Infecções causadas por fungos são muito comuns entre os humanos e animais. O que muitos não sabem é que tais enfermidades podem ser consideradas as mais difíceis de serem controladas devido à facilidade de propagação dos fungos e ao aumento da população imunocomprometida. Um outro grande desafio nesses tipos de tratamento é o elevado número de reações adversas ocasionadas pelos fármacos antifúngicos utilizados na terapêutica. Um deles, a anfotericina B, é utilizado há mais de meio século e se apresenta como um antifúngico de amplo espectro, cuja indicação é recomendada para a maioria das infecções fúngicas sistêmicas. Além disso, a substância é utilizada para doenças parasitárias como a leishmaniose.
Isso tudo apesar de suas reações adversas: a anfotericina B apresenta notória limitação relacionada à sua administração, sendo a hepatotoxicidade (o que pode levar a perda de funções do fígado) e a nefrotoxicidade (capaz de causar efeitos negativos na função renal) as principais delas. Para contornar essas limitações, alternativas são utilizadas, como a associação a outros fármacos, a veiculação da anfotericina B em carreadores lipídicos ou a utilização conjunta da substância a produtos de origem natural.
E é nessas alternativas que um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) acaba de desenvolver e aprimorar um novo sistema farmacêutico em escala nanométrica, portanto de tamanho extremamente reduzido, do tipo nanocápsulas furtivas. “Elas são revestidas com polímeros específicos, que se desmancham naturalmente, e que, tecnicamente, são da família dos poli aliquilcianoacrilatos. O dispositivo tem o potencial de promover a associação do óleo de copaíba e de fármacos com propriedades antifúngicas e antiparasitárias, como é o caso da anfotericina B”, contextualiza Talita Azevedo Amorim.
Estudante do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF) da UFRN, ela esteve à frente da concepção, desenvolvimento do sistema e do processo de obtenção. Ao seu lado, no grupo de cientistas envolvidos, estão Francisco Humberto Xavier Júnior, Eryvaldo Sócrates Tabosa do Egito, Douglas Dourado Oliveira, Lucas Amaral Machado e Éverton do Nascimento Alencar, em uma parceria que envolve também a Universidade Federal da Paraíba, cotitular do invento, cujo depósito de pedido de patente aconteceu no final do mês de novembro.
O grupo acrescenta que o sistema foi desenvolvido com o objetivo de tratar infecções fúngicas e parasitárias, como a leishmaniose, em substituição aos tratamentos já existentes. Um diferencial apontado é o fato de, ao veicular em um dispositivo do tipo nanocápsulas com capacidade furtiva, o fármaco modelo tem aumentada a velocidade em que ele entra na circulação do corpo e alcança o local em que deve atuar, situação denominada de biodisponibilidade, que implica a redução da toxicidade.
Outro diferencial é a sinergia das atividades terapêuticas propostas, que pode ser estabelecida entre a associação do óleo de copaíba e a anfotericina B encapsulados no dispositivo nanotecnológico, permitindo reduzir a dose terapêutica. Não bastasse, o sistema é capaz de promover proteção ao óleo melhorando propriedades como odor, sabor e textura.
“Além disso, é interessante realçar que as nanocápsulas produzidas têm a capacidade de se camuflar do sistema fagocitário mononuclear, que tem a responsabilidade por grande parte da imunidade celular, atuando na defesa do nosso organismo contra, por exemplo, corpos estranhos. Como consegue prolongar o tempo de circulação das nanocápsulas na corrente sanguínea, por permanecer mais tempo em meio biológico, a biodisponibilidade das nanocápsulas aumenta e reduz os efeitos tóxicos da anfotericina b”, destaca Talita Amorim.
Maranhense, Talita Amorim veio para Natal no início de 2019. Ainda no início do mestrado, após o começo da pandemia, precisou passar um tempo fora do estado para realizar parte dos experimentos. Com defesa da dissertação marcada para fevereiro, ela lista que o estudo também vai render um artigo com o acréscimo de alguns dados. Sobre a tecnologia da patente, cujo uso abrange as áreas farmacêutica e veterinária, a mestranda ressalta que a invenção se encontra em estágio inicial.
“Foram desenvolvidas nanocápsulas funcionalizadas com albumina contendo o óleo de copaíba em seu interior, adicionado a ele o fármaco anfotericina B. Além disso, foi realizada a otimização do sistema, caracterização, estudos de funcionalização e comportamento em meio biológico e estudos termodinâmicos. Os próximos passos serão a realização de estudos de toxicidade e a atividade terapêutica”, descreve.
O depósito de pedido de patente é o primeiro passo para garantir direitos de comercialização exclusiva, por um determinado período, de uma nova invenção com aplicação industrial. Os pedidos de patentes e as concessões já realizadas estão na Vitrine Tecnológica da UFRN, disponível para acesso no site da Agir, mesmo local em que os interessados obtêm informações a respeito do processo de licenciamento.
O depósito em si já propicia a alternativa de transferência de tecnologia, com as proteções estabelecidas na legislação. “Na UFRN, temos uma vitrine tecnológica com quase 300 pedidos de patente que podem ser fruto de parcerias público-privadas, por exemplo, na qual os investidores podem ter vários benefícios ao associar-se à universidade, como o know-how e a expertise que nós detemos em vários âmbitos”, afirmou Daniel de Lima Pontes, diretor da Agência de Inovação (AGIR).
Dentro da Universidade, a Agência é a unidade responsável pela proteção e gestão dos ativos de propriedade intelectual, como patentes e programas de computador. As notificações de invenção, passo inicial de todo o processo, são feitas por meio do Sigaa, na aba “pesquisa”. Em seguida, a equipe da AGIR entra em contato com o inventor para dar prosseguimento aos tramites. “A patente garante aos inventores e pesquisadores a proteção da ideia concretizada. Assim, nos permite a transferência de tecnologia para a indústria, sendo esta etapa de grande importância, pois irá disponibilizar para a população uma terapia nova e mais vantajosa para o tratamento de infecções fúngicas sistêmicas e parasitoses”, salienta Talita Amorim.
Fonte: Agecom/UFRN