Novo artigo mostra que 97% dos dados paleontológicos são gerados por instituições de países da América do Norte e Europa Ocidental. A finalidade da pesquisa foi investigar como o colonialismo científico e fatores socioeconômicos afetam a distribuição global de dados e de produção de conhecimento paleontológico. Isso porque o estudo dos fósseis, vestígios de animais e vegetais preservados em rochas, são essenciais para compreender o processo de evolução e adaptação da vida. A dificuldade, no entanto, está na insuficiência e desigualdade em torno dos registros fossilíferos, um reflexo das permanências do colonialismo.
O estudo vai ser lançado nesta quinta-feira, 30, na revista científica Nature Ecology and Evolution. Assinam o trabalho 6 pesquisadores de diferentes instituições ao redor do mundo. A responsável por representar o Brasil é Aline M. Ghilardi, Doutora em Ciências (Geologia, com ênfase em Paleontologia) e professora do Departamento de Geologia (DG), vinculado ao Centro de Ciências Exatas e da Terra (CCET/UFRN).
Para desenvolver a pesquisa, os autores utilizaram dados sócio-econômicos e de publicações científicas cadastradas na base de dados Paleobiology Database. A plataforma é amplamente conhecida pela comunidade paleontológica e serve como fonte para analisar padrões de biodiversidade do passado. Com esse auxílio, foi possível perceber que países ricos da América do Norte e Europa Ocidental, responsáveis por gerar a maior porcentagem de informações à paleontologia, também produzem conhecimento fora desses continentes e sem a colaboração de profissionais dos outros locais em que estão trabalhando.
Esse processo recebe o nome de “ciência paraquedista” ou “ciência parasitária”, e evidencia que o colonialismo também está enraizado na ciência. Enquanto países mais pobres têm seus dados e recursos naturais explorados, como é o caso dos fósseis, os desenvolvidos comandam o conhecimento gerado pelas disparidades socioeconômicas. Um exemplo disso é a liderança dos EUA que contribui com cerca de um terço dos materiais globais sobre paleontologia. Embora receba todo reconhecimento, o país alcança mais da metade desses registros fora do seu território.
O mesmo acontece com o Reino Unido, Alemanha e França, localizados entre os 15 países que mais contribuem com informações sobre fósseis no mundo. Em conjunto, os países desenvolvem 10% dessa matriz. Ocupando o mesmo ranking, a Suíça detém 86% das pesquisas em torno do tema. A maior parte desses resultados são alcançados para além das fronteiras dessas nações, adentrando os espaços de países como Mianmar, República Dominicana, Marrocos, Mongólia e Kazaquistão. Localizados no Sul Global, eles são o principal destino da “ciência paraquedista” praticada pela Europa Ocidental e pelos EUA.
O cenário de exploração dos países ricos em detrimento dos mais pobres legitima que fatores socioeconômicos e políticos controlam a produção de pesquisa paleontológica. Mas, além disso, os pesquisadores apontam que o legado colonial e sua dinâmica de poder é o que mais impacta esse campo de estudo. Regiões com maiores índices de desenvolvimento humano (IDH) favorecem o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) e investem mais em saúde, educação, pesquisa e desenvolvimento. Consequentemente, paleontólogos que vivem nesses locais desfrutam de ferramentas e recursos que contribuem para o crescimento de trabalhos na área.
A desigualdade dificulta, mas não impede que países fora do eixo estadunidense e europeu avancem na paleontologia. Nas últimas décadas, China, Índia, Argentina, Brasil e México aumentaram suas produções nessa ciência. Outra vantagem é que essas nações carregam riquezas paleontológicas que permitem o desenvolvimento de investigações e trabalhos locais. Aos olhos dos pesquisadores, a condução de pesquisas paleontológicas mais éticas e equitativas implica descolonizar as nossas práticas científicas e adotar ações mais inclusivas.
Com base nas conclusões do artigo, eles recomendam que a comunidade paleontológica fortaleça colaborações mais equitativas, éticas e sustentáveis; procure parcerias globais e igualitárias entre países ricos e comunidades locais em países de baixa renda; e aumentem o acesso ao conhecimento paleontológico em regiões mais pobres através do acesso à publicações científicas, investimento nas suas instituições, e repatriação de espécimes fósseis, ou seja, devolução desses materiais ao seu lugar de origem.
Fonte: Agecom/UFRN