A parte visível na superfície da composição de um poço de petróleo diz pouquíssimo sobre ele. O movimento monótono de descida e subida do equipamento, composto pelo motor, pela cabeça de cavalo e pela haste polida, entre outros equipamentos, esconde um complexo processo de construção para a viabilidade da produção, processo que engloba etapas como perfuração e revestimento.
Na primeira, como o próprio nome indica, uma broca abre um furo no solo até determinada profundidade. Após o caminho ser aberto, é inserido um tubo metálico – de revestimento, com diâmetro levemente inferior ao já existente. Com o intuito de melhorar – e até manter – a integridade estrutural do poço recém perfurado, entre o espaço do tubo e a parte rochosa do poço propriamente, é colocado cimento. Esse momento é uma das operações mais importantes para permitir uma condição segura e econômica durante toda a vida produtiva do poço, a fim de, entre outras funções, impedir a intercomunicação de fluidos das camadas das formações rochosas. Em outras palavras, impedir que a água, por exemplo, invada o canal pelo qual o petróleo passará ou ainda proteger o revestimento metálico de possíveis danos causados por ambientes corrosivos, típicos das camadas mais profundas da Terra.
Pois bem, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) recebeu, no final de setembro , o patenteamento de uma nova tecnologia que funciona como alternativa ao uso do cimento em tais situações. A mudança trata-se do desenvolvimento de sistemas de pastas à base de sulfato de cálcio hidratado para aplicação em poços petrolíferos e apresenta benefícios econômicos e ambientais.
“Enquanto a cal e o cimento Portland exigem temperaturas de calcinação superiores a 700°C e 1400°C, respectivamente, o sulfato de cálcio, popularmente conhecido como gesso, é obtido em temperatura de aproximadamente 140°C, temperatura essa que pode ser atingida até mesmo com sistemas de aquecimento simplificado, cujo consumo de energia é reduzido. Além disso, enquanto os dois primeiros aglomerantes, no seu processo de fabricação, liberam gás carbônico para a atmosfera, o sulfato de cálcio lança apenas vapor de água”, explica o cientista Júlio Cezar de Oliveira Freitas.
Ele forma ao lado de Ulisses Targino Bezerra, Ana Cecília Vieira da Nóbrega, Petrúcia Duarte da Silva, Dennys Salvino Sérgio Pereira, Fiamma Raphaela da Silva Silvestre, Dulce Maria de Araújo Melo, Marcus Antonio de Freitas Melo e Antonio Eduardo Martinelli o grupo de inventores que recebeu o registro da propriedade intelectual da tecnologia no último dia 28 de setembro. A equipe frisa que a tecnologia foi desenvolvida levando em consideração temperatura e pressão de poços petrolíferos do RN e que os sistemas já estão ajustados para aplicação em campo, com a eficiência das pastas à base de sulfato de cálcio já comprovada por meio de testes experimentais realizados em laboratório.
Outro aspecto interessante é que o gesso tem uma vasta gama de aplicação. Na construção civil, está em revestimentos em blocos e painéis de vedação, forros e elementos de decoração nas construções. Na medicina, o sulfato de cálcio é substância base para o gesso ortopédico e o gesso odontológico, ao passo que, na indústria cerâmica, é usado na fabricação de louças sanitárias e de mesa. Até mesmo na pasta de dente ele está. Tal contexto evidencia um aspecto: há uma indústria produtora bastante desenvolvida, não necessitando de implantação de parques fabris, mas apenas adaptação às condições dos critérios da indústria do petróleo. Inclusive, o Nordeste responde por mais de 90% da produção nacional.
A concessão da patente é fruto direto da tese defendida por Dennys Salvino Sérgio Pereira no Programa de Pós-Graduação em Química da UFRN, cujos experimentos foram realizados no Núcleo Tecnológico em Cimentação de Poços de Petróleo (NTCPP) do Instituto de Química da UFRN. Segundo Dennys, a nova tecnologia apresenta também vantagens energéticas, com a redução na energia utilizada na obtenção do gesso, quando comparado ao cimento Portland. “É interessante frisar que os resultados obtidos a partir da formulação à base de sulfato de cálcio mostram-se aplicáveis às condições de campo da indústria petrolífera, já que a formulação de sulfato de cálcio mostrou-se estável, não havendo sedimentação das partículas, fator importante para a manutenção da coesão dos sistemas”.
Núcleo Tecnológico de Cimentação de Poços de Petróleo (NTCPP)
Fruto de parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal de Pernambuco e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, a nova tecnologia tem no Núcleo Tecnológico de Cimentação de Poços de Petróleo (NTCPP) a sua gestação e concepção essencial. E não à toa.
Anteriormente denominada Laboratório de Cimentos, a unidade recebe novo nome em 2013 não por acaso: o intuito era atender a uma demanda científica, tecnológica e de recursos humanos do setor produtivo de óleo e gás do Brasil. Fruto da união entre os centros de Tecnologia (CT) e de Ciências Exatas e da Terra (CCET), com o aporte da parceria com o Centro de Pesquisas da Petrobras (CENPES), a unidade é reconhecida nacionalmente por seu trabalho, inclusive possuiu, durante bom tempo, o único laboratório de porte no Brasil para pesquisa na área de cimentação de poços de petróleo.
Vinculado também ao Instituto de Química e com área de 675 metros quadrados, o docente Júlio Cezar pontua que o Núcleo é constituído por um grupo de pesquisadores multidisciplinar, com participação de engenheiros, físicos e químicos que atuam desde a caracterização físico-química dos materiais até sua aplicação em escala de campo. “A mistura de áreas garante conhecimentos específicos para entender como diversas substâncias se comportam e, assim, identificar o melhor componente, tendo em vista as diferentes formações geológicas, profundidades e temperaturas diferentes”, defende Júlio Cezar. Ele acrescenta ainda que o relacionamento com a Petrobras garante ao NTCPP vínculo estreito com o setor produtivo, situação propícia para a transferência de tecnologia entre a academia e a indústria, “o que permite que estudos sejam aproveitados por empresas da área interessadas em desenvolver produtos para o mercado”, finaliza.
Imagens: Cícero Oliveira
Fonte: Agecom/UFRN