Maior floresta sazonalmente seca no mundo, a Caatinga é um bioma endêmico do Brasil, ou seja, não ocorre em outra parte do planeta. Tal fato já deveria ser suficiente para despertar a necessidade de preservá-la, mas podem ser somados ainda a vasta biodiversidade, a grande quantidade de espécies a serem descritas e a sua importância social e cultural. Porém historicamente esse cuidado não foi prioridade.
E isso se reflete em números. Atualmente a Caatinga conta tão somente com 8,9% de sua área sob proteção em Unidades de Conservação (UCs). Entre estas, a categoria menos restritiva são as chamadas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), justamente as que abrigam cerca de 80% do sistema de UCs da Caatinga. Com menor grau de proteção, as APAs, em geral, abrangem zonas com terras públicas e privadas, ocupação humana e dificuldades, das mais diversas naturezas, quanto à gestão e à aplicação de ações propostas pelos planos de manejo.
A partir de dados como esses, obtidos no Ministério do Meio Ambiente, um estudo conduzido por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ecologia do Centro de Biociências (CB/UFRN) mostra o pouco investimento na conservação da Caatinga, em especial nos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. O trabalho apresenta o desequilíbrio na proteção dessas áreas e sugere medidas para um manejo mais eficiente e efetivamente defensor do bioma.
Intitulado The Brazilian Caatinga protected areas: an extremely unbalanced conservation system (As áreas protegidas da Caatinga brasileira: um sistema de conservação extremamente desequilibrado, em tradução livre), o artigo foi publicado recentemente no periódico Environmental Conservation.
Quatro estados da região Nordeste concentram a maior proporção de Caatinga em seus territórios: Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A maior proporção de Caatinga sob proteção está em Pernambuco, com 7,9%, seguida pelo Ceará (6,8%). Já Rio Grande do Norte e Paraíba têm as menores taxas em unidades de conservação, protegendo apenas 0,8% e 1,1%, respectivamente.
“A pesquisa avaliou a expansão em número e área das unidades de conservação da Caatinga entre 1946 e 2021, comparando as diferenças nesses aspectos entre as esferas governamentais e as categorias de unidades de conservação”, explica a professora do Departamento de Ecologia da UFRN, Míriam Plaza Pinto, uma das autoras e orientadora da pesquisa que deu origem ao artigo.
Em um contexto mais amplo, os resultados apresentados no artigo podem subsidiar o empenho em alcançar objetivos internacionais, mostrando como o Brasil ainda está distante deles. Entre estes estão as Metas de Aichi (Japão), da Convenção da Diversidade Biológica, segundo as quais deveria se buscar a preservação de pelo menos 17% da área de biomas terrestres.
Enquanto isso, no ambiente doméstico, a pesquisa ratifica a necessidade de pelo menos três medidas: maior investimento em projetos com objetivo de conservação da Caatinga que deem suporte à criação, expansão e gestão de unidades de conservação; incentivo aos estados para priorizar a criação de unidades de conservação, de acordo com as áreas prioritárias para esse objetivo previamente definidas pelo Ministério do Meio Ambiente; e implementação e manejo efetivo das UCs que já existem.
“Este bioma sofre pressões de uso humano, como perda e fragmentação de vegetação nativa por conversão para agricultura e pastagem, ocupação humana, além de queimadas e mudanças climáticas. Sem uma rede representativa de unidades de conservação, a Caatinga sofre risco de perder componentes da biodiversidade conhecidos, ou mesmo espécies que nem sequer foram descritas”, afirma Míriam.
Nesse sentido, dados como os revelados neste artigo reforçam a necessidade de políticas ambientais mais específicas. “Essa pesquisa sintetiza vieses e tendências no sistema de unidades de conservação da Caatinga e pode dar suporte a futuras decisões para conservação desse bioma”, conclui a pesquisadora.
Assinam ainda o artigo Marília Gomes Teixeira, primeira autora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Eduardo Martins Venticinque, professor do Departamento de Ecologia e co-orientador da pesquisa, e Marília Bruzzi Lion, parceira da pesquisa enquanto pós-doutoranda no programa.
Fonte: Agecom/UFRN