Para onde vão os medicamentos vencidos da sua casa? Essa é a pergunta que preocupa e incentiva o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa em Alimentos e Medicamentos (Nuplam/UFRN), responsável pela redução de duas toneladas de resíduos hospitalares na capital potiguar. O resultado é fruto de um trabalho que funciona há cinco anos no Centro de Convivência da UFRN, onde uma instalação coletora atua no recebimento e descarte correto desses produtos. Para coordenar a iniciativa, a instituição conta com o apoio de alunos e docentes do Departamento de Farmácia (DFAR/UFRN), protagonistas na conscientização em torno dos riscos socioambientais do lixo medicamentoso.
Entende-se por resíduo hospitalar todo material descartado por estabelecimentos de saúde, como farmácias e ambulatórios, e que são divididos em cinco grupos: A (potencialmente infectantes), B (químicos), C (rejeitos radioativos), D (resíduos comuns) e E (perfurocortantes). O projeto da Nuplam atua diretamente na coleta dos resíduos farmacêuticos, incluídos no grupo B, mas, em virtude da pandemia, teve essa atividade paralisada. Até o retorno presencial, a iniciativa recomenda à população que guarde os medicamentos vencidos ou em desuso em um local seguro. Além disso, adverte que materiais como Blister vazio (utensílio de plástico/alumínio que armazena os medicamentos), frascos limpos, caixas e bulas de remédio podem ser destinados ao lixo doméstico. Para mais informações, acompanhe o perfil da ação no Instagram e sua página no Facebook.
A vice-diretora do Nuplam, Lourena Mafra, também professora do DFAR e coordenadora da ação, explica que o trabalho é vinculada ao projeto nacional Descarte Consciente e surgiu com o intuito de orientar e educar a população em um contexto no qual não existia legislação para responsabilizar empresas e farmácias quanto à coleta de medicamentos. “As pessoas não tinham onde fazer esse descarte e, através desse projeto, com o apoio do Nuplam, a gente iniciou essa parte de orientação da população falando dos riscos tanto ambientais quanto de saúde pública”. Isso porque o descarte de medicamentos no lixo comum, estejam eles vencidos ou não, pode contaminar o solo e a água e retornar negativamente em forma de doenças para a sociedade.
A professora afirma que o risco de saúde ocorre quando pessoas utilizam medicamentos de forma irracional, ou seja, ingerem o produto sem estarem com as condições previstas para o seu consumo. Já os perigos ambientais também se ligam ao fator da saúde pública, uma vez que, ao destinar resíduos como hormônios (anticoncepcionais) e antibióticos no lixo comum, existe a possibilidade de contaminação do lençol freático. A consequência disso é o surgimento de bactérias resistentes, super resistentes e peixes com características femininas pela presença dos hormônios nos mares. “Na literatura, existem vários dados que mostram que o descarte inadequado de medicamentos provoca essa série de danos”, enfatiza Lourena.
Ela continua esclarecendo que cada estação coletora precisa ter um responsável técnico, a fim de que os medicamentos não sejam utilizados erroneamente. No caso da implantada no Centro de Convivência, sua responsabilidade é realizar esse controle e fiscalização. Por outro lado, a parte de orientação e recebimento, suspensas em virtude da pandemia, é papel dos bolsistas e voluntários. Na sequência, após os medicamentos serem recolhidos na estação, eles são encaminhados para a Nuplam e separados de acordo com a classe terapêutica.
“Primeiro, fazemos uma catalogação para entender quais são as classes e, depois, a gente envia para a destinação correta que, no caso, é a incineração. Em seguida, incluímos esses medicamentos nos resíduos do Nuplam e ele paga essa destinação final por meio da empresa que é contratada pela universidade”, esclarece Lourena. Ela observa que, apesar da iniciativa receber o descarte de toda a população de Natal, os estabelecimentos de saúde não estão inclusos nessa parcela e permanecem com o dever de fornecer toda a logística na coleta dos lixos hospitalares em seus espaços.
Desafios e soluções
Mesmo com o êxito no processo de coleta, separação e destinação de medicamentos pelo Nuplam, o descarte consciente enfrenta desafios em escala nacional. Lourena adverte que o principal motivo é a falta de cumprimento do Decreto Federal nº 10.388, estabelecido em junho de 2020, que regulamenta toda a parte de logística reversa de medicamentos e responsabiliza as unidades comerciais, ou seja, drogarias e farmácias (incluindo as de manipulação) a recolher os produtos médicos que sobraram nas residências da população. Além disso, atribui às distribuidoras a função de transportar esses resíduos até um lugar secundário e às suas indústrias produtoras, a tarefa de executar a destinação final.
“Por vezes a gente vê na nossa estação coletora medicamentos de amostras grátis. As clínicas deveriam dar o destino correto a esses medicamentos porque devem cumprir a legislação e, por não haver essa fiscalização, o nosso projeto abarca a responsabilidade que não seria nossa, porque é para o descarte de medicamentos da população e não de clínicas e distribuidoras. Então esses estabelecimentos de saúde precisam ter o seu plano de gerenciamento de resíduos. Hoje, com o decreto federal, as farmácias teriam de ter a obrigação de apresentar minimamente uma estação coletora dentro de cada município para recolher esses medicamentos e devolver às indústrias que o produziram”, considera a docente.
Esse cenário é resultado da ausência de políticas públicas não apenas no cenário nacional, mas também estadual e municipal. De acordo com Lourena, essas instâncias não apresentam trabalhos voltados para informar a população sobre a vigência do Decreto nº 10.388 e da necessidade das farmácias coletarem medicamentos para realizar a destinação adequada. No combate a esse problema, o trabalho do Nuplam preenche as lacunas da desinformação e orienta a população a cobrar o cumprimento da legislação.
A construção profissional
Para os seus colaboradores, ele também é fonte de aprendizado e formação profissional. Em seus cinco anos de atuação, 90 alunos do curso de Farmácia (UFRN) já participaram da iniciativa.
Arthur Mora é um dos bolsistas que integram a equipe do projeto. Aos 22 anos, ele cursa o 7º período do curso de Farmácia e conta que conheceu a iniciativa durante o início das aulas, nas quais os alunos foram apresentados às atividades promovidas pelo Centro de Ciências da Saúde (CCS). Apesar do conhecimento prévio em relação aos resíduos hospitalares, foi somente após a entrada no programa que conheceu os impactos que eles poderiam causar. Na perspectiva do estudante, isso acontece pela falta de informação em torno do tema e pela ausência do profissional farmacêutico em alguns setores da saúde.
Em face a esse problema, Arthur aponta a importância de participar do descarte consciente do lixo medicamentoso. “No projeto, além das atividades de recolher e classificar os medicamentos, que nos permite um grande contato com os fármacos, nós também fazemos um trabalho de orientação sobre o uso racional de medicamentos, a fim de evitar outros possíveis malefícios”. Ele complementa observando que conhece lugares onde o descarte é realizado, mas sem orientação para a população.
Ciente do papel instrutivo do projeto, Hillary Oliveira reconhece que ele também tem sido fundamental para sua formação profissional. Em 2018, após um semestre cursando farmácia, ela conheceu a iniciativa em que atua até os dias de hoje. “Desde o meu início no projeto, venho desenvolvendo habilidades de lidar com o paciente, na parte de orientação farmacêutica, tirar dúvidas quanto aos riscos ocasionados pelo descarte incorreto de medicamentos. Além de conhecer várias classes e tipos de medicamentos, já que recebemos muitos”.
Além de participar da ação da Nuplam, Hillary atua em uma pesquisa de Iniciação Científica (IC) atrelada a esse trabalho, na qual o foco está na avaliação do nível de conscientização da população de Natal/RN em torno do descarte de medicamentos. Ela explica que os voluntários do estudo foram questionados sobre o conhecimento de outros pontos de coleta no município, além do instalado no Centro de Convivência, e eles citaram algumas farmácias. O problema, no entanto, é que ainda existe uma escassez de divulgação dessas iniciativas e os pontos de coleta não estão sendo suficientes para a demanda.
O desafio é grande, mas, para Cezimar Lourenço, a execução de uma estratégia bem planejada pode ser uma ótima solução. No final do curso de farmácia, o estudante de 44 anos afirma que as atividades do projeto têm contribuído muito para sua formação profissional, uma vez que, como formador de opinião, tem aprendido a transmitir seus conhecimentos para a população. “Não fazia ideia da real importância do descarte correto de medicamentos vencidos ou em desuso, com a entrada no projeto me deparei com os dados em relação à quantidade recolhida e o quanto deixamos de poluir nosso meio ambiente”, ressalta.
Além do conhecimento em torno do tema, a participação na iniciativa trouxe para Jorge Fonseca, de 22 anos, a capacidade de interagir nas relações interpessoais. “Acho que ter me envolvido no descarte, desde cedo, no curso, ajudou muito a me relacionar com pessoas diferentes dentro do projeto e, sobretudo, com a população que tive contato ao decorrer desse tempo”. O aluno do 9º período da graduação em farmácia esclarece que conheceu o trabalho da Nuplam em 2017, logo após sua entrada na UFRN. Antes disso, ele já imaginava que era errado descartar medicamentos em qualquer lugar, mas o impacto dessa atitude foi recebido apenas ao ingressar no projeto.
Na mesma fase da graduação que Jorge, Macelia Pinheiro compreende que o serviço da Nuplam atravessa diferentes aspectos da sua formação profissional. Aos 24 anos, a estudante de farmácia explica que o contato com a população permite que se possa atuar na instrução social a respeito de um tema extremamente importante, tornando mais humana. “Além disso, o descarte consciente de medicamentos me tornou uma pessoa mais consciente em relação ao meio ambiente e, ainda, me deixou com o olhar mais crítico sobre alguns pontos da medicação”, complementa.
Macelia confessa que antes de começar seu trabalho no Centro de Convivência, ela nunca tinha parado para pensar no que acontecia com os resíduos hospitalares. Ao ingressar no projeto, ampliou seu olhar e, inevitavelmente, o dos seus familiares e amigos para o tema. Para alcançar mais resultados como este, a voluntária acredita na efetividade de iniciativas como a do Nuplam, em campanhas midiáticas com apoio da comunidade acadêmica e na distribuição de mensagens de alerta nos corredores do campus da UFRN.
Fonte: Agecom/UFRN