Os altos níveis de estresse e de consumo de álcool estão aumentando mais entre as advogadas do que entre os advogados. É o que mostra estudo realizado nos Estados Unidos por Justin Anker, da empresa Krill Strategies LLC, divulgado recentemente. O cenário no Brasil não é tão diferente. Autora do primeiro estudo realizado no país sobre a saúde física e mental dos advogados, Fátima Antunes, psicóloga e professora universitária, especialista em gerenciamento do estresse pelo International Stress Management Association (ISMA/BR), conta que o nível de exaustão dos que se dedicam a defender os direitos do cliente é muito elevado.
No Brasil, há 1.220.576 profissionais de direito e cerca de 52% deste número são advogadas, 610.369 profissionais. É o que mostra o quadro da advocacia mantido pelo Conselho Federal da OAB. Autora do livro “Estresse em Advogados”, Fátima Antunes, disse que vem aumentando o número de advogadas com a saúde mental abalada. “O estudo que realizei e que deu origem ao livro ‘Estresse em Advogados’, aponta que as mulheres apresentam 11% a mais dos sintomas relacionados a questões psicossomáticas do que os homens. Esse fator pode estar relacionado à dupla ou tripla função feminina na sociedade atual. Elas vivenciam mais estresse, por serem mais impactadas pelos sentimentos de falta de tempo para a família e as inúmeras tarefas que precisam dar conta no dia a dia”, avalia Antunes.
A advogada Priscila Martins, especializada nas áreas família e criminal, além de ser defensora dos direitos da mulher, inclusive produz conteúdo jurídico às mulheres no Instagram @advpriscilamartins, sabe como o estresse e a ansiedade debilitam a saúde mental das advogadas. O estresse começou antes da ansiedade e, segundo ela, os sintomas só foram percebidos quando já estava sofrendo os sinais físicos do problema. “Um certo dia, saí para fazer uma audiência criminal. Estava tão preocupada com o resultado da audiência que eu esqueci totalmente de me alimentar ou beber água. O medo de falhar e causar um transtorno na vida do meu cliente me deixou esquecer literalmente da minha alimentação. Só lembrei da alimentação quando cheguei em casa, às 20h. O detalhe é que a audiência começou, às 13h, e terminou às 18h. Simplesmente esqueci de comer por esse longo período”, recorda.
Para Priscila Martins, a ansiedade a deixou com insegurança e impaciência. “Não baixou meu rendimento profissional, porque eu só consigo ficar em paz se eu finalizar o que é necessário naquele dia referente aos processos, vou dormir pensando nos processos e acordo pensando nos processos e prazos”, destaca. Com os alertas indicando que havia alguma coisa fora de ordem na saúde mental dela, a advogada Martins decidiu procurar ajuda psicológica. Com dois meses fazendo terapia, Martins diz que está se sentindo menos ansiosa e com mais paciência para realizar as demandas da profissão.
“Se tenho um prazo que vai vencer durante a semana, consigo aproveitar o meu final de semana em paz e depois organizar a tarefa. Acho que a primeira coisa que nós advogadas devemos observar é que algo está errado e que precisamos de ajuda, pois quando nossa cabeça não consegue acompanhar nosso trabalho , ficamos desmotivadas e nos sentimos impotentes. Mas, na verdade, temos todo o conteúdo e o conhecimento. Portanto, só precisamos organizar nossos sentimentos e a nossa mente”, ensina a advogada Martins.
No estudo americano, o resultado aponta para um alto envolvimento com o trabalho, 67% dos participantes afirmaram trabalhar mais de 40 horas por semana. Para 25%, o número subiu para 51 horas semanais. Além disso, os profissionais mais jovens tinham de 2 a 4 vezes mais probabilidade de ter níveis de estresse moderado ou alto do que os mais velhos. “Os profissionais da advocacia, aqui, no Brasil, dedicam ao trabalho cerca de 50 horas semanais para os homens e 46 horas semanais para as mulheres, não incluídas as dedicadas a estudos e pesquisas”, destaca Antunes. Quanto à sobrecarga laboral no trabalho das advogadas, a psicóloga Antunes explica que estão incluídos itens associados principalmente à demanda psicológica, como o ritmo frenético, as atividades repetitivas e sua frequente interrupção, a espera pelo trabalho de terceiros, a quantidade de horas dedicadas e o volume de tarefas, além da necessidade de concentração na sua realização.
No livro, Antunes revela que o estresse é uma realidade inquestionável no segmento da advocacia, que se estabelece principalmente a partir das demandas psicológicas associadas ao trabalho e ao perfil exigido do profissional. “Embora haja grande sofrimento por parte de muitos advogados, eles possuem dificuldade em assumir que precisam de algum tipo de suporte emocional. Na maioria das vezes atuam sozinhos e precisam resolver sozinhos as demandas que se apresentam. Muitos dizem que estresse em advogados não existe. Acho, porém, que com a situação da pandemia pelo novo coronavírus, as pessoas hoje entendem melhor que a saúde mental compromete a saúde física, as relações e os resultados do trabalho”, analisa.
Antunes considera que o livro “Estresse em Advogados” tenha chegado ao mercado em boa hora, porque aumenta a possibilidade do entendimento sobre a importância de olhar com atenção e zelo pela saúde mental, inclusive como forma de sobreviver à realidade da profissão. Perguntada se o livro tem estilo de autoajuda, Antunes disse que a publicação não pretende ser um livro de autoajuda, mas um manual que propicie reflexões e autoconhecimento. “Eu ousaria dizer que não apenas para advogados. Pretendo fazer com que os profissionais de uma forma geral estejam mais atentos à própria saúde e à qualidade de vida. Espero que todos entendam que cuidar da saúde psicológica é algo que os ajudará a obter melhor resultado na carreira”, afirma. No perfil do Instagram, a psicóloga Antunes faz atendimento às advogadas e aos advogados, além de produzir conteúdo sobre o tema. O livro Estresse em Advogados pode ser obtido nas versões física e ebook nas principais livrarias em todo Brasil.