A grandeza do invisível

Victor sorri e explica a empolgação pelo trabalho desenvolvido em um dos maiores esforços colaborativos já tentados na ciência: o LHC (Large Hadron Collider), maior acelerador de partículas do mundo. Ele faz parte de uma equipe multiprofissional que reúne 5.500 físicos, engenheiros, técnicos, estudantes, equipes de suporte e quase três mil autores científicos de todos os continentes. Todos em busca da expansão das fronteiras do conhecimento e das respostas para questões intrigantes da ciência sobre forças fundamentais da natureza ou a constituição da matéria escura.

O cientista Victor Ferraz, também professor da graduação do curso de Engenharia Elétrica da UFRN, embarcou, no mês de novembro, para uma jornada de quase 30 dias para desenvolver um trabalho relevante na atualização do sistema detector de múons do Experimento ATLAS, sigla inglesa para A Toroidal LHC ApparatuS (Aparato Instrumental Toroidal para o LHC.

O ATLAS é o maior detector já construído para um colisor de partículas, apresentando 46 metros de comprimento e 25 metros de diâmetro. A construção massiva foi projetada para registrar as colisões de partículas de alta energia do LHC, que ocorrem a uma taxa de mais de um bilhão de interações por segundo no centro do detector. O aparato também possui mais de 100 milhões de canais eletrônicos sensíveis, usados ​​para registrar as partículas produzidas pelas colisões.

ATLAS é o maior detector já construído para um acelerador de partículas – Foto: Creative Commons

“O que mais me fascina é esse mundo invisível; é precisar dessas máquinas gigantescas para poder perceber coisas minúsculas que fazem parte da constituição de tudo, da mesma maneira que era nos primórdios, na criação do universo, coisas assim. É a possibilidade de descobrir ali algo que a ciência ainda não sabe que existe”, diz Victor. No caso do pesquisador, as tais “coisas minúsculas” também atendem pelo nome de múons, partículas para as quais ele desenvolveu um sistema de detecção.

Mas o que seria um múon? Cientificamente falando, podemos dizer que o múon é uma partícula elementar semelhante ao elétron, com carga elétrica -1 e um spin de 1⁄2, mas com uma massa muito maior (105,7 MeV/c2) e que de acordo com o modelo padrão, é classificado como um lépton. Para os não iniciados na física, basta compreender que o múon é uma daquelas “coisinhas minúsculas” e que não é formado por partículas mais simples.

O ATLAS é um dos principais experimentos do LHC na Organização Européia para Pesquisas Nucleares (CERN), em Genebra, na Suíça. Victor trabalha neste experimento desde 2013 e, atualmente, prepara o sistema desenvolvido para o próximo período de colisões de partículas. O comissionamento e estudo do desempenho desse novo sistema foi a base de um processo de authorship do experimento, que qualifica os componentes da Colaboração ATLAS. Com a aprovação, o professor foi reconhecido como autor do experimento, ou seja, a contribuição feita foi reconhecida como essencial ao experimento e aos resultados por ele obtidos.

LHC acelera feixes de partículas a velocidades próximas à da luz – Foto: Cedida

O acelerador de partículas e seus experimentos representam uma grande conquista para a Ciência, ao buscar entender a composição e o funcionamento do universo e da matéria que o compõem. No ATLAS, as colisões dessas partículas buscam recriar as condições da origem do universo, observando as transformações da matéria nuclear para melhor entender sua estrutura e, assim, validar ou adaptar modelos da Física de Altas Energias.

Os prótons, por exemplo, são acelerados a velocidades muito próximas à velocidade da luz e colidem a cada 25 ns. Para conseguir detectar os produtos gerados após as colisões, o experimento conta com várias camadas de detectores capazes de observar os mais variados tipos de partículas.

Sistema complexo

Victor explica que o sistema mais interno, o detector de traços (ID – Inner Detector), consegue identificar a trajetória e o momento linear das partículas carregadas. Logo em seguida, tem-se o sistema de calorimetria. “Este consiste em calorímetros de amostragem que possibilitam medições de energia através da absorção das partículas que por eles atravessam, principalmente de elétrons e fótons (calorímetro eletromagnético) e hádrons (calorímetro hadrônico).

Por fim, na parte mais externa, há o espectrômetro de múons, que envolve todo o experimento e é responsável por detectar, exclusivamente, os múons. Este sofre com partículas que emergem dos imãs toroidais utilizados no experimento, na região das tampas, sensibilizando as câmaras de detecção e gerando falsos-positivos”, explica Victor.

Como os múons de interesse são oriundos das colisões e esses falsos-positivos devem ser evitados, o pesquisador implementou, durante o doutorado na Coppe/UFRJ, um sistema que pode detectar a passagem do múon, oriundo da colisão, pelo calorímetro hadrônico de telhas (TileCal) e informar para o espectrômetro de múons. “Dessa forma, o sistema de múons pode realizar uma coincidência temporal de detecção do múon e diminuir os falsos-positivos, liberando a banda de detecção para melhores candidatos de interesse”, resume.

Victor Ferraz desenvolve sistema que diminuiu em 6% a taxa de eventos sem deteriorar a eficiência de detecção de múons – Foto: Cedida

O sistema foi idealizado, desenvolvido, fabricado e montado no Brasil, envolvendo UFRJ, UFJF e agências de fomento. São módulos de aquisição, processamento e comunicação chamados TMDB (Tile Muon Digitizer Board).

O pesquisador ressalta que foram implementados sistemas embarcados baseados em FPGA que precisam digitalizar o sinal analógico vindo das células dos calorímetros a cada 25 ns, realizar o processamento para detecção do múon e enviar os resultados para o sistema de múons.

“A detecção de múons no experimento é de suma importância, pois muitas das partículas de interesse têm canais de decaimento que geram múons”, diz Victor. “O bóson de Higgs, partícula experimentalmente observada pela primeira vez em 2012 pelos experimentos ATLAS e CMS (outro experimento do LHC), é um exemplo de partícula de interesse e pode ter múons em vários dos seus canais de decaimento”, continua. A observação do bóson de Higgs, que também ficou conhecida como “a partícula de Deus”, rendeu o Prêmio Nobel de Física em 2013 para o cientista belga François Englert e o britânico Peter Higgs.

Run

O sistema desenvolvido por Victor Ferraz durante a tese de doutorado foi instalado em 2015 e entrou em operação em 2018, após um longo período de comissionamento. Como resultado, o sistema conseguiu diminuir a taxa de eventos total de múons na região da tampa em torno de 6%, sem deteriorar a eficiência de detecção do sistema de múons.

O professor salienta que esse foi um grande feito dentro do experimento, visto que as próximas fases de operação do LHC irão aumentar o número médio de colisões (luminosidade) por pacote de prótons. “Esses períodos em que acontecem as colisões são chamados de Run. A Run 1 começou em 2011 e terminou no início de 2013, quando o número médio de colisões chegou a 25 e a energia do centro de massa de 8 TeV. Já a Run 2 começou em 2015 e terminou no final de 2018, com número médio de colisões 90 e energia de 13 TeV”, explica.

A viagem para Genebra acontece a convite do ATLAS, com financiamento próprio do CERN. Lá o professor deve preparar o experimento com vistas à próxima campanha de tomada de dados, a chamada Run 3 do LHC, que ocorrerá no início de 2022. “Assim, o Cluster ATLAS/Brazil expressa o seu apoio a atividade e sinaliza uma possível ação científica objetiva que aproxime a UFRN do Experimento ATLAS, com a colaboração de outros pesquisadores e alunos de graduação e de pós-graduação da Universidade”, destaca. Ele ainda pontua a recente aprovação da associação do Brasil ao laboratório pelo Conselho do CERN.

Fonte: Agecom/UFRN

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