Em frente ao espelho, dava o último retoque na maquiagem. Como será que ele é, além de inteligente e bonito? Perguntava a si mesma, com certa insegurança, segurando o rímel na mão. Engraçado… Porque não consigo gostar das minhas fotos do mesmo jeito que eu gosto quando tô de frente ao espelho? Minha amiga disse que já tinha lido isso em algum canto na internet. Efeito… efeito… Efeito de mera exposição! Algo assim, acho. Eu, hein?! Quero só ver as curtidas pra legenda embaixo: um chope com meu amigo. Vão ficar tudo com inveja! Beijou a face refletida e saiu. Babado!
À hora marcada, chegou e o procurou entre as mesas. Tirou o celular da bolsa e enviou uma mensagem: Oi, cheguei KDVC? Aguardou alguns segundos e seu celular vibrou. Tô aqui. Tb não te encontrei. Cada um havia dito como estaria vestido para o encontro. Ainda assim, se atrapalharam. Ali, naquela mesa, de costas! Deve ser ele! Nossa, como sou tonta. Já tinha passado perto daquela mesa e não tinha percebido que era “o meu amigo”!
Oiiiii!, disse ao mesmo tempo que acenava com a mão. Então ele se virou, para surpresa dela. Usava óculos, de grau bastante elevado. Era mais baixo do que ela. Percebeu quando ele se levantou e puxou uma cadeira para que ela sentasse. Ela detestava homens baixos. Ele também não encontrou aquela cintura das fotos do Instagram, nem aquele quadril, aquele seios avantajados, nem aquela pele sem indícios de sinais, rugas, manchas, translúcida, quase que de fada, mas um Pomo de Adão, e um tom um pouco grave na voz. Os dois, que conversavam tanto pelo direct, íntimos, ficaram sem jeito. Uma mecha de cabelo caiu na testa dele, revelando um pouco mais de sua calvície, mecha que ele colocava prontamente de lado. Pra disfarçar. …E aí, vamos de um chopinho?, perguntou ele.
Depois do primeiro gole, ela tomou a iniciativa. Ah, fala um pouco dos livros que você lê. Ela não conhecia muito de Nietzsche, Oscar Wilde, Rimbaud, Pablo Neruda. Mesmo assim, fez uma pesquisa na internet, pra ler só o resumo, e não ficar tão por fora. As fotos que ele postava sempre eram em livrarias, tomando café, segurando livros desses autores e de outros. Sempre postando alguma frase com o nome do autor embaixo. Ele tomou seu chope. Ficou alguns segundos calado, olhando para o vazio, depois olhou para ela. Porque falar disso agora, sobre a vida de outras pessoas, se podemos falar sobre nós mesmos? Filosofou, ao mesmo tempo que parecia querer sair de um aperto, de algo que o incomodava — então devolveu: Você já está clinicando? A pergunta se referia às brincadeira nas fotos de jaleco e estetoscópio que ela sempre postava. Em seu íntimo, o sonho de ser médica. Nem me fala, menino! Daqui a pouco tenho um plantão! Vou só terminar mais esse outro chope aqui e ir embora.
Na parada, do outro lado da sua, ele tentava disfarçar, quando subiu para pegar o ônibus. Não demorou muito e logo o dela também veio. Ela ficou observando seu próprio reflexo na janela do ônibus e rindo da situação. De que talvez a imagem de seus outros paqueras fosse tão real quanto os livros que seu amigo conhecia. Não é que ele é bonito? Percebeu os olhos do motorista pelo retrovisor. Não os tirava dela. Marcos era o nome dele. Trocaram WhatsApp. Dois meses. Marcos, enfim, era o companheiro ideal com quem sempre sonhou. Uma carteira sobre a estante. De quem é essa carteira? Acho que é do Marcos. Cartões de crédito. Camisinhas. Cédulas. Fotos. Marcos, uma mulher que ela não conhecia e duas crianças. A campainha toca.
Você esqueceu sua carteira. Marcos, do outro lado da porta, branco, responde:
Olha…sei… Sei que você deve ter encontrando umas coisas aí…uma fotos…mas eu só queria que você soubesse que eu amo você e…
Shhhhhh, bobinho. Fotos não vão me dizer quem você é… Eu não quero saber de foto. Eu também te amo!