Inclusão da comunidade neurodiversa: a invisibilidade dos estudantes autistas

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou autismo, é uma síndrome caracterizada pelo comprometimento da interação social, comunicação verbal e não verbal, bem como comportamento restrito e repetitivo que, normalmente, pode ser diagnosticada entre os dois e três anos de idade. Para representar a comunidade neurodiversa dentro da UFRN, surgiu o Coletivo Autista. “A importância do Coletivo Autista da UFRN é definida a partir de uma questão principal, que é a invisibilidade dos estudantes com TEA”, afirma a estudante de Ciências e Tecnologia e participante do coletivo, Sandra Borges.

De acordo com a psicóloga Danielle Garcia, da Secretaria de Inclusão e Acessibilidade da UFRN (SIA), atualmente existem 29 estudantes com TEA sendo acompanhados pela secretaria, vinculados a diversos cursos tais como Medicina, Ecologia, Biblioteconomia, Tecnologia da Informação, Letras, Ciências e Tecnologia e Física, dentre outros. “Mas sabemos que existem mais estudantes. Nem todos, porém, conseguem chegar até nós e solicitar o acompanhamento por diversas questões, inclusive falta de diagnóstico”, afirma Danielle.

O Coletivo Autista surgiu a partir de um grupo de orientação psicoeducacional para estudantes que eram acompanhados pela Secretaria de Inclusão e Acessibilidade (SIA/UFRN). As psicólogas Giuliana Ávila e Danielle Garcia, junto a dois estagiários do curso de psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (Facisa), Bianca Dantas e Leonardo Azevedo, realizaram a coordenação do grupo.

Desenho representativo dos membros do Coletivo Autista da UFRN. Arte: Brenda Forte

Cadastrado como um curso de extensão chamado Convivendo com o Transtorno do Espectro Autista no Ensino Superior, o objetivo era discutir coletivamente sobre o autismo e sobre ser uma pessoa neuroatípica no âmbito acadêmico. Também essa é uma forma de promover um espaço de compartilhamento de experiências e empoderamento coletivo, de orientar os estudantes e construir coletivamente estratégias para lidar com as possíveis dificuldades ao longo da trajetória acadêmica.

A psicóloga Giuliana explica que durante as sessões do grupo foram discutidos inúmeros temas. “Percebemos que muitas das dificuldades enfrentadas pelos estudantes participantes estavam relacionadas, na verdade, com a existência de barreiras, sendo elas, atitudinais, pedagógicas e comunicacionais, principalmente, em diversos âmbitos na universidade. Diante disso, a partir da divulgação de um evento de um coletivo autista de outra universidade federal, os estudantes interessaram-se pela construção de um coletivo na UFRN e, então, decidimos oferecer apoio e fomentar essa iniciativa dentro do próprio grupo, oferecendo espaço para discussão e organização inicial do coletivo. A partir disso, o coletivo agora está independente do grupo que promovemos e está se organizando e recebendo novos membros e pessoas interessadas em somar à causa”, explica a psicóloga Giuliana Ávila. Atualmente, Giuliana, Danielle e Bianca seguem acompanhando o grupo e fornecendo o apoio necessário para a sua estruturação.

Sandra Borges, estudante do curso de Ciências e Tecnologia da UFRN e participante do Coletivo Autista. Foto: Cedida

Por ser um espaço criado para trazer conforto aos estudantes, é perfeito para compartilhar as vivências, ajudar uns aos outros e refletir sobre as necessidades do público autista e neurodiverso. É o que afirma a professora da Escola de Ciências e Tecnologia, Ada Lima. “Como entendemos que essas necessidades não são apenas das pessoas do coletivo, podemos, em grupo, promover ações educativas, que ainda estão sendo discutidas, e organizar demandas para encaminhamento à instituição, de modo que mais autistas e outras pessoas neurodiversas sejam adequadamente incluídas na comunidade”, afirma a professora.

A estudante Sandra Borges explica que não há medidas específicas para autistas, porém isso reflete a invisibilidade das pessoas que têm o transtorno. “Por isso, nós já temos em mente algumas propostas do que precisamos para que a nossa universidade seja mais acessível, como salas silenciosas e escuras para descanso, mudanças no som dos alarmes dos setores, além de outras medidas”, complementa a aluna.

Masking

A personagem, escondida atrás de seu caderno de desenhos, observa os outros. Os padrões desenhados nos rostos de cada estudante transmitem a ideia de que cada pessoa na cena tem sua própria personalidade, enquanto a personagem usa uma máscara. Todos a observam como diferente, então ela tenta entender o motivo disso, procurando no espelho o que há de tão diferente. Depois de muita reflexão, variados diagnósticos, mudanças de medicamentos, ela finalmente descobre quem é e se liberta de sua máscara, revelando sua própria face. Arte: Brenda Forte

A história em quadrinhos inserida nesta reportagem foi produzida por um dos membros do Coletivo Autista, Brenda Forte, e é uma forma de representar a abertura de diálogo sobre o termo “mascaramento”. “O mascaramento ou masking é muito comum entre autistas, principalmente mulheres, por conta de todas as expectativas sociais que nos colocam, as quais obrigam a nos comportar de uma maneira específica para sermos aceitos. Essa prática é extremamente perigosa, pois o que pode parecer fácil para neurotípicos – como olhar nos olhos, por exemplo –, pode exigir uma quantidade de energia imensa de nós autistas, nos deixando exaustos e aumentando nossas chances de entrar em crise”, afirma a estudante de Ciências e Tecnologia.

“Em nossa percepção, temos um longo caminho pela frente, considerando que, para muitos de nós, até mesmo o diagnóstico em si já foi algo difícil de conseguir. Um dos motivos para isso é o próprio mascaramento, que utilizamos para sobreviver, mas não podemos negar o fato de que, por muito tempo, somente neurotípicos ganharam destaque em suas pesquisas e falas sobre autismo, que frequentemente tratavam de abordar o autismo de modo patologizante, incluindo tentativas de eliminá-lo e não de entendê-lo”, complementa.

“É muito importante deixar claro que o nosso coletivo não se propõe a incluir somente autistas, mas também outras neurodiversidades, como pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), discalculia, dislexia, entre muitas outras. A sociedade precisa saber que um diagnóstico de autismo ou de dislexia, ou qualquer outra neurodiversidade, não é uma sentença ao fracasso, não é um sinônimo de incapacidade. A comunidade acadêmica precisa saber que pessoas neurodiversas também pertencem às universidades. Somos docentes, somos discentes, somos servidores da UFRN, nós estamos aqui e exigimos nossa inclusão e acessibilidade”, encerra.

Para mais informações sobre o Coletivo Autista da UFRN, acesse o Instagram.

Medidas de inclusão dentro da UFRN

A SIA (antiga Comissão de Apoio a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais – Caene) orienta à comunidade universitária acerca do processo de inclusão e acessibilidade de estudantes. Foto: Cícero Oliveira

Desde 2010, a SIA (antiga Comissão de Apoio a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais – Caene) atua em prol da inclusão de pessoas com deficiência e necessidades específicas na UFRN. “De acordo com a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, Lei nº 12.764/2017, as pessoas autistas são consideradas pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais. Além disso, estão incluídas como público-alvo da Política Nacional de Educação Especial. Amparada nesses dispositivos legais, a SIA desenvolve ações a fim de fortalecer e valorizar o processo inclusivo, oferecendo à comunidade universitária um espaço de referência para orientação e apoio à inclusão do referido público no âmbito da instituição”, explicou Giuliana.

Em 2019, a UFRN elaborou sua Política de Inclusão e Acessibilidade com a finalidade de promover e garantir as condições  adequadas de acesso e permanência com participação nas atividades acadêmicas e profissionais das pessoas com necessidades específicas. “Com esse objetivo, a SIA realiza o acompanhamento educacional desse público, orientando a comunidade acadêmica, especialmente os docentes, acerca das necessidades específicas dos estudantes com TEA acompanhados, realiza formações, capacitações, eventos e publicações na área de inclusão, presta consultoria e incentiva projetos de pesquisa e extensão na área, como o que foi promovido pelas psicólogas da SIA. Esperamos que, com a atuação do coletivo, possamos fortalecer ações específicas voltadas para esse público”, encerra a psicóloga da SIA.

Fonte: Agecom/UFRN

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