Coração de pai

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Zé, da marcenaria, soube não? Aquele que gostava de tomar uma. Pai daquele menino esquisito que nunca falava nada. O Zé, homi, que se abria todo pros cliente e que pro menino era só grito. ALI, MENINO, ALI! Desculpa aí, viu?Esse menino parece que nem filho meu é! Ô menino enrolado! Lamentava, com um menear de cabeça, quando pedia alguma coisa pro menino fazer e o menino não fazia direito. Deve ser filho do outro, dizia o Zé, e todo mundo que tava lá na marcenaria jogando conversa fora ria, menos o menino, que ficava calado. E a língua do povo sabe que como é. E tanto que o Zé falava do filho que os amigos do Zé da marcenaria começaram a chamá-lo de Zé boi, e o Zé ria, achava graça–bêbado junto com seus amigos – e só o menino que ficava amuado, porque quando passava na rua os outros meninos faziam Muuuu! A mulher do Zé boi é que não tava gostando nada daquilo, e pediu respeito ao Zé, que só chegava bêbado. Foi então que o Zé deu umas bofetada nela e puxou ela pelos cabelo e disse que quem mandava na casa enquanto fosse vivo era ele. E foi então que o menino começou a ficar mais esquisito.

Na escola, os professores mandaram chamar a mulher do Zé boi porque o menino tava cada vez mais e mais isolado das outras crianças, não interagia com nada, com ninguém, e a mulher do Zé foi ficando em desespero e o Zé só dizia que era frescura do menino, então alguém sugeriu ao Zé boi que levasse o menino a um médico porque o menino começou a dizer que ouvia vozes, e o Zé começou a chamar o menino de doido, abestalhado, quando pedia alguma ferramenta e o menino trazia outra ferramenta que o Zé não pedia. E a mulher do Zé foi ficando em desespero. Aceitou Jesus. Levou o menino junto.

Lá disseram que no menino habitava Legião, porque eram muitas as vozes que o menino escutava, e nem todos os porcos do mundo foram suficientes para tirar as vozes da cabeça do menino, daí batizou-se no candomblé. Usavam orações e ervas no menino para afastar eguns e quiumbas – mas o menino continuava a ouvir vozes. Daí internaram o menino do Zé boi.

Lá no hospício foi que o menino começou a falar. Foi ficando, ficando, ficando. Não saiu mais. E os doido tudinho foram lhe dando ouvido. Uma vez esse menino fugiu de casa. Passou quarenta dias andando por aí. Encontraram ele todo sujo, cabelo grande, os pés preto, chega dava dó. Tava dormindo nas calçada. Disse que uma vez, quando tava na rua, um homi parou num carro e ofereceu as coisas pra dá pra ele, mas ele não quis, pode? Disse Vamo ali, eu dou o que você quiser, mas ele não quis.

Começaram a dizer que o menino fazia milagre lá dentro do hospício, e tudinho tava seguindo ele, e foi uma agitação danada porque nem mais os segurança tava dando conta do menino, e um dia a confusão foi tão grande que deu até polícia e televisão. Tomaram o hospício. Levaram o Zé boi e a mulher para falar com o menino pra ver se convenciam ele a acabar com aquela confusão toda antes que a choque entrasse. Vendo sua mãe que chorava, o menino disse: Mulher, por que choras? Quem procuras?  Zé boi também tentou falar com o menino, que respondeu: Você dizia que eu não era seu filho, lembra? Sim, você estava certo. Todo esse tempo esteve sempre certo. Não sou seu filho. Seu coração nunca o enganou. A mulher do Zé boi saiu de lá arrastada. Homi, foi então que o pelotão de choque entrou…

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