Os bichos

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A vida no interior era de aventuras. Por isso Paulinho adorava quando o pai o levava nos feriados ao interior para visitar a tia e ele se encontrava com os primos. Caçar, pescar, andar a cavalo, ou no lombo dum jumento, coisas que não tinha na capital e que achava um luxo que seus primos não se davam conta. Vamos ali? Chamou seu primo, com certa malícia, naquela manhã, quando o sol já ia alto, pronto a mostrar a Paulinho mais da vida agreste que tanto o fascinava, da mesma forma como também ficava fascinado com shopping centers e cinema.

Atravessaram os dois a mata – pois haviam colocado armadilhas para preá – e, decididos a saírem dali de repente, caminharam por algumas léguas, levantaram cercas de arames farpados e foram dar num enorme galpão sujo. Ficaram parados na entrada principal, observando dois homens conversando em pé e um garoto, da idade deles, esmerando uma faca. O chão coberto de poças de sangue e moscas, e um anel de ferro preso ao chão. De repente, lá fora, na entrada oposta, gritos e mugidos. Era o boi.

Um homem havia amarrado uma corda grossa aos cornos do bicho e passado por baixo no anel chumbado ao chão. O boi oferecia resistência. Sabia o que o aguardava. A força do homem foi pouca para conseguir se opor à tração do animal, que mugia alto. Os outros dois homens se juntaram ao que segurava a corda. Veio um quarto. O animal era desses bem pesados. O garoto que amolou a faca ria lá do seu canto. Assim como o primo de Paulinho. Enquanto o bicho mugia mais alto, se assemelhando a um grito, e resfolegava.

Os homens então conseguiram. Puxaram os cornos pela corda grossa. E a cabeça ficou na altura. Passaram por outro anel e deram um nó. Um deles dobrou as mangas da camisa suada. Fez sinal para o garoto, que entregou o barrete.

POW!

A primeira pancada afundou a testa do boi. Ele caiu. O chão estremeceu com seu peso. Mas o bicho, insistente, levantou. Paulinho fechou os olhos..

POW!

Com dificuldade, ainda se erguia. Escorregou sobre a poça de sangue, depois conseguiu se manter, tremendo sobre as pernas.

POW!

Agora ficou apenas sobre as pernas dianteiras trêmulas e dobradas. Se arrastava e seus olhos brilhavam. A baba escorria cada vez mais. Paulinho pensou ter visto uma lágrima descer do olho do boi.

O homem se afastou. Sua camisa estava salpicada de sangue e empapada de suor. Então chegou o garoto. Aproximou-se com a faca que havia amolado e um pote. Lançou-se de joelhos sobre a cabeça do boi. O boi o encarou, colocou-se de banda e recebeu um estocada na jugular. O sangue esguichou na cara do garoto até ser aparado no pote. O garoto o recebeu com um sorriso.

Legal, né não primo?

Quero ir pra casa… Tô meio enjoado…

Querido, fiz especialmente pra você, porque sei que você gosta, disse a tia, ao meio-dia. Seu prato preferido: bife acebolado.

O prato ficou ali, resistindo.

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