de óleo próximo a florestas e rios. O tratamento com o inoculante biorremediador patenteado visa ao tratamento do efluente, de modo a alcançar os parâmetros estabelecidos por órgãos ambientais, para o reaproveitamento de água. Interessante realçar que a solução traz inovação nas indústrias e um novo mercado de bioeconomia”, coloca Carolina Fonseca Minnicelli.

A pesquisadora identifica ainda que o inoculante atende diretamente a sete dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), entre eles: Água limpa e saneamento e Energia limpa e acessível. O grupo de inventoras autoras da patente é composto ainda por Marbella Maria Bernardes da Fonsêca, Rita de Cássia Barreto Silva-Portela, Kamilla Karla da Silva Barbalho e Júlia Firme Freitas.

A utilização das bactérias tem a vantagem de ser um processo biológico que permite a remoção total do contaminante sem que haja formação de subprodutos tóxicos e altos custos. Não bastasse, para o uso do Inoculante Biorremediador da patente, as cientistas empregam a estratégia da bioaumentação. “Assim, aceleramos a capacidade natural de bactérias ambientais em reduzir contaminantes por meio da introdução de microrganismos específicos e especializados na degradação do contaminante que se almeja reduzir”, contextualiza Carolina Minnicelli.

No laboratório, a equipe realiza recorrentemente teste de comparação para aumento da escala de produção – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Atuando na produção e controle de qualidade do protótipo para realização das provas de conceito em pequena e média escala em resíduos industriais oleosos de potenciais clientes, parte do grupo formou uma startup incubada na própria UFRN, a MicroCiclo, cuja atuação rendeu prêmios e reconhecimento fora do estado.

Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

O contexto para a comercialização do produto da patente é favorável em vários aspectos. Um deles é que a biorremediação é uma estratégia de implementação da biotecnologia ambiental. Trocando em miúdos, a biorremediação é uma técnica que consiste no uso de organismos vivos, minúsculos, selecionados para degradar contaminantes tóxicos em formas menos tóxicas. Para termos ideia, a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação referente ao período de 2016 a 2022 estabelece as ações de biorremediação como prioritárias e ressalta a necessidade de investimento em projetos que consigam colocar, no mercado, produtos de pesquisa, desenvolvimento e inovação em biorremediação.

Marbella e Carolina têm também a responsabilidade de, atualmente, realizar contatos comerciais com potenciais clientes – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

“A tecnologia está no estágio de prototipação, e o protótipo vem sendo testado em diferentes efluentes industriais com parceiros comerciais interessados em aplicar a solução. O objetivo é otimizar a metodologia de validação da eficiência do produto e, assim, conseguirmos melhorar ainda mais a relação custo e benefício”, frisou Marbella Maria Bernardes da Fonsêca. Uma das características singulares da nova tecnologia, a utilização de diferentes bactérias que atuam em cooperação, requer esses procedimentos – utilizando um conhecimento já enraizado no grupo de pesquisa.

Rita de Cássia Barreto Silva-Portela, cientista que tem entre outras atribuições a de  executar o controle de qualidade da formulação, sublinha que a patente deriva de um conhecimento gerado na Universidade, após anos de pesquisa e desenvolvimento em microbiologia do petróleo. As pesquisadoras que integram a equipe foram discentes de mestrado ou doutorado nos programas e Pós-graduação em Genética, Pós-graduação Bioquímica e Biologia Molecular, Biotecnologia – Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO) e Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamento, todos pela UFRN.

A junção da expertise ocorreu no grupo do Laboratório de Biologia Molecular e Genômica da UFRN, vinculado ao Centro de Biociências. Com projetos realizados e fomentados por agências financiadoras, houve o isolamento de microrganismos com capacidade de consumir petróleo e derivados. Para Kamilla Karla da Silva Barbalho, “a criação da Microciclo, com o desenvolvimento da mistura adequada das quatro bactérias, com a formulação do protótipo e a validação do mesmo no mercado, é também um aspecto que favorece a comercialização do produto”.

Nesse contexto de transferência da tecnologia para o setor produtivo, as cientistas defendem a figura da patente como um meio de divulgação de conhecimento científico e tecnológico, cujas inovações registradas têm potencial valor comercial, justificando a proteção por legislação específica, a validação por avaliadores capacitados e o registro de autoria ou propriedade do conhecimento.

Para os cientistas que têm interesse em patentear alguma invenção, a UFRN mantém um canal aberto ininterruptamente através da Agência de Inovação (AGIR) . A equipe da unidade oferece suporte para análise preliminar do pedido, auxilia na escrita do depósito, indica necessidade de possíveis alterações e realiza os trâmites burocráticos.

Fonte: AGIR/UFRN

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