Ao mudar uma sala de aula, é possível transformar toda uma comunidade? Essa inquietação levou uma pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a movimentar um bairro inteiro e a provar que a colaboração é capaz de construir novo sentido no papel da escola, tornando-a capaz de promover mudanças para além de seus muros. O resultado foi tão surpreendente que a pesquisadora Alana Driziê foi uma das 49 vencedoras do Prêmio Capes de Teses 2021, concedido para as melhores teses de doutorado defendidas em 2020 em todo o país.
Alana desenvolveu um projeto de letramento comunitário a partir de uma rede de atividades envolvendo práticas de leitura, fala e escrita junto ao ambiente escolar, família e comunidade, sendo a escola o espaço responsável por essa articulação. Esse processo permitiu a valorização de espaços educativos formais e não formais e de saberes locais, o qual foi registrado por meio de um livro eletrônico elaborado com os alunos. A pesquisa, orientada pela professora Maria do Socorro Oliveira, do Departamento de Letras (LET), buscou identificar os impactos no redimensionamento das práticas de fala, leitura e escrita no espaço escolar.
Realizado no bairro de Nova Descoberta, em Natal (RN), tendo como espaço central a Escola Municipal Professor Ulisses de Góis (EMPUG), o estudo envolveu ainda a UFRN – considerando a TV Universitária, o Museu de Ciências Morfológicas (MCM) do Centro de Biociências (CB/UFRN) e a Biblioteca Central Zila Mamede (BCZM/UFRN) –, o batalhão, supermercado, castelo, ruas do bairro e casa dos alunos. Ao todo, foram mobilizados 100 colaboradores, entre alunos da turma de 1º ano do ensino fundamental da EMPUG, membros da equipe escolar, familiares dos alunos e agentes comunitários.
A partir de uma abordagem metodológica focada no paradigma qualitativo e na etnografia, a pesquisadora realizou ações semanais junto à turma escolar, com foco no engajamento escola-família-comunidade. Para isso, executou diversas atividades, cuja base partiu da mobilização de conhecimentos das próprias estruturas sociais, políticas, educacionais e econômicas vinculadas ao bairro. Um exemplo disso foi uma palestra para alunos e familiares sobre alimentação saudável com nutricionista do Supermercado Rede Mais. Também foi realizado um city tour com agentes da comunidade pelo próprio bairro, uma oficina de robótica na escola RoboEduc e visita aos espaços culturais da UFRN (TV Universitária, MCM e BCZM). Imagens, vídeos e textos orais e escritos provenientes dessas atividades foram reunidos no e-book, e as práticas viraram objeto de análise da tese de Alana.
Considerando a relevância social, a pesquisa contribuiu para repensar espaços, relações e agentes envolvidos na educação pública brasileira, tendo na escola o papel de catalisadora de ações. “Com o engajamento escola-família-comunidade, saberes que vão além do currículo escolar podem ser mobilizados, dando valor ao conhecimento local do bairro. Para o campo de estudos de letramento, a pesquisa foi pioneira no contexto brasileiro ao tratar de letramento comunitário, termo já utilizado internacionalmente, academicamente, empregado por centros e programas sociais de diversos países”, explicou a pesquisadora.
Como o prêmio prevê uma bolsa de pós-doutorado aos premiados, Alana está elaborando um plano de estudos nesse nível de ensino para continuar explorando o tema do letramento comunitário. “As ações anteriores puderam, localmente, contribuir para o redimensionamento de papéis, currículos e espaços de aprendizagem. O próximo passo é expandir esses ganhos para um contexto macro, por meio da relação entre letramento comunitário e políticas públicas no Brasil”, destaca.
A UFRN teve cinco pesquisas premiadas no Prêmio Capes de Teses 2021, além do grande prêmio da categoria Dimensions Sciences, cujo objetivo é reconhecer o trabalho de mulheres cientistas que trabalham com temas voltados para inovação e empreendedorismo na área de biotecnologia. A tese de Alana foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA/UFRN).
Professora e divulgadora
Natural de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, Alana Driziê Gonzatti dos Santos mora em Natal há 18 anos. “Desde pequena, tinha o desejo de me tornar professora, motivo pelo qual fui pelo caminho da licenciatura. Durante o curso de graduação, tive oportunidades de trabalhar com iniciação científica e assim comecei a me interessar por verticalizar meus estudos em nível de mestrado e doutorado”, conta.
Segundo ela, à medida que foi avançando em seus estudos científicos, percebeu que havia muito pouco material com orientações, dicas e informações sobre escrita científica, processos seletivos e a vida em si do cientista cursando mestrado e doutorado. Por isso, em 2017, no início do doutorado, criou um canal de divulgação científica no YouTube, intitulado Carreira Universitária, que atinge milhares de estudantes brasileiros com informações sobre a popularização da ciência. O canal tem mais de 24 mil inscritos.
Em 2010, iniciou seus estudos acadêmicos na Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa e Literatura pela UFRN. Na sequência, realizou mestrado e doutorado em Estudos da Linguagem na mesma instituição. “Meu percurso acadêmico de pesquisas desde a graduação foi relacionado aos estudos de letramento, passando pelo letramento digital, familiar e comunitário. No doutorado, focalizei no letramento comunitário por conta da falta de registros acadêmicos e ações sistemáticas na área, além da relevância social existente na temática”, completa. Atualmente, Alana é professora de Língua Portuguesa do Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Inovação do RN (IFRN).
Para Alana, o Prêmio Capes de Teses é uma oportunidade de valorização de pesquisas que focalizam a transformação social e a mobilização comunitária como trabalhos que trazem contribuições científicas significativas no nosso país.
Fonte: Agecom/UFRN