“Parabéns, é um menino”, disse o médico às 14 horas daquele 1ºde fevereiro de 78. E o velho repetiu a si mesmo: um menino! Talvez, imaginando um abre alas menos vulgar, deu aos filhos homens nomes de batismo estrangeiros. E do bebê de pouco mais de três quilos, nascido às 14 horas daquele dia 1ºde fevereiro de 78, até a unidade B-121, onde me tornei o 525, abastecedor de estrumes numa grande loja de supermercados aqui da cidade, foram exatos 6.955 dias gastos com água, alimentação, luz, escola e sabe-se lá o quê – Foi mal, pai.
Quando já contavam 820 dias no emprego, minha gerente tocou meu ombro:
“Somos gratos por seus esforços, 525, mas, infelizmente, você não tem ajudado a alcançar os objetivos de nossas metas semestrais, então…”
Tempos depois, soube que encontraram outro melhor para fazer o que eu tinha de pior.
Demitido em menos de 182 dias, o 526 também não havia batido a meta semestral dos estrumes, as metas mensais, etc., conforme apontavam seus indicadores.
“Só a mensalidade de um playboy desses dá pra pagar meu salário, o seu e ainda sobra”, escutei de um amigo, já no meu malfadado segundo emprego, 182 dias depois de ter sido reaproveitado para trabalhar na portaria de uma faculdade. Ainda assim, consegui ascender, em pouco mais de 720 dias, da portaria a uma vaga em uma das coordenações, não sem antes escutar de garotos e menininhas, na flor de seus 480 dias de vida, “Eu pago seu salário!” ou “Vá se fuder, seu babão!” ou até “Vá tomar no cu”– isso em todas as minhas 6 horas de serviço diário, 42 horas semanais, 720 horas mensais, por não lhes permitir entrar pelo portão lateral que dava acesso à faculdade, bem como ainda ver o recall de toda a equipe de serviço de limpeza e portaria reunida num dia ensolarado no pátio. “Não somos nós, são os números de nossa empresa. Queríamos deixar isso bem claro, antes de mais nada…” Talvez estivesse mesmo na hora, porque algumas peças rangeram alto,a ponto de quase se romperem ali mesmo no pátio.
Minha performance mostrava níveis interessantes. Agora, em outra função, em outra faculdade, tornei-me o 270. Em nossas reuniões, a cada 42 horas, nossos gráficos nos mostravam sempre o que éramos, onde estávamos, onde deveríamos estar. Competindo entre nós mesmose com os de fora. Nossos percentuais nos ensinavam o que dizer, quando dizer, o que vestir, quando sorrir.Talvez daí venha a expressão “Um espetáculo com seus números de mágica”, que é quando você quer causar encanto.
Sabe quanto vale você? 20.000 reais é o que você vale, falava um amigo há 1095 dias, ao compartilhar seus pensamentos de que se um de nós morrêssemos a caminho do trabalho era o quanto pagariam a título de seguro de vida. Hoje, talvez bem menos, levando em consideração que não acompanhamos a alta da gasolina de lá até aqui, e, com o tempo, nossas peças de manutenção só perderam valor de mercado.
“Por favor, você pode vir até aqui a minha sala?…
“Queríamos deixar isso bem claro, antes de mais nada…Não somos nós, são os nossos números…”
Porque sempre se usa o plural para causar uma ação singular? É o que me pego calculando às vezes.
“Ok. Onde assino?” Afinal, foram 2.920 dias. Minhas peças não rangeram, não verteram óleo. Os motores já estavam mesmo cansados. Houve uma avaria no sistema operacional. Mas aí é quando o “nós” deixa de existir e entra o “problema é seu”.Como um dominó, também assinaram o 210 e o 208, com mais de 3.000 dias.
E ainda causou espanto a notícia no El País de que a filial Russa da empresa Xsolla, com sede em Los Angeles,decidiu demitir, sem aviso prévio, 150 dos 450 funcionários de seus escritórios em Perm e Moscou seguindo apenas a recomendação de um algoritmo de eficiência no trabalho que os considerou “improdutivos” e “pouco comprometidos” com os objetivos da empresa.
Como são emotivos os humanos!